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ÍNDICE TEMÁTICO 
41
Presença do psicanalista
ano XXI - dezembro de 2008
160 páginas
capa: Renina Katz
  
 

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Resumo
Resenha de Isidoro Berenstein, Del ser al hacer: curso sobre vincularidad, Buenos Aires Barcelona México, Paidós, 2007,177 p.


Palavras-chave
vínculo, psicanálise, outro, presença, objeto


Autor(es)
Lisette Weissmann
é doutora em psicologia clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), mestre em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), especialista em psicanálise de casais e famílias pela Asociación Uruguaya de Psicoanálisis de las Configuraciones Vinculares (AUPCV). Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, professora da BSP. Consultora intercultural com expatriados.


Keywords
psychoanalysis, other, presence, object

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 LEITURA

Quando os vínculos nos convocam a pensar

When links invite us to think
Lisette Weissmann


Resenha de Isidoro Berenstein, Del ser al hacer: curso sobre vincularidad, Buenos Aires Barcelona México, Paidós, 2007,177 p.

É um prazer fazer a resenha de um livro de quem foi meu professor por tantos anos. A trajetória de Isidoro Berenstein mostra um psicanalista que se encontra sempre à procura do conhecimento, buscando abrir novos caminhos, com a teoria vincular, por ele desenvolvida.

No livro Del ser al hacer, Berenstein nos apresenta as aulas por ele proferidas no Programa de Educação à Distância da Associação de Psicanálise de Buenos Aires (APDEBA). Trata-se de um curso de psicanálise de famílias, casais e instituições, que têm como eixo de trabalho a teoria do vínculo.

Del ser al hacer nos faz partícipes de um transcurso de pensamento que parte da clínica, requisitando-nos e nos estimulando para seguir pensando. Ao mesmo tempo, o caminho de pensamento recorrido não inviabiliza percursos anteriores, mas sim adiciona, acrescenta e enriquece. Berenstein nos faz acompanhar de sua busca por uma nova teoria que dê conta do que a clínica, o social e os pacientes desse momento histórico-cultural nos pedem. Árdua tarefa a de quem tenta não se basear nos conhecimentos preestabelecidos e nas verdades já aprendidas, para mergulhar em um caminho de descobertas e elaborações de novas conceituações.

O livro confronta o leitor com o movimento interno do pensamento atual do autor, bem como com sua evolução em diferentes épocas. Também nos aproxima dos diálogos de Berenstein com outros autores que têm providenciado laços fortes e marcas importantes dentro do campo da vincularidade. Em seu prefácio, o autor nos fala de como a teoria do vínculo constrói um caminho sem volta; ao trabalhá-la, tanto o autor quanto o leitor se perceberão modificados, em vínculo.

A contribuição mais significativa de Berenstein está- como já foi dito- na forma como conceitua o vínculo. Essa modificação teórica tem largas conseqüências na forma de conceber o sujeito, fazendo com que o leitor - ao acompanhar as idéias do autor - reveja suas próprias posições.
Diz Berenstein:

"Se não se modifica a posição subjetiva entre quem dá e quem recebe, cronificam-se os lugares. (...) Tem que haver uma modificação nas posições, caso se deseje uma mudança subjetiva. Se não se produz (essa modificação), observa-se um discurso vincular que fala de "nós" e encobre um "eu" dirigido a um "vocês" com quem não há vínculo, e sim uma relação de autoridade". ( p. 14).

Nas aulas transcritas neste livