EDIÇÃO

 

TÍTULO DE ARTIGO


 

AUTOR


ÍNDICE TEMÁTICO 
  
 

voltar
voltar à primeira página

Resumo
O texto discute as características da psicoterapia breve psicanalítica, a partir da fixação de um limite de tempo e de um foco. O parâmetro para a indicação é a demanda do paciente. Aborda a natureza da angústia – de castração, de fragmentação e de perda do objeto – considerando-a como fundamental para a focalização. Um exemplo clínico é apresentado para ilustrar as afirmações do autor.


Palavras-chave
psicoterapia breve psicanalítica; limite de tempo; focalização; indicação; angústia de castração.


Autor(es)
Mauro Hegenberg
é médico, psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, no qual coordena o Curso de Psicoterapia Breve. É doutor em Psicologia pela USP e especialista em Psicoterapia Breve pela Universidade de Lausanne, Suíça. Escreveu Borderline e Psicoterapia breve (Casa do Psicólogo).


Notas

1 M. Balint, La psychothérapie focale.

2 P. E. Sifneos, Psicoterapia breve provocadora de ansiedade.

3 A. Green, La folie privée.

4 A. Haynal, La technique en question.

5 M. Balint, op. cit.

6 D. Malan, A study os brief psychotherapy.

7 E. Gilliéron, As psicoterapias breves.

8 Entenda-se curto a partir do ponto de vista do analista.

9 Enquadres tais como: tratamento-padrão, com divã, mínimo de três sessões semanais e tempo ilimitado; psicoterapia psicanalítica, com uma ou duas sessões por semana, frente a frente, e tempo ilimitado; psicoterapia breve; grupal; terapia de casal, por exemplo.

10 S. Freud, "Análise terminável e interminável", p. 251.

11 P. Fédida, Clínica psicanalítica, p. 117.

12 S. Freud, op. cit., p. 250.

13 E. Gilliéron, op. cit, p. 55.

14 D. W. Winnicott, "Comunicação e falta de comunicação levando ao estudo de certos opostos".

15 A comunicação significativa ocorre quando se dá o insight, vivenciado na relação transferencial. A comunicação significativa é experienciada no espaço potencial criado, na sessão, pela relação intersubjetiva do par terapeuta-paciente.

16 S. Freud, op. cit, p. 250.

17 D. Malan, As fronteiras da psicoterapia breve, p. 260.

18 M. Hegenberg, Psicoterapia breve.

19 Os autores de PB discutem se o foco é superficial ou profundo, se o conflito é atual ou nuclear, edípico ou pré-edípico. A meu ver, a interpretação transferencial, edípica ou pré-edípica, contemplará os eixos do triângulo de insight de Menninger, ou seja, relação interpessoal atual, relação transferencial e relações passadas.

20 M. Hegenberg, op. cit.

21 No filme Alguém tem que ceder, por exemplo, a personagem de Jack Nicholson está em crise e sua companheira de peripécias não está.

22 O paciente que desejar, neste ou em qualquer outro caso, realizar uma psicoterapia por tempo prolongado, que o faça. Discute-se a realização de PB nas situações em que há demanda para tanto.

23 S. Freud, "Tipos libidinais", p. 251.

24 S. Freud, op. cit., p. 251.

25 S. Freud, op. cit., p. 252.

26 S. Freud, op. cit., p. 252.

27 S. Freud, "Mal-estar na civilização", p. 103.

28 S. Freud, "Tipos libidinais", op. cit., p. 252-3.

29 S. Freud, "Mal-estar na civilização", op. cit., p. 103.

30 J. Bergeret, Personalidade normal e patológica.

31 M. Hegenberg, op. cit.

32 Em Um divã para a família, A. Eiguer discute a noção de organizador a partir das contribuições de R. Spitz, R. Käes e D. Anzieu, na p. 27 e seguintes.

33 S. Freud, "Tipos libidinais", op. cit., p. 253.

34 J. Bergeret, op. cit.

35 Os tipos N, P e EL são retratados a partir da conceituação de Freud e Bergeret, acima citados.

36 D. Winnicott apresenta uma conceituação próxima aos tipos aqui descritos em seu artigo "Aspectos clínicos e metapsicológicos da regressão dentro do setting psicanalítico".

37 S. Freud, "Tipos libidinais", op. cit., p. 253.

38 Proposto por M. Hegenberg, op. cit.

39 M. Hegenberg, "Método em psicanálise".

40 H. J. Fiorini, Teoria e técnica de psicoterapias.

41 V. B. Lemgruber, A psicoterapia breve: a técnica focal.

42 P. E. Sifneos, Short-term psychotherapy and emocional crisis.

43 D. Malan, op. cit.

44 E. A. Braier, Psicoterapia breve de orientação psicanalítica.

45 E. Gilliéron, Introdução às psicoterapias breves.

46 G. Rosa, "A hora e a vez de Augusto Matraga".

47 Segundo a avaliação do terapeuta, porque os pacientes, muitas vezes, terminam por sua conta suas terapias porque estão satisfeitos.

48 S. Freud, "Análise terminável e interminável", op. cit., p. 255.

49 S. Freud, "Análise terminável e interminável", op. cit., p. 253.



Referências bibliográficas
Alexander F.; French T. M. (1946). Psychoanalytical therapy: principals and application. New York: Ronald Press.
Balint M.; Ornstein P. H.; Balint, E. (1972/1975). La psychothérapie focale. Paris: Payot.
Bergeret J. (1974/1985). La personnalité normale et pathologique. Paris: Dunod.
Braier E. A. (1984/1986). Psicoterapia breve de orientação psicanalítica. São Paulo: Martins Fontes.
Eiguer A. (1985/1989). Um divã para a família. Porto Alegre: Artes Médicas.
_____. (org.) (1991). La thérapie psychanalitique du couple. Paris: Dunod.
Fédida P. (1987/1988). Clínica psicanalítica. São Paulo: Escuta.
Fiorini H. J. (1973/1978). Teoria e técnica de psicoterapias. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
Freud S. (1914). À guisa de introdução ao narcisismo, in Escritos sobre a psicologia do inconsciente, vol I. Rio de Janeiro: Imago, 2004.
_____. (1931). Tipos libidinais, in E.S.B. Rio de Janeiro: Imago,vol. xxi.
_____. (1929/30). Mal-estar na civilização, in E.S.B., vol xxi.
_____. (1937). Análise terminável e interminável, in E.S.B., vol xxiii.
Gilliéron E. (1983/1991). Introdução às psicoterapias breves. São Paulo: Martins Fontes.
_____. (1983/1986). As psicoterapias breves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Green A. (1990/1998). La folie privée. Paris: Gallimard.
Haynal A. (1987). La technique en question. Paris: Payot.
Hegenberg M. (2004). Psicoterapia breve. São Paulo: Casa do Psicólogo.
_____. (2005). Método em psicanálise, in Hegenberg L. (coord). Métodos. São Paulo: epu.
Lemgruber V. B. (1984). A psicoterapia breve: a técnica focal. Porto Alegre: Artes Médicas.
Malan D. (1963/1975). A study os brief psychotherapy. London: Tavistok, reprinted by Plenum Press, New York.
_____. (1976/1981). As fronteiras da psicoterapia breve. Porto Alegre: Artes Médicas.
Rosa G. (1946/1978). A hora e a vez de Augusto Matraga, in Sagarana. São Paulo: Nacional.
Sifneos P. E. (1972). Short-term psychotherapy and emocional crisis. Cambridge: Harvard University Press.
_____. (1992/1993). Psicoterapia breve provocadora de ansiedade. Porto Alegre: Artes Médicas.
Winnicott D. W. (1963). Comunicação e falta de comunicação levando ao estudo de certos opostos, in O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas.
_____. (1954-55/1988) Aspectos clínicos e metapsicológicos da regressão dentro do setting psicanalítico, in Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco Alves.




Abstract
This article discusses the peculiarities of a brief psychoanalytic psychotherapy, including focus and time-limited therapy. The patient’s demand is taken as a parameter for the indication of this type of work. The nature of the anxiety – of castration, of fragmentation and of losing the object – is taken as a basis for choosing the focus. To illustrate the author’s views, a sample case is presented.


Keywords
brief psychoanalytic psychotherapy; time-limited therapy; focus; indication; castration anxiety.

voltar à primeira página
 TEXTO

Psicoterapia breve psicanalítica

Brief psychoanalytic psychotherapy
Mauro Hegenberg

A psicoterapia breve psicanalítica, delineada neste texto, tendo a psicanálise como referência, apresenta dois elementos constitutivos: o limite de tempo previamente estabelecido para a terapia e a presença de um foco. Por convenção, o prazo máximo para uma psicoterapia breve é de um ano, podendo durar alguns meses ou algumas sessões.

Alguns autores propuseram outras denominações, como Balint [1] e a psicoterapia focal, ou como Sifneos [2] e a psicoterapia breve provocadora de ansiedade, por exemplo. O termo psicoterapia
breve, embora inadequado porque o "breve" não é o indicativo maior dessa forma de terapia, é universalmente aceito e utilizado, tanto em livros quanto em revistas especializadas e congressos.

Quem trabalha com psicoterapia breve (PB) é alvo de críticas, fruto de posições teóricas ou do desconhecimento a respeito do assunto. Quem trabalha com PB psicanalítica sofre duplo preconceito: por parte dos psicanalistas, que a consideram menor diante da análise clássica, e por parte dos teóricos da PB. Estes, em sua maior parte, defendem outras formas de PB: egóica, psicodinâmica,
psicodramática, gestáltica, comportamental, cognitiva, por exemplo, e não consideram plausível manter o método da psicanálise em um trabalho com tempo limitado.

Origens

Freud realizou tratamentos de curta duração. Ferenczi, por exemplo, realizou duas análises com Freud: três semanas em 1914 e mais três, então com duas sessões ao dia, em 1916. Com o tempo, as terapias tornaram-se mais longas.

Por volta de 1920, a questão central para os psicanalistas era a reação terapêutica negativa, uma reação paradoxal ao tratamento, constituída por um agravamento dos sintomas, em vez da melhora esperada. É nesse momento que Freud modifica sua concepção de conflito entre a pulsão sexual e a pulsão de autoconservação e introduz a noção de compulsão à repetição [3]. Enquanto Freud, ao enfrentar resistências dos pacientes, propunha um aprofundamento da metapsicologia, Ferenczi [4] preocupava-se com a práxis, com o estudo da relação terapêutica e com a contratransferência. Freud pretendia que seu arcabouço teórico fosse reconhecido como científico e não como técnica psicoterápica, considerada subjetiva, enquanto Ferenczi priorizava orientação psicoterapêutica. Para ele, a questão principal não seriam as lembranças, ou as construções em análise, mas a vivência dos conflitos do cliente na relação transferencial. Ferenczi acreditava que essa abordagem poderia encurtar o tempo da terapia, porque a rememoração do infantil não seria obrigatória em todos os seus detalhes.

Em 1941, em Chicago, sob a influência de Franz Alexander, ocorreu o primeiro congresso destinado à psicoterapia breve. Com Thomas French, ele escreveu, em 1946, o livro Psychoanalytical therapy, no qual propõem modificações na técnica padrão da psicanálise.

Na década de 1950, Balint [5] passou a divulgar os ensinamentos de Ferenczi e os utilizou no trabalho que desenvolveu na Tavistok Clinic, Inglaterra. Malan [6] continua sua obra, demarcando a importância da interpretação transferencial e do tempo limitado na PB. Em Lausanne, Edmond Gilliéron [7] propõe o trabalho com as associações livres em PB, salientando a importância da interpretação transferencial e do enquadre.

A maioria dos autores de PB, embora preserve vários aspectos da metapsicologia freudiana, se afasta da psicanálise ao evitar a interpretação transferencial, para não favorecer a neurose de transferência, ao deixar de trabalhar com as associações livres e ao contrariar a regra da neutralidade em nome da maior atividade. Exemplificando, desde 1958 até hoje, Peter Sifneos, de Chicago, escreveu diversos artigos e livros sobre PB, mais voltados para a psicologia do ego, com base teórica psicanalítica.

Indicação

Ao determinar um número de quatro ou doze sessões anuais, não em função da demanda do cliente, mas visando atender necessidades de ordem econômica, tanto do Serviço Público, quanto dos Seguros de Saúde e dos Convênios Médicos, a PB cria problemas justamente para aqueles que deveriam ser seus beneficiários.

Por outro lado, a PB pode ser bem indicada sem se ater à demanda social por velocidade e superficialidade. Ela pode ter prazo limitado e ser profunda em seus propósitos.

Inúmeras desistências, depois de um curto [8] período de terapia, são ocasionadas pelo fato de que muitas pessoas não têm a intenção de transformar a psicoterapia em uma tarefa longa, sem prazo definido. Uma das indicações de PB é aceitar, após cuidadosa avaliação a ser realizada durante as primeiras sessões, a demanda de um paciente que não está em um momento de sua vida para iniciar uma análise sem final previamente determinado. É imprescindível o analista, nesses casos, estar aberto para transitar em diferentes enquadres, outras possibilidades psicanalíticas, evitando interpretar tal demanda do paciente como resistência a uma análise longa.

Uma situação possível é a PB como porta de entrada para uma análise posterior. Outras vezes o limite de tempo se impõe. Aceitar ou recusar uma promoção associada com mudança de cidade, tomar decisão sobre uma cirurgia, receber auxílio para enfrentar um exame escolar, decidir entre cônjuge e amante, resolver mudar de atividade profissional, entrar em contato com uma doença grave, por exemplo. São exemplos de prazos pré-estabelecidos pelas contingências da vida, em que o paciente solicita ser compreendido em um período limitado de tempo.

Outro fator a ser levado em conta na hora da indicação é o terapeuta. A possibilidade de transitar em diferentes enquadres [9] é fundamental; acreditar, a partir da experiência, na possibilidade de um trabalho profundo, embora por tempo limitado; estar aberto a questionamentos e a novas experiências; poder reconhecer os limites de qualquer proposta terapêutica; acreditar na capacidade do paciente para seguir sozinho a partir do trabalho já realizado são características que um terapeuta deve possuir para trabalhar com PB.

Vértice psicanalítico

O que é psicanalítico é sempre questão complexa, pois não há acordo entre os diversos autores a respeito. Neste artigo, considera-se o vértice psicanalítico como a articulação entre a teoria psicanalítica e um procedimento determinado. Embora todos os psicanalistas tenham alguma concepção sobre o inconsciente, a teoria varia de acordo com os diversos autores - Freud, Klein, Lacan, Winnicott, por exemplo. Para se situar dentro do vértice psicanalítico, além da teoria, o procedimento considerado se dá a partir da fixação de quatro pilares fundamentais: a investigação/análise transferencial, a interpretação, a utilização das associações livres/atenção flutuante e o respeito à neutralidade.

Tanto a análise clássica, ou tratamento-padrão - divã, várias sessões semanais e tempo ilimitado da terapia -, quanto a PB - frente a frente, uma sessão semanal e tempo limitado da terapia - seguem o vértice psicanalítico. O que varia é o enquadre.

Limite de tempo

Em "Análise terminável e interminável", Freud aponta que o "término de uma análise acontece quando o paciente deixa de sofrer seus sintomas, superando suas ansiedades e inibições; também quando o analista julga que foi tornado consciente tanto material reprimido, que foi explicitada tanta coisa inteligível, que foram vencidas tantas resistências internas que não há necessidade de temer uma repetição do processo patológico em apreço" [10]. Por que só uma terapia sem prazo definido será capaz de evitar a repetição de um processo patológico?

Fédida afirma que "um tratamento analítico pode e deve receber um fim quando instaurou no analisando as condições de uma análise sem fim" [11]. Quem garante que uma PB não poderá instaurar tal condição?

Mesmo Freud foi cauteloso em relação ao assunto, ao propor, no caso do Homem dos lobos, um limite de tempo para encerrar sua análise. Apesar de, no início, ter ficado positivamente surpreso com o resultado, mais tarde ele salienta os riscos da fixação de um limite de tempo. Embora em "Análise terminável e interminável" ele deixe a questão em aberto ao afirmar: "empreguei a fixação de um limite de tempo também em outros casos, e levei ainda em consideração as experiências de outros analistas". E continua a afirmar que "tal artifício de chantagem é eficaz desde que se acerte com o tempo correto para ele. Mas não se pode garantir a realização completa da tarefa". E, na seqüência, continua: "não se pode estabelecer qualquer regra geral quanto à ocasião correta para recorrermos a esse artifício técnico compulsório; a decisão deve ser deixada ao tato do analista" [12].

Cabe perguntar o que seria realização completa da tarefa, e se qualquer psicoterapia, breve ou não, seria capaz de tal feito. Determinar, sem avaliação caso a caso, que todas as pessoas necessitam de terapias longas e sem prazo para terminar é cautela ou preconceito?

Gilliéron [13] afirma que limitar a duração da terapia tem um valor interpretativo porque se introduz a noção de realidade temporal, recordando a problemática da castração. O enquadre do tratamento-padrão favorece a regressão, a neurose de transferência e a resistência, descritas por Freud. O limite de tempo inibe as satisfações regressivas, altera o benefício secundário dos sintomas. A compulsão à repetição se modifica a partir da castração imposta pelo limite de tempo, caminhando do princípio do prazer para o princípio da realidade. A temporalidade instituída pelo enquadre torna-se suporte do processo transferencial, sendo que o prazo pré-estabelecido fornece também um eixo para o trabalho de perlaboração. Não há por que evitar ativamente a neurose de transferência, uma vez que o limite de tempo se incumbe de transformá-la.

A força da transferência, a palavra do analista, sua escuta particular, seu lugar de suposto saber aliado às suas interpretações e à vivência do processo analítico no encontro singular terapeuta-paciente ultrapassam, em muito, os minutos de cada sessão. Então, pergunta-se: por que o tempo da realidade e o tempo fora da sessão não valem também como argumentos a favor da PB? Existiria uma quantidade necessária ou suficiente de interpretações ou de tempo de convivência para se considerar um encontro como terapêutico? Ou uma comunicação significativa [14] pode ocorrer além ou aquém da questão temporal?

Considerando-se que o inconsciente é atemporal, a investigação psicanalítica pode se dar em qualquer tempo, com prazo definido ou não. Dito de outra forma: uma análise não se mede pelo tempo cronológico.

Uma sessão de PB psicanalítica não se distingue de uma sessão de análise. A modificação do enquadre, com tempo limitado e focalização, se incumbirá de modificar a relação terapêutica permitindo que, indiferente à questão temporal, se dê o encontro e a comunicação significativa [15].

O número de sessões varia de acordo com o paciente e será decidido, em conjunto, após as primeiras sessões. O mais comum é a freqüência ser de uma vez por semana. O final da terapia deve ser anunciado, em geral, com um mês de antecedência, e trabalhado adequadamente. Quando o terapeuta diz: "o tempo da PB será de sete meses e no final avaliaremos se continua ou não", essa terapia provavelmente continuará e o prazo não terá função alguma. O limite de tempo deve ser respeitado para que possa influenciar a relação terapêutica [16]. Para evitar confusões diversas, é preferível que seja marcada uma data para o término e não um número fixo de sessões. Na data acordada, a terapia termina e um retorno poderá ser marcado para dali a alguns meses; seis, de preferência.

É experiência recorrente que grande parte dos pacientes pensa em continuar a terapia próximo ao seu término e poucos, menos de 20%, assim o desejam após seis meses do final. Em todo caso, a separação implica sentimentos intensos pelo reviver de um processo sutil e complexo em suas origens, a partir de um bebê, ou uma criança, que precisam encarar o mundo sem estarem ainda preparados para tanto. Há pacientes que sentirão a separação como abandono; outros, como castração; para outros, poderá ser fator de desorganização. Não se pode esquecer que a separação também é complicada para o terapeuta, sendo fator relevante a ser levado em conta no aprendizado da PB. Cabe lembrar que muitos pacientes encaram o término da terapia com alívio, como oportunidade de crescimento.

Focalização

Segundo Malan, "o tratamento não pode deixar de ser focal, porque o paciente mostra um único tipo de problema básico ao longo de sua vida. É provável que qualquer material que o paciente traga represente um aspecto deste problema e tudo o que o terapeuta terá de fazer é interpretar cada aspecto à medida que apareça" [17]. Se essa afirmativa pode ser questionada em relação ao fato de o paciente mostrar um único problema básico ao longo de sua vida, em uma PB, que dura no máximo um ano, esta concepção se verifica.

Em todo caso, qualquer proposta de focalização é arbitrária e artificial, apenas refletindo a opção teórica de referência. Segundo os diversos autores, o foco pode ser: o sintoma, as defesas, a crise, a relação objetal, um traço de caráter, um conflito, uma hipótese psicodinâmica de base, a questão edípica, por exemplo. Para mim [18], o foco incidirá na angústia de castração, de fragmentação e de perda do objeto, discriminado no item Natureza da angústia, delineado a seguir.

A PB psicanalítica não tem compromisso com a eliminação do sintoma, mas com o esclarecimento do foco, procurando propiciar auto-reflexão, possibilitar a comunicação. O foco é um acordo, um plano inicial de trabalho, uma forma de o terapeuta informar ao paciente que ele entendeu seu problema atual, que está ciente da razão pela procura da terapia.

O terapeuta da PB psicanalítica pode seguir as associações livres de seu paciente, manter-se em estado de atenção flutuante, lidando da mesma forma como ocorre, em uma análise qualquer, no caso das férias do analista, ou de um atraso, ou do esquecimento do pagamento, por exemplo. Se o analista, nessas ocasiões, estiver com tais temas, focos temporários privilegiados na memória, e só a eles prestar atenção, ele escolherá esse material e cometerá um erro técnico ao não se importar com o discurso de seu paciente; sua escuta estará distorcida pela intenção de falar sobre esses assuntos. Na PB, o foco deverá permanecer presente, tal como uma falta na sessão anterior, por exemplo, pois o terapeuta sabe que o tema existe, mas deverá surgir na interpretação apenas no momento (timing) adequado. O terapeuta deve permanecer em estado de atenção flutuante, sem se ater ativamente ao foco.

Como já mencionado, no contexto do presente artigo, o foco [19] incidirá na angústia de castração, de fragmentação ou de perda do objeto, ligada ao motivo da consulta, em conexão com a biografia do sujeito, sua história de vida, sua singularidade. Caso o paciente esteja em crise, esta deverá ser elaborada detalhadamente.

Crise

Durante as primeiras sessões, é importante estabelecer se o cliente está, ou não, em crise. As etapas e os acontecimentos da vida, potencialmente geradores de crise, como adolescência, meia idade, casamento, separação, desemprego, promoção etc. não levam obrigatoriamente a pessoa à crise. Estar angustiado ou deprimido não é sinônimo de crise. A crise [20], aqui entendida como ruptura de sentido de vida, produz um corte na subjetividade do sujeito, um contato privilegiado com seus conteúdos inconscientes.

O sujeito em crise questiona seus valores, suas relações afetivas, seus hábitos. Para saber se há crise, é preciso conhecer o estilo de vida do paciente e, para tanto, perguntas sobre sua maneira de viver são necessárias: como é seu cotidiano, seu trabalho e sua vida conjugal, quem são seus amigos e quais são seus interesses, suas leituras e suas preferências musicais, o que vê no cinema e na televisão, por exemplo. Na crise [21], muitos desses itens são questionados porque seu sentido de vida se modifica.

O sujeito em crise vai exigir uma PB mais longa, que o auxilie em sua travessia. Uma PB de um ano, nesses casos, pode ser indicada. Considerando que a maioria das psicoterapias não chega a um ano de vida, este espaço de tempo parece razoável [22].

Muitas pessoas chegam à consulta à beira da crise e cabe ao terapeuta avaliar se há condições para atravessá-la, levando-se em conta a motivação para mudança, a força do ego e a capacidade de insight. Em casos graves, restaurar o equilíbrio anterior será mais prudente.

Natureza da angústia

Como o foco está relacionado às angústias de castração, fragmentação e perda do objeto, cabe esclarecer tal ponto, a partir das formulações de Freud relativas aos tipos psicológicos.

Freud, em seu artigo "Tipos libidinais", de 1931, propõe três tipos psicológicos, classificados com base na situação libidinal, extraídos da observação e "confirmados pela experiência" [23]. Segundo ele, esses tipos devem incidir dentro dos limites do normal e não devem coincidir com quadros clínicos, embora "possam aproximar-se dos quadros clínicos e ajudar a unir o abismo que se supõe existir entre o normal e o patológico" [24].

Os três tipos são chamados de tipo erótico, tipo narcísico e tipo obsessivo.

O tipo erótico está voltado para o amor. "Amar, mas acima de tudo ser amado". "São dominados pelo temor da perda do amor e acham-se, portanto, especialmente dependentes de outros que podem retirar seu amor deles". "Variantes suas ocorrem segundo se ache mesclado com outro tipo, e proporcionalmente à quantidade de agressividade nele presente" [25].

O tipo obsessivo distingue-se pela predominância do superego. São dominados pelo temor de sua consciência em vez do medo de perder o amor. São pessoas com alto grau de auto-confiança [26]. Freud, em O mal-estar na civilização, referindo-se ao mesmo tema, considera o tipo obsessivo como um homem de ação, que "nunca abandonará o mundo externo, onde pode testar sua força" [27].

O terceiro tipo, denominado narcísico, é independente e não se abre à intimidação. Não existe tensão entre o ego e o superego e o principal interesse do indivíduo se dirige para a auto-preservação. Seu ego possui uma grande quantidade de agressividade à sua disposição, a qual se manifesta na presteza à atividade. O amar é preferido ao ser amado. Podem assumir o papel de líderes, não se incomodam em danificar o estado de coisas estabelecido" [28]. Tende a ser auto-suficiente, buscará suas satisfações principais em seus processos mentais internos [29].

Baseado nos tipos obsessivo, narcísico e erótico apresentados por Freud, pode-se inferir que eles correspondem, respectivamente e com ressalvas, ao neurótico, psicótico e estado-limite de Bergeret [30] e aos tipos N, P e EL encontrados em Hegenberg [31], a partir da noção de organizador utilizada por Aiguer [32].

Freud alerta, com razão, que os tipos puros são teóricos e que os tipos mistos, EL/N, EL/P, P/N, por exemplo, são os clinicamente observáveis, a partir da experiência [33]. Os tipos mistos teriam características de mais do que um dos tipos retratados por Freud; o tipo EL/P, por exemplo, teria características do tipo EL e do tipo P, compondo um tipo psicológico com características próprias, singularizadas pela biografia de cada um.

Para Freud, esses tipos psicológicos não coincidem com quadros clínicos, mas ajudam a unir o abismo entre o normal e o patológico. A partir dessa afirmação, pode-se pensar, baseado em Bergeret, que dentro desses três tipos passa-se da normalidade à patologia, com variações de grau. Há, pois, o neurótico normal e o patológico, assim como o psicótico normal [34] e o patológico e o estado-limite normal e o patológico. Não há um tipo mais evoluído ou mais saudável do que o outro; os três tipos têm suas vantagens e suas desvantagens, os três beneficiam-se e sofrem com seu modo de ser.

O tipo [35] N tem no Superego sua instância dominante, sua angústia principal é de castração, o conflito é entre o Superego e o Id, a defesa é de recalcamento e a relação de objeto é genital, ou edípica. É o neurótico, é a pessoa total a que se refere Winnicott [36]. São pessoas distinguidas pela ambição e pela competitividade, com bom controle dos impulsos, superego severo com defesas obsessivas, relações de objeto triangulares, exibicionismo sexualizado ou mais ligadas à ordem e parcimônia, obstinadas, insatisfeitas, individualistas, austeras, racionais e lógicas, teimosas, submetidas a um superego punitivo. Pessoas que levam o terapeuta a querer competir na relação transferencial ou a se sentir questionado, incompetente, castrado.

Os aspectos neuróticos levam a pessoa à ação, conquista, busca pelo poder, disputa. A pessoa pode ser falante, às vezes agressiva, incisiva, acusadora, pode parecer autoritária. Seu modo de se colocar no mundo sugere alguém empreendedor, agressivo nos negócios, aparentemente interessado em poder, dinheiro. Ao lidar com a castração, o neurótico deseja o triunfo de modo fálico e a disputa torna-se imperativa. Competir passa a ser mais interessante que escutar ou compartilhar, embora a culpa pela conquista possa atrapalhar. A focalização, nesses casos, passará pelas questões ligadas à castração. Os casos graves desse tipo são a histeria e o transtorno obsessivo-compulsivo.
O tipo P tem no Id sua instância dominante. Sua angústia principal é de fragmentação, a relação de objeto é fusional, o conflito é entre o Id e a realidade, e as defesas principais são a recusa da realidade, a projeção e a clivagem do ego. É o psicótico. Bergeret admite uma pessoa psicótica normal que tem as mesmas linhas estruturais que o psicótico doente. Ele critica os aristocratas do Édipo, alertando que a personalidade não precisa se estruturar na passagem pela triangularidade para ser considerada normal. São pessoas permeadas pela questão da organização/desorganização, são profundas, mais próximas do Id, centradas nelas mesmas, estabelecendo delicada relação com o ambiente potencialmente desestruturador. Alguns são confusos, às vezes são desconfiados, outros são obsessivamente rígidos para evitar a desorganização. Em geral têm um mundo interno rico, são criativos, com idéias próprias, em função de a instância dominante ser o Id. Para se defenderem de uma opinião potencialmente invasiva e desorganizadora, podem parecer teimosos. Como a relação de objeto é fusional, defendem-se da proximidade exagerada, que pode ser fator de desorganização interna. O terapeuta, diante desses pacientes, tende a organizá-los. Os casos graves desse tipo são a esquizofrenia, a paranóia e a melancolia.

O tipo EL tem como instância dominante o Ideal do Ego. A angústia principal é de perda do objeto, a relação de objeto é de apoio ou anaclítica, a defesa principal é a clivagem dos objetos em bom e mau, o conflito se dá entre o Ideal do Ego e o Id e a realidade. Há conquista superegóica e edípica, mas eles não são os organizadores da personalidade. Nessas pessoas, a relação é de dependência com o objeto de apoio, fruto do Ideal do Ego que predomina. O sujeito se defende da depressão, que não é melancólica e que aparece quando o objeto anaclítico deixa de apoiar. São questões freqüentes o conflito com o outro a partir da ambigüidade instalada com a equação dependência/ independência. Na relação transferencial, o terapeuta tende a confortar, a apoiar. São os chamados estados-limite e seus casos graves são o borderline, a personalidade anti-social e as perversões.

O tipos EL e P não têm o Édipo como principal instância organizadora, o que não quer dizer que não sejam influenciados por ele. A questão da castração é universal e todos os seres humanos lidam com ela, em maior ou menor grau. A diferença é que, no tipo N, o Édipo é central e a castração é a angústia básica de sua personalidade, enquanto no estado-limite e no psicótico, normais ou não, o Édipo influencia, mas a angústia fundamental é de perda do objeto e de fragmentação, respectivamente.

Freud alerta, com razão, que os tipos puros são teóricos e que os tipos mistos, EL/N, EL/P, P/N, por exemplo, são os clinicamente observáveis, a partir da experiência [37]. Os tipos mistos teriam características de mais do que um dos tipos retratados por Freud; o tipo EL/P, por exemplo, teria características do tipo EL e do tipo P, compondo um tipo psicológico com características próprias, singularizadas pela biografia de cada um.

Embora esses conceitos visem facilitar a aproximação clínica com o paciente, deve-se evitar qualquer visão simplificadora. Todas as pessoas são criativas em maior ou menor grau, todos se defendem de invasões, todos lidam com a castração, todos têm que lidar com a angústia de perda do objeto e de fragmentação, todos apresentam as características apontadas em cada um dos três tipos. É perceptível, porém, que algumas dessas características predominem em uma ou outra pessoa.

Essas características de personalidade são naturalmente investigadas, pouco a pouco, ao longo de uma psicoterapia sem prazo fixo, em todos os pacientes. Em uma PB, reconhecê-las e apontá-las, no momento dado pela procura de terapia, propicia insight e autoconhecimento, facilitando a compreensão da situação conflitiva que o paciente apresenta.

O foco proposto [38] se dará, então, sobre as angústias - de castração, de fragmentação ou de perda do objeto -, ligadas às características de personalidade do sujeito, respeitado em sua subjetividade singular, levando-se em conta sua história de vida e seu momento atual.

Ilustração

Pedro, 44 anos e 15 de casamento, vem ao consultório em dúvida quanto a se separar, ou não, da esposa. Ela seria muito exigente, invasiva, controladora, não o deixa em paz. Ele quer ver televisão, ela cobra atenção; ele gosta de andar de bicicleta sozinho, ela reclama que ele não fica em casa; ele está contente por jantar em silêncio, ela considera isso um tédio. Quanto mais ela reclama, mais ele se afasta. Ele prefere não se separar, gosta da esposa, mas não sabe mais o que fazer, porque o casamento está se tornando insuportável.

Ele é um industrial, com freqüentes viagens a negócios pelo Brasil e exterior. Seu cotidiano inclui esportes, lazer com a família, livros técnicos, alguns filmes de ação, música erudita e seriados sobre crimes na tv.

Veste-se com roupa social, preferencialmente com terno escuro, sem muitos cuidados. É alto, magro, olhos castanhos, cabelo curto. Cumprimenta-me com aperto de mão, senta-se na mesma poltrona toda vez, não precisa de estímulo para expressar-se, não controla o tempo da sessão. Reflete sobre o que digo, questiona quando não concorda, faz uso em outras sessões daquilo que lhe faz sentido.

Tem dois filhos pré-adolescentes. A esposa não trabalha fora de casa. Os filhos não apresentam problemas na escola ou em suas relações com os colegas e amigos. O casal tem alguns amigos em comum, ligados à escola e ao bairro em que sempre residiram. Ele é de origem alemã e ela, italiana.

A mãe dele é uma pessoa invasiva, autoritária, distante afetivamente, exigente. O pai é de pouca conversa, vinculado ao trabalho, sem interesse pelos filhos e netos. Tem irmã mais nova, ligada à mãe. Ele teve que se virar desde pequeno, não contou com o apoio dos familiares em seus estudos ou negócios. Considera isso um ponto positivo, pois aprendeu a lidar com o mundo real, enquanto a irmã, mais protegida, é dependente dos pais até hoje.
Veio por indicação da terapeuta da esposa. Pedro não está em crise, sua questão se resume à situação matrimonial. Nunca fez psicoterapia anteriormente, nem pretendia se aprofundar em questionamentos sobre si mesmo.

A PB foi indicada em consideração à demanda do cliente; a proposta com tempo limitado o tranqüilizou. Uma psicoterapia sem prazo definido não combinava com essa pessoa, afeita à objetividade e aos resultados palpáveis. Propor-lhe uma longa análise poderia fazê-lo desistir depois de um tempo breve, ou nem iniciá-la. Uma PB de cinco meses foi concluída no prazo. As questões foram elaboradas e compreendidas na situação transferencial e a linguagem utilizada foi a mais simples possível, distante de terminologias incompreensíveis para o paciente.

A PB teve como foco as características de personalidade de Pedro. Sua preferência pelo silêncio e pelo sossego foi vinculada à sua necessidade de manter-se coeso, escapando de sua angústia de fragmentação. Ele compreendeu que sua visão a respeito das exigências de sua esposa, vividas como invasivas e desorganizadoras, estava inebriada pela experiência com seus pais, invasivos ou desinteressados. As cobranças da esposa são potencialmente desorganizadoras porque Pedro precisa de um espaço próprio de repouso psíquico, sem ruído externo excessivo. As exigências da esposa/mãe, experimentadas como invasivas - relação de objeto fusional -, resultavam em angústia de fragmentação, pois as opiniões e os reclamos dela penetravam em seu psiquismo gerando questionamentos e confusão. Sua reação costumeira era um maior afastamento, o que complicava ainda mais a situação. Pedro necessita ficar sozinho, andar de bicicleta, por exemplo, para colocar as coisas no lugar, organizar-se. Seu distanciamento do outro é necessário para manter coesão interna, lidar com a relação fusional, percebida como ameaçadora pelas experiências com objeto infantil invasor. Em função disso, seus silêncios e momentos de reflexão na sessão foram respeitados, proporcionando experiência de não invasão na transferência.

Seu conflito maior não é com ele mesmo, mas com a realidade/ esposa, que o questiona. Por ele, estaria satisfeito com seu modo de ser, que não atrapalha sua criatividade, nem seu desempenho social ou sexual. Durante a psicoterapia, também foi necessário lidar com as ameaças de abandono da esposa, ou os limites/castração impostos pela realidade da vida de casado, mas essas questões, embora importantes, não foram centrais no modo de ser de Pedro, no que tange à angústia de fragmentação que o trouxe à consulta.

Seus aspectos neuróticos também foram contemplados nas sessões. Ele pôde observar o modo impositivo como lidava com as queixas da esposa, a maneira como demonstrava sua irritação com a invasão de seu espaço pessoal pela demanda de atenção dela, o modo competitivo como enfrentava o mundo em geral e sua impaciência com o fato de a esposa não compreender sua necessidade de silêncio para ser mais eficaz na construção de uma vida segura e tranqüila para a família.

No caso de Pedro, entender seu modo de funcionamento facilitou o relacionamento com a esposa, na medida em que se apropriou de uma compreensão de si mesmo e do relacionamento com ela.

Discussão

Compreendido o vértice psicanalítico [39] como a articulação da teoria com o procedimento considerado - ou seja, análise transferencial, interpretação, associação livre e respeito à regra da neutralidade -, a variação de enquadre da psicoterapia breve, com tempo limitado de terapia e utilização de um foco, não a afasta da psicanálise, apenas a coloca em um lugar diferente, com repercussões outras. Mantém-se o método, altera-se o enquadre.

Os autores da PB, seguidores dos fundamentos teóricos psicanalíticos, se distanciam do procedimento acima descrito de maneiras diversas. Exemplificando, Fiorini [40] evita a interpretação transferencial, Lemgruber [41] privilegia a experiência emocional corretiva, Sifneos [42] propõe ser ativo no foco, abandonando a neutralidade, Malan [43] não lida com as associações livres, referindo-se à atenção e negligência seletivas e Braier [44] propõe a utilização das associações livres apenas no foco. Gilliéron  [45] mantém o procedimento psicanalítico, mas inclui a teoria sistêmica em seu trabalho.

Muitos psicanalistas afeitos ao enquadre clássico do tratamento-padrão o consideram isento da necessidade de justificativas. Quando se fala em planejamento em PB, esquece-se que o contexto da análise clássica também é fruto de uma planificação. Interpretar a transferência, utilizar o divã, propor várias sessões semanais e tempo ilimitado para a terapia, prestar atenção nos atos falhos e nos sonhos, considerar o pagamento como questão transferencial, são itens que fazem parte de um planejamento - e que exigem explicações.

Qual a justificativa teórica para se considerar natural a não instituição de um prazo para uma terapia? O ser humano se organiza a partir dos prazos estabelecidos ao longo de sua vida. Para a maioria, há momentos definidos para terminar os períodos escolares, o mestrado, o doutorado, a aposentadoria. A juventude tem hora para terminar: de nada adianta pintar os cabelos ou fazer plásticas no corpo. A morte tem hora e vez, não apenas para Augusto Matraga [46] . Por que a terapia sem prazo de encerramento seria, sempre, a mais adequada?

Ficar dez, quinze ou mais anos em análise é fundamental para nós analistas, e desejável ou inevitável em muitos casos. Será obrigatório para todos? Considerando que a maioria das terapias iniciadas não chegam a seu término [47] , não seria mais prudente prestar atenção à demanda do cliente do que submetê-lo a um processo ao qual ele não adere?

Um livro tem número de páginas previamente determinado e nem por isso deixa de ser profunda a sua leitura. Quantos filmes se iniciam com a morte anunciada da personagem principal sem tirar sua profundidade e sua emoção? Alguém acredita que a vida de uma pessoa que faleceu aos oitenta anos foi necessariamente vivida mais profundamente que a de diversas pessoas, inúmeros poetas, músicos e escritores, como Mozart, 35 anos; Noel Rosa, 27; Rimbaud, 37; Cazuza, 32; Augusto dos Anjos, 30; Lord Byron, 36; Alvares de Azevedo, 20; Florbela Espanca, 36; Elis Regina, 36 anos, que morreram jovens? Será que tempo longo é sinal de profundidade? Afinal, o que é o tempo?

Em "Análise terminável e interminável", Freud afirma que "se quisermos atender às exigências mais rigorosas feitas à terapia analítica, nossa estrada não nos conduzirá a um abreviamento de sua duração, nem passará por ele" [48] . Um pouco antes, ele salienta que "uma análise que durou três quartos de ano removeu o problema e devolveu à paciente, pessoa excelente e capaz, seu direito a participar da vida" [49] .

Em outras palavras, tudo depende da demanda do paciente: uma psicoterapia sem prazo ou uma PB com prazo definido. E permanece a pergunta sobre quem decidirá tal empreitada: o terapeuta, o paciente ou os dois em conjunto?


topovoltar ao topovoltar à primeira páginatopo
 
 

     
Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
Sociedade Civil Percurso
Tel: (11) 3081-4851
assinepercurso@uol.com.br
© Copyright 2011
Todos os direitos reservados