capa: Sérgio Sister
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EDITORIAL | | TEXTOS | O autor procura centrar o problema da tortura planejada como assunto político e cidadão, afastando-se da tradicional medicalização vitimológica. Considera que seus efeitos e consequências excedem o sofrimento psíquico e fazem adoecer o laço social por várias gerações. As marcas danosas ou criativas desse processo são definitivas, e é ilusório pensar em uma reparação integral, como implícito nas noções de PTSS (post traumatic stress disorder) e de resiliência. ABSTRACT The author seeks to situate the problem of systematic torture as a political issue that concerns political subjects, and to turn away from the prevailing medical perspective of victimization. He argues that the consequences of political violence largely exceed individual psychic suffering; on the contrary, they should be regarded as a sickness of the social link. Whether harmful or creative, the marks of this kind of violence are definitive, and notions like PTSD (Post Traumatic Stress Disorder) or resilience, which aim at a complete reparation/cicatrization of the trauma, lead to dangerous illusions. A proposta deste artigo é a de apresentar a tortura como um ato que revela o pior do humano, tomando como referência textos de Freud e de outros autores deste campo. A existência de um resíduo de destrutividade instaurado na cultura a partir do assassinato do pai primitivo inscreve a tortura como uma prática dos humanos desde tempos imemoriais. O uso de cobaias humanas nos campos de extermínio nazistas; as práticas medievais de tortura e sua sustentação em diferentes momentos e países são exemplos de que a tortura é um procedimento dos humanos e nos permite afirmar que ela não se extingue apesar de sua reiterada proibição. A prática da tortura no Brasil durante a ditadura civil-militar instalada a partir de 1964 comprova que instrumentos de tortura usados na Idade Média, pelos inquisidores, foram incorporados pelos ditadores com o apoio do Estado brasileiro.
Palavras-chave?tortura; destrutividade; ditadura civil-militar no Brasil. ABSTRACT The purpose of this article is to present torture as an act that reveals the worst of the human being, with references to Freud's writings and other authors on this field. The existence of a residue of destructiveness established in culture from the murder of the primal father, inscribes torture as a human practice since immemorial times. The use of humans as test subjects in Nazi death camps; medieval practices of torture and their support at different times and countries are examples that torture is a procedure of humans and allows us to affirm that torture is not extinguished despite his repeated prohibition. The practice of torture in Brazil during the military dictatorship installed in 1964 proves that instruments of torture used in the Middle Ages, by the inquisitors, were incorporated by dictators with the support of the Brazilian state. O artigo reflete sobre a importância dos rituais funerários e dos túmulos como signos da presença dos mortos na memória dos vivos. Tenta mostrar como essa exigência orienta o trabalho poético desde a Ilíada e como ela se repete no contexto doloroso dos desaparecidos da ditadura militar no Brasil, analisando notadamente dois textos recentes, entre ficção e testemunho, de Bernardo Kucinski. Por fim, pergunta-se a respeito do descaso manifestado no enterro em valas comuns de pessoas pobres, facilmente identificáveis, sem aviso às famílias que continuam, por anos, a procurar por desaparecidos. ABSTRACT The article reflects on the importance of funeral rites and tombs as signs of the presence of the dead in living memory. The article attempts to show how this requirement guides the poetic work since the Iliad and how it repeats itself in the painful context of the disappeared of the military dictatorship in Brazil, notably analyzing two recent texts, between fiction and testimony written by Bernardo Kucinski. Finally, the question arises as to the manifested neglect in the burial of poor people, that could be easily identifiable, in mass graves, but without communicating to families – that continue for years searching for the disappeared or missing?. Este artigo retoma, parcialmente, o contexto histórico do golpe de 1964 no Brasil, para ressaltar as interrupções de processos democratizantes