EDIÇÃO

 

TÍTULO DE ARTIGO


 

AUTOR


ÍNDICE TEMÁTICO 
  
 

voltar
voltar à primeira página

Resumo
Este trabalho busca discutir a noção de realidade em uma situação de trabalho de grupo e a tensão constante e inevitável entre a busca da verdade e a busca de sentido, quando se tem em vista, por exemplo, um grupo de formação. Nem ilusão pura, nem realidade positivamente determinada, a condição de um grupo enquanto tal se dá pela paradoxal condição de uma realidade imaginariamente determinada.


Autor(es)
Tiago Corbisier Matheus
é psicanalista e membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Graduado em Psicologia pela PUC/SP, em Filosofia pela USP e doutor em Psicologia Social pela PUC/SP. Exerce também a atividade docente na FGV e no CEP. É autor dos livros "Ideais na Adolescência: falta (d)e perspectivas na virada do século", publicado pela Annablume/FAPESP, em 2002 e "Adolescência: história e política do conceito na psicanálise", pela Casa do Psicólogo, em 2007.


Referências bibliográficas

Anzieu D. (1993). O grupo e o inconsciente: o imaginário grupal. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Bendassolli P. (2009). Recomposição da relação sujeito-trabalho nos modelos emergentes de carreira. RAE - Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.49, n.4, out/dez. p. 387-400.

Fernandéz A. M. (2006). O campo grupal. São Paulo: Martins Fontes.

Hobsbawm E. (1995). Era dos extremos: o breve século xx: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras.

Lacan J. (2002). O seminário, livro 13: as psicoses (1955-56). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Matheus T. C. (2000). Ideais na adolescência: falta (d)e perspectivas na virada do século. São Paulo: Annablume/fapesp.

O'Donnell P. (1984). El análisis freudiano de grupo. Buenos Aires: Nueva Vision.

Poli C. (2006). Clínica da exclusão: a construção do fantasma e o sujeito adolescente. São Paulo: Casa do Psicólogo/fapesp.

Saidon O. (1986). O grupo operativo de Pichon-Rivière. In: Baremblitt et alli. (org.) Grupos: teoria e técnica. Rio de Janeiro: Graal.

Viñar M. (1998). O reconhecimento do próximo. In: Koltai C. (org.) O estrangeiro. São Paulo: Escuta.

Zizek S. (2003). Bem-vindo ao deserto do Real!: cinco ensaios sobre o 11 de Setembro e datas relacionadas. São Paulo: Boitempo.

_____. (2008). A visão em paralaxe. São Paulo: Boitempo.





Abstract
This paper discusses the notion of reality in a situation of group work and constant and unavoidable tension between the search for truth and the search for meaning, when you have a view, for example, a group of training. Neither pure illusion, not reality positively determined, the condition of a group as such is by a paradoxical condition reality imaginatively determined.

voltar à primeira página
 TEXTO

O dispositivo grupal como realidade fantasiada

Group device as fantasized reality
Tiago Corbisier Matheus

Introdução

A questão acerca do estatuto de um grupo continua demandando reflexão não somente em função da exigência teórica e conceitual que suscita, ou da complexidade que a experiência de grupo porta, ao se considerar a vasta gama de variáveis implicadas em cada aproximação de indivíduos em torno de um fim comum. A questão sobre o estatuto de um grupo ganha destaque quando se considera a importância do imaginário na cultura atual e dos efeitos deste sobre cada realidade específica e socialmente determinada. Num mundo midiático e pautado pelo incremento do espaço virtual, se torna premente investigar o peso conquistado pelo campo imaginário no cotidiano dos indivíduos e nas relações entre eles estabelecida, pois, cada vez mais, fantasia e realidade se confundem e se implicam, inevitavelmente. Como lembra Zizek, a condição de cada sujeito não está determinada apenas pela aparência que cada um possui perante os demais e pelas condições de sustentação desta aparência. Hoje, é a imagem da imagem que é a referência privilegiada em cada cena social, pois cada indivíduo se orienta pela aparência que acredita possuir frente ao olhar de seus pares, compondo um jogo especular que, direta ou indiretamente, orienta e determina as experiências individuais e cotidianas dos sujeitos[1].

 

No entanto, o destaque dado ao imaginário, neste momento da cena contemporânea, é a contrapartida de um traço cultural que lhe é complementar, que é a busca por uma referência real, supostamente isenta de ideologia: o descrédito de ilusões e utopias que se intensifica, em diferentes partes do globo, a partir da década de 1970, instigou tal movimento[2]. Porém, logo se nota que a busca do real acaba expondo a presença do imaginário na configuração da realidade, o que pode ser percebido em diversos fenômenos recentes ou atuais, como, por exemplo, na exaustiva exposição do ataque às torres gêmeas no fatídico 11 de Setembro, no espaço conquistado pelos reality shows na mídia e no crescente interesse pela literatura e cinegrafia biográfica - que supostamente exporiam a vida real das pessoas -, ou, ainda, na ênfase economicista das análises políticas e sociais nas últimas décadas - como se os dados fossem mais reais do que suas interpretações e como se a economia fundamental fosse composta por números.

 

A busca por uma referência real seria expressão de um anseio por ir além das ilusões e poder alcançar algo mais tangível e menos sujeito a dúvidas. Concomitantemente, a exposição da realidade em sua nervura viria denunciar, de modo contundente e dramático, a condição de desamparo que acompanha o ser humano, em suas distintas inscrições sociais. Tais ocorrências seriam sintomas sociais que funcionariam como indicadores da falta de referências e parâmetros durante este momento histórico[3], bem como da tentativa de reagir a tal situação.

 

Porém, nota-se o caráter performático destas exposições da realidade, que ora são construídas e vividas em função da cena que produzem (reality shows), ora são visões vertiginosas incessantemente repetidas em cenas midiáticas, produtoras de um fascínio atormentado nos expectadores, que então se tornam responsáveis pelas imagens reproduzidas (ataque às torres gêmeas). Logo, a busca de algo real não deixa de sofrer a mediação de imagens, que por sua vez interferem na própria realidade a que estão remetidas; em cada um dos exemplos citados, real e imaginário se confundem e se interpenetram, inevitavelmente. Logo, a realidade da cena social, em si, depende das imagens que a ela são referidas - como o filme Matrix bem ilustra[4] -, mostrando que o imaginário não é simplesmente uma distorção da realidade, mas sua parte constituinte, sem a qual não seria capaz de ser percebida ou anunciada[5].

 

Os objetos impossíveis
num grupo de formação

Pensar no estatuto do dispositivo grupal exige pensar no contexto no qual ele se inscreve, a fim de não promover um reducionismo naturalizante em relação a esta operação tão recorrente na experiência humana[6]. Uma situação de grupo ganha diferentes contornos conforme o cenário em que seu enredo transcorre, suscitando distintas tonalidades às questões que cada sujeito transporta a seus pares. No caso de um grupo de formação (de profissionais que têm o humano como objeto de estudo e suas relações), por exemplo, lugar e imagem atribuídos ao saber almejado e ao grupo de pertinência ganham um colorido peculiar na atualidade. Ambos (saber e grupo) são alvo de um paradoxal e ambivalente investimento libidinal, oscilando entre uma alienada idealização e um melancólico descaso frente às possibilidades efetivas de se fazer uso deste saber. Se a ambivalência é traço próprio ao humano, a força da imagem na cultura atual e a descrença frente a projetos coletivos de transformações sociais colocam estes dois objetos, saber e grupo, em posição estratégica.

 

Saber não é mera imagem, mas produz imagens: em várias culturas do mundo atual, marcadas pelo espaço urbano, pela agilidade dos processos mercantis e pelo chamado processo de globalização, a imagem do saber é objeto de um paradoxal valor e sentido. Por um lado, o saber ainda é aquilo que supostamente confere a alguém uma imagem de destaque e reconhecimento em seu meio (a venda de livros de filosofia em bancas de jornal e a valorização das titulações acadêmicas em vários segmentos profissionais sugerem isso). Por outro, em sentido inverso, é objeto de dúvida e suspeita, sobretudo a partir do viés pragmático e utilitarista que ganhou terreno nas últimas décadas, neste mundo globalizado e economicista, em função do desinvestimento de utopias coletivamente estabelecidas e politicamente direcionadas (ex: a teoria, na prática, é outra, ou quem sabe faz, quem não sabe ensina).

 

Porém, como se sabe, o saber é um objeto, em si, inatingível - objeto a, na notação lacaniana - e encontra seu valor na economia pulsional nas diferentes composições humanas em decorrência desta impossibilidade. Ao se modificar sempre num objeto outro, conforme as fantasias que o delineiam (entre cursos, publicações, autores ou mestres), o saber se mantém como objeto causa de um desejo incessantemente renovado, produzindo movimento de convergência ou dissidência entre tantos que em torno dele se mobilizam. Isto porque, como diz Zizek, "onde há total conhecimento, o reconhecimento é sem sentido"[7] e, portanto, a impossibilidade do saber instaura um dos vértices de sustentação da experiência humana em grupo, que é a disputa por reconhecimento.

 

Entra em cena, então, o segundo dos objetos em pauta - o grupo: não é apenas um dispositivo operacional largamente utilizado na busca do saber, entre os indivíduos, com modalidades e formatos variados. É, também, uma imagem que possui maior ou menor sustentação numa experiência concreta da realidade e tem função estratégica no jogo pulsional entre os sujeitos que se reúnem em torno de um objeto impossível que é, neste caso, o saber. É porque o conhecimento é sempre parcial que a luta por reconhecimento se torna premente em cada situação de grupo (de formação) conforme a rede de transferências que nela se estabelecem. Em tais contextos (de grupo), cada sujeito é confrontado com o olhar e julgamento dos demais, à medida que estes se prestam a funcionar, conforme as palavras de Lacan, como a "assembleia imaginária daqueles que são os suportes do discurso, a presença das testemunhas, e mesmo (o) tribunal diante do qual o sujeito recebe a advertência ou o aviso ao qual é intimado a responder"[8]. Assim, a presença de um conjunto de pessoas que se aproximam em torno da busca de um saber suscita, para cada um, a fantasia de ver concretizada a assembleia imaginária que anunciaria o veredicto definitivo acerca de sua condição e existência, provocando-lhe paixões e fantasias.

 

Numa cultura marcada pelo descrédito de utopias coletivamente estabelecidas (vãs ilusões?), mas também, paradoxalmente, pelo anseio da conquista de imagens legitimamente reconhecidas por parte das assembleias imaginárias de cada um (utopiass!), a situação de grupo torna-se um palco particularmente provocador. Quanto mais desamparado ou indiscriminado se encontrar o sujeito, quanto mais fragilizado estiver frente à castração que o constitui, tanto maior será a sua expectativa de encontrar uma imagem totalizante para si, como uma identidade harmônica e definitiva, a partir de um veredicto positivamente legitimado por uma assembleia coesa que assiste a ele. Mas, como se sabe, a incompletude constitui a ambos, sujeito e objeto, inevitavelmente. Tanto o sujeito é obrigado a se defrontar, em algum momento, com sua incompletude, quanto o conjunto de pessoas que compõe o Outro da cena fantasmática do sujeito se mostra aberto, que não encerra em si, para além do imaginário, uma totalidade coesa. O confronto com a incompletude do sujeito e do grupo produz angústia e frequentemente negação, pois, como diz Viñar, "essa maravilha da mesmidade da série, da harmonia do uníssono, busca um desfrute no homogêneo, em que a alteridade é percebida como perigo de ruptura da unidade; perigo necessário, porque a gemelaridade primordial tanto protege quanto asfixia"[9].

 

A demanda recorrente pelo dispositivo grupal indica a busca por uma completude capaz de paralisar o sujeito numa alienação idealizada ou melancólica, em meio às fantasias totalizantes que se produzem em cada cena grupal. Porém, tal experiência pode ter também a função de suporte à produção simbólica, quando se consideram as possibilidades que um momento alienante representa num processo de elaboração psíquica. A demanda por reviver, numa situação grupal, a fantasia da harmonia em uníssono é também a busca por uma nova oportunidade para elaborar o que não foi possível, como uma nova tentativa em meio às repetições que compõem a história singular de cada um. Este arranjo se assemelha ao que ocorre no processo adolescente, no qual a experiência entre pares serve de suporte para a ressignificação dos ideais de cada sujeito e seu posicionamento frente ao mundo em que almeja participar[10]. Trata-se, em ambos os casos, da possibilidade de participar de um todo nirvânico, ser mais uma vez um-com-os-outros, a fim de poder melhor suportar o insuportável, a saber, a castração que constitui a condição de cada sujeito e cujo reconhecimento (e luto) lhe dá o privilégio de acesso à posição neurótica. É a possibilidade de realização da função fraterna a fim de poder tornar efetiva a função paterna, como propõe Poli[11].

 

Neste sentido, a ilusão de viver a completude especular com um Outro pleno oferece condições para - conforme os recursos psíquicos de cada sujeito, o modo como o saber pode circular entre pares e a sustentação da coordenação de grupo - reconhecer e explorar a possibilidades de um Outro múltiplo no qual cada circulação da palavra promove o deslocamento do objeto de desejo em pauta, que é o saber. Como diz O'Donnell,

 

... a terceiridade do assinalamento, do olhar dos demais (... e) também instituída pela posição do observador [...] faz aparecer a castração, a impossibilidade do gozo cúmplice e, por consequência, falar dele, comentá-lo, (permitir o) acesso ao simbólico através da palavra que distancia e vivifica a cada vez[12].

 

Tal exercício, porém, não exige pouco, pois implica, como foi dito, o reconhecimento tanto da castração do próprio sujeito, quanto da impossibilidade de acesso ao objeto causa do grupo, que é o saber, bem como a experiência fragmentada da situação de estar entre pares não homogêneos, ao se constatar a multiplicidade e a incompletude do Outro. Este movimento constitui uma exigência que se mostra tanto maior quando se considera o contexto contemporâneo e a recorrente suspeita de utopias e o apego a imagens plenas e definitivas. Mas talvez seja em função desta mesma exigência que a experiência grupal mostre seu papel e importância, quando a sedução totalizante não paralisa, mas dá sustentação às possibilidades de elaboração para cada sujeito, conforme o contexto específico.

 

Assim como no caso do grupo, também em relação ao saber o imaginário cumpre uma função relevante, quando se considera a discrepância inevitável entre a busca de sentido e da emergência da verdade, como sugere Zizek. Sentido é um arranjo singular entre significantes disponíveis (numa situação de grupo, neste caso) que permitem ao sujeito construir uma narrativa própria acerca de uma questão que em algum momento formulou. A verdade, por sua vez, é aquilo que interrompe o sentido e denuncia a incompletude deste; é a estranheza que surge quando um ato falho ou acontecimento involuntário emergem na cena grupal, fazendo ver que algo ficou de fora do arranjo significante estabelecido[13].

 

A construção de sentido implica, num instante, a fantasia da conquista de um arranjo harmônico entre significantes, até o momento em que emerge o real, quebrando esta composição, chacoalhando sua estrutura e exigindo nova produção significante. De modo similar à relação entre as funções fraterna e paterna, a construção do sentido é o que permite suportar a estranheza que a emergência da verdade produz, a fim de que os restos do real não simbolizado possam ser (até onde for possível) apropriados na nova produção significante. O conhecimento, por consequência, é o resultado deste percurso e suas turbulências. É o efeito de um movimento errático e inconstante que gira em torno da busca de sentido e da irrupção da verdade, deixando marcas nas ausências produzidas durante um caminho indeterminado.

 

Sujeito, saber e grupo não são instâncias em si completas, como unidades que portem uma identidade que lhes dê constância em sua existência. Cada qual porta sua incompletude e insuficiência, mas nem por isso suas imagens de totalidade deixam de cumprir uma função relevante para o posicionamento do sujeito e na produção simbólica que realiza[14]. O sujeito, em sua condição de ser castrado e descentrado, toma sua própria imagem como se fosse completa (eu ideal), a fim de encontrar suporte para constituir um norte (ideal de eu) para onde converge seu ambivalente movimento desejante. Algo afim parece ocorrer com o saber e com o grupo. No primeiro caso, a experiência de construção de sentido indica a relevância que a ligação entre significantes e a suposta harmonia momentaneamente estabelecida entre estes possui no processo de busca do conhecimento, tendo em vista a dialética presente neste exercício de construção e desconstrução que gira em torno do saber.

 

No caso do grupo, a imagem de um corpo grupal, pleno e homogêneo, funciona como receptáculo alienante, que opera como um amparo às fantasias singulares dos sujeitos e oferece estofo às suas produções simbólicas, conforme suas demandas específicas e possibilidades de circulação significante em cada situação de grupo. De modo que, independentemente do estatuto ontológico de um grupo, de ser ele portador ou não de um aparelho psíquico próprio, transindividual, como supõem alguns[15], a situação de grupo (aproximação e interação de pessoas em torno de tarefas consciente ou inconscientemente compartilhadas), quando porta a inscrição do terceiro elemento (aquele que sustenta a castração) em seu dispositivo operativo (função de observação, por exemplo), permite que a fantasia de um Outro único (Um) sirva de suporte para que o Outro múltiplo da dinâmica grupal entre em cena. A imagem de sua existência, ao ser vivida como real, oferece maiores condições aos sujeitos para suportarem a vertigem da emergência da verdade na situação de grupo e permitir aos sujeitos fazer uso dos fragmentos significantes disponíveis em suas produções simbólicas.

 

Assim, a condição da realidade de estar entre pares permite ao imaginário encontrar o grão de realidade de que necessita para que a fantasia de uma pertença possa ser vivida e, consequentemente, ofereça o lastro necessário para a inscrição do elemento terceiro ou a operação da função paterna, condição necessária a qualquer trabalho de simbolização. Este grão de realidade funciona como elemento mínimo da realidade (concreta) para que o imaginário possa operar em favor de suas fantasias, e estar numa situação de grupo funciona como uma provocação destas, que, ao ganharem realidade, servem de contraponto à dolorosa castração. A fantasia de grupo, a partir da experiência de estar em grupo, é um amparo ao desamparo que vive o homem em seu mal-estar social, intensificado num momento em que utopias coletivas encontram-se sob suspeita. Pensar o dispositivo grupal é também uma função política, quando se considera a importância que a imagem e a presença dos pares possuem não só no processo coletivo de busca por um saber, mas nos processos de produção simbólica de modo geral e na ação que daí pode emergir.

 

A nomeação do grupo

Fragmento clínico

Saidon, já há alguns vários anos, dizia que "o problema a resolver está colocado em como enfrentar esse círculo que nos confina a um prazer sem realidade ou a uma realidade sem prazer"[16]. Tal formulação valeria como síntese da questão norteadora de um conjunto de jovens reunidos num curso eletivo de Dinâmica de grupo numa instituição destacada de formação em administração de nosso País. Provêm, em sua maioria, de classes sociais privilegiadas da população e, em função de sua escolha profissional, trazem como campo de referência o mundo corporativo e seu ideário próprio, pautado por uma lógica objetiva e instrumental, orientada em favor de uma competitividade orientada pelo desempenho (performance) individual[17]. A instituição de ensino se organiza conforme esta cultura e possui em seu projeto pedagógico uma composição entre o que poderia ser chamado de uma perspectiva generalista (ênfase na formação geral e ampliação das referências teóricas) e outra gerencialista (voltada às técnicas e saberes específicos da prática de gestão). A oportunidade de fazer uma disciplina que tem como tema a dinâmica de grupo é citada como motivo de interesses díspares, que variam entre a facilidade na condução das tarefas (em comparação a outras disciplinas supostamente mais exigentes), a possibilidade de se aprimorar numa situação que costuma ser exigida nos processos de seleção, ou, ainda, o interesse por temas e práticas subjetivas, tais como as relações pessoais e experiência de grupo, que se diferenciam de outras disciplinas mais objetivas e instrumentais.

 

A postura inicial destes jovens alunos acompanha seu discurso, demonstrando ora uma reserva constrangida em meio aos silêncios que surgem numa disciplina que não oferece um conteúdo teórico formalmente organizado em slides projetados (powerpoint), ora uma irreverência espirituosa, capaz de interromper tal situação e introduzir um riso provocador, ou, ainda, um descaso frente a uma modalidade de atividade que pouco "agrega valor" quando se considera o tempo gasto "sem fazer nada". A estranheza frente à proposta de assumir a palavra na discussão de textos propostos - sobre vários temas acerca da experiência grupal e seus desafios no contexto organizacional - suscita diferentes reações, desde a realização detalhada dos apontamentos relevantes a serem discutidos, a facilidade de produzir associações com situações cotidianas da experiência de estágio, junto a uma dificuldade de contrapor ao conteúdo lido, ou também um alheamento à tarefa proposta. Neste contexto variado, a ideia de grupo surge de início como uma abstração distante: "não somos um grupo", "nos reunimos aqui uma vez por semana, mas mal nos falamos fora daqui", "o que nos reúne é estarmos inscritos nessa matéria".

 

É num segundo momento que a noção de grupo ganha outra perspectiva...


topovoltar ao topovoltar à primeira páginatopo
 
 

     
Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
Sociedade Civil Percurso
Tel: (11) 3081-4851
assinepercurso@uol.com.br
© Copyright 2011
Todos os direitos reservados