então em curso e seus efeitos na destruição e na reconstrução de caminhos para o país. Por meio da clínica com ex-presos políticos e com adolescentes das periferias de São Paulo, procura evidenciar os efeitos tardios da ditadura em alguns dos componentes dos processos de produção de subjetividade. Ao final, indica a constituição do comum como uma direção possível e desejável na produção de novos processos de subjetivação. ABSTRACT This article partially resumes the historical context of the coup d'état of 1964 in Brazil, with the purpose of showing the interruptions of democratic actions in course at the time, and the effects on both destruction and construction of paths for the country. Through clinical practice with ex-convicted politicians and youngsters from the outskirts of São Paulo, the text intends to clarify the late effects of the dictatorship on some of the components that constitute the process of production of subjectivity. At the end, it indicates the constitution of the common as a possible and desirable direction on the production of new subjectivity processes. A relação entre psicanálise e política é o centro da discussão: de que forma fomos marcados pelos anos de terror do estado? Separar a cidadania do exercício da clínica psicanalítica foi a postura adotada pelas instituições oficiais. Hoje, com as Comissões da Verdade e uma Clínica do Testemunho, passamos a nos haver com as sequelas do traumático e a questão do perdão. ABSTRACT The relationship between psychoanalysis and politics is at the heart of the discussion: in which way were we imprinted by the years of terror by the state? Separating the citizenship from the practice of clinical psychoanalysis was the attitude adopted by the official institutions. Nowadays, with Comissões da Verdade [Committee of Truth] and Clínica do Testemunho [Clinic of Testimony] we have begun to face the aftermath of a traumatic past and the issue of pardon. Este artigo examina algumas aproximações importantes entre os procedimentos, as ambições e os desejos presentes numa situação inquisitorial operada por agentes de repressão do estado. Procura aproximar, mais especificamente, determinados instrumentos de coação utilizados pela repressão brasileira no período em que vigorou a ditadura civil-militar no Brasil. O exame da Operação Bandeirante, em São Paulo, será utilizado como exemplo de tentativa discursiva e técnica de inscrição mimética de hierarquias, poderes e identificações forçadas, numa tentativa de transformar os subversivos em guardiões da ordem. ABSTRACT This article examines some important similarities between the procedures, ambitions and desires present in a situation inquisitorial operated by repression agents of state. I will look closer, more specifically, some instruments of coercion used by the Brazilian repression during civil-military dictatorship period in Brazil. The examination of the bandeirante operation in São Paulo will be used as example that tried to carry out discursive and technique inscriptions in the civilian persons in order to produce a mimetic inscription of hierarchies, power and forced identifications between them. This, as much as possible, to become the subversives in guardians of order. Este artigo desenvolve os conceitos psicanalíticos de ódio, agressividade, sadismo, crueldade, sinistro e pulsão de morte para compreender as consequências psíquicas da violência da ditadura sobre os afetados pela violência de Estado. Qual é o papel dos psicanalistas na reconstrução da memória histórica e na escuta dos testemunhos? ABSTRACT This article develops the psychoanalytic concepts of hate, aggressiveness, sadism, cruelty, ominous behaviours and pulsion of death to understand the psychic consequences of dictatorship events upon the subjects affected by State violence. What is the function of psychoanalysts in the reconstruction of historical memory and in listening the testimonies? No bojo da vivência traumática, o sujeito fica acossado na posição de vítima silenciada. O texto aborda a transferência atratora da violência intrapsíquica para transformá-la em investimento intersubjetivo possível de ser elaborado (Green), e retoma exemplos de trabalhos coletivos que enfrentam a violência sofrida pelo sujeito psíquico e por grupos envolvidos (Viñar). A abertura intersubjetiva permite outras identificações ao sujeito desvitimizado.
ABSTRACT When traumatized, the subject becomes corned in the position of being silenced victim. This work deals with the transference attraction of intrapsychic violence to transform it into intersubjective investiment capable of being worked through (Green). It also refers to examples of group works, which challenge the violence experienced by psychic subject and by the collectives involved (Viñar). The intersubjectivity opens for the subject possibilities of other identifications to get him out of the victimezed position. O trabalho trata das consequências do estado de exceção, em que há supressão da ordem jurídica, sobre as subjetividades. Propõe que esta suspensão acarreta, para os sujeitos, uma situação de desamparo, em razão da instalação das mesmas condições causadoras do trauma psíquico. Por meio da “força de lei sem lei” o próprio pacto civilizatório é atacado pelo Estado, que devolve os sujeitos à situação psíquica primitiva, anterior ao estabelecimento da lei. Como conclusão, examina a resistência à ditadura como meio de reparação e defende o direito à verdade e à ab-reação como condições para a elaboração traumática para suas vítimas. ABSTRACT The work deals with the consequences of the state of exception, in which there is suppression of the legal order, on subjectivities. Proposes that this suspension leads the subjects to a situation of helplessness, because of the installation of the same conditions that cause the psychological trauma. Through the “force of law without law” the civilizing covenant is attacked itself by the State, which induces the subjects to return to the primitive psychic situation, prior to the establishment of the law. In conclusion, examines the resistance to the dictatorship as a means repair mode and defends the right to truth and abreaction of traumatic as conditions to a through work for their victims. O conceito psicanalítico de trauma psíquico, e os seus desdobramentos, permitem analisar os efeitos na subjetividade individual e coletiva dos regimes totalitários e o terrorismo de Estado assim como sua “herança” na fase histórica subsequente. Os processos de dessubjetivação resultam da internalização da violência e a instalação da recusa, por falência das instâncias de reconhecimento e apelação. Destaca-se o valor dos atos de resistência e do acolhimento afetivo e simbólico das vítimas, assim como a reparação do tecido subjetivo individual, familiar e social através do restabelecimento da confiança, da rememoração, da experiência do testemunho e dos atos de justiça pondo fim à impunidade. ABSTRACT The psychoanalytic concept of psychic trauma allows us to analyze the effects that totalitarian regimes and state terrorism have on individual and collective subjectivity, as well as its “heritage” in the next historical period. The internalization of violence, aggravated by disavowal and the failure of any ecognition or appeal, leads to important processes of desubjectivation. In this context, acts of resistance and acts of affective and symbolic shelter to the victims become relevant. Restablishing trust, remembering, promoting the experience of testimony as well as the acts of justice that put an end to impunity can, thus, atone individual, familial and social subjective tissue. Este texto testemunha uma prática psicanalítica na Clínica do Testemunho no Instituto Projetos Terapêuticos, em São Paulo. Como prática inserida num programa de reparação para vítimas da violência de Estado da Comissão da Anistia, essa clínica tem suas especificidades. A proposta terapêutica consiste na criação de espaços intermediários que permitam o trabalho de recuperação e criação de uma rede de representações e traços de memória que possam restituir lugar na história do sujeito para aquilo que está marcado como um trauma e que se apresenta pelo imperativo da dor, do silêncio e do desmentido. ABSTRACT This essay testifies a psychoanalytic practice in Clinic of Testimony from Instituto Projetos Terapêuticos (Therapeutic Projects Institute), São Paulo. As a practice inserted in a program for victims of violence of the State from Amnesty Commission, this clinic has its specifics. The therapeutic proposal consists in creating intermediary spaces which allow recovery and the creation of a network of representations and traces of memory that may restore place in the subject's history for something which is marked as a trauma and presents itself through the imperative of pain, silence and denial. Este artigo pretende percorrer os diversos destinos do representável e do irrepresentável na vida subjetiva dos sujeitos acometidos pelo trauma da tortura. O autor partirá da ideia do exílio como um estado de silêncio e ruptura absoluta, para ir à busca do campo testemunhal e simbólico. Para tanto, a clínica do testemunho como testemunha do testemunho será a possibilidade de resgate de uma subjetividade destroçada ou do restabelecimento da narração do traumático pela voz do exilado. ABSTRACT This article intends to go through the various destinations of the representable and the unrepresentable in the subjective life of individuals affected by the trauma of torture. The author starts from the idea of exile as a state of silence and absolute breakdown, and than goes into a search through the field of witnesses and symbolic. Therefore, the clinical evidence of witness's testimony will turns possible to rescuing the shattered subjectivity or the restoring of the narration of traumatic experience through the exiled voice. Associando o desmentido à recusa de reconhecimento, o presente artigo discute os efeitos subjetivos da violência sugerindo outro tipo de papel social construído sobre o reconhecimento da vulnerabilidade.
ABSTRACT Combining the Freudian notions of denial and disawoval, particularly the disawoval of recognition, this paper discusses the subjective effects of violence. It suggests another type of social role, built upon the recognition of vulnerability. Este artigo investiga o caráter traumático da ditadura brasileira (1964-1988), a partir de relatos de atendimentos psicanalíticos realizados na Clínica do Testemunho Instituto Sedes Sapientiae. Se o trauma é da ordem do indizível, como o testemunho e o trabalho da memória operam? Como a palavra permite elaborar as marcas no corpo e o sofrimento? O processo de luto e a transmissão transgeracional. ABSTRACT This article researches the traumatic nature of the Brazilian dictatorship (1964-1988) on the basis of narratives from psychoanalytical attendances at Clínica do Testemunho Instituto Sedes Sapientiae. Considering trauma as unspeakable of, how testimoy and memory work? How do the spoken words allow elaboration body marks and suffering? The mourning process and transgenerational transmission. A partir de sua experiência pessoal, o autor faz uma reflexão psicanalítica sobre os traumas decorrentes da prisão e da tortura. ABSTRACT From his own experience, the author produce a psychoanalytic reflection on trauma, prison and torture. A identificação dos restos mortais de uma colega desaparecida do Serviço de Psicopatología de Lanús, na Argentina, induz a autora a reconstruir os acontecimentos ligados à repressão militar que motivaram sua saída do país na década de 1970. Isso lhe permite recuperar a história da instituição e do projeto conduzido pelo psiquiatra Mauricio Goldenberg, seu fundador, o ideário democrático e humanista que o norteava e as transformadoras propostas assistenciais, formativas e de prevenção, abertas às diversas correntes psicoterápicas com destaque para a psicanálise – constituindo um legado que transcendeu as fronteiras do país. O relato testemunha as dificuldades na elaboração das perdas e a quebra do sentido de continuidade existencial imposta pela repressão político-ideológica e pelo terror de estado. Interpreta, enfim, como um dos objetivos do poder ditatorial, a destruição de um projeto transformador no campo da Saúde Mental e da psicanálise, a desagregação e o afastamento dos profissionais que o sustentavam. ABSTRACT The identification of the remains of a missing colleague in the Psychopathology Section of the Lanús Hospital, in Argentina, induces the author to reconstruct the events linked to the military repression that prompted her departure from the country in the 1970s. She recollects the history of the project lead by the psychiatrist Mauricio Goldenberg, its founder, and the democratic and humanistic ideals that guided it. Among its legacies that transcended the boundaries of the country, she points out its innovative proposals of assistance, training and prevention, open to various psychotherapeutic tendencies, especially psychoanalysis. The testimony reports the difficulties in the elaboration of loss and the existential disruption caused by ideological repression and State terrorism. The author interprets, then, as one of the objectives of the dictatorial power, the destruction of an innovative project in the field of Mental Health, as well as the breakdown and the removal of the professionals who supported it. A partir do depoimento do pai à Comissão Nacional da Verdade, psicanalista dá seu próprio testemunho dos efeitos traumáticos do mandato paradoxal de não falar e nunca esquecer, presente tanto em sua origem judaica quanto nos momentos de regime autoritário em nosso país. Através da narrativa em terceira pessoa, faz de muitos uma história que é sua, buscando romper o silêncio da memória fundamental para a elaboração do trauma. Esta oportunidade está criada pelo Estado Brasileiro que hoje assume sua responsabilidade na barbárie, conduzindo a investigação dos fatos escondidos e pedindo perdão aos sujeitos e à sociedade pelos crimes cometidos. ABSTRACT Starting from the father’s deposition on the National Truth Commission, the psychoanalyst gives her own testimony of the traumatic events of the paradoxical mandate of never speaking and never forgetting, present both in her Jewish origin as well as in the totalitarian regime in our country. Using a third person narrative, the history of one is transformed in the history of many, while endeavoring to break the fundamental memory silence towards a trauma elaboration. This opportunity is nowadays available due to the fact the Brazilian State assumed its responsibility in the barbarism, conducting an investigation of the hidden facts and asking for forgiveness to the individuals and the society for the crimes committed. Este texto testemunha uma prática psicanalítica na Clínica do Testemunho no Instituto Projetos Terapêuticos, em São Paulo. Como prática inserida num programa de reparação para vítimas da violência de Estado da Comissão da Anistia, essa clínica tem suas especificidades. A proposta terapêutica consiste na criação de espaços intermediários que permitam o trabalho de recuperação e criação de uma rede de representações e traços de memória que possam restituir lugar na história do sujeito para aquilo que está marcado como um trauma e que se apresenta pelo imperativo da dor, do silêncio e do desmentido. ABSTRACT This essay testifies a psychoanalytic practice in Clinic of Testimony from Instituto Projetos Terapêuticos (Therapeutic Projects Institute), São Paulo. As a practice inserted in a program for victims of violence of the State from Amnesty Commission, this clinic has its specifics. The therapeutic proposal consists in creating intermediary spaces which allow recovery and the creation of a network of representations and traces of memory that may restore place in the subject's history for something which is marked as a trauma and presents itself through the imperative of pain, silence and denial. | |
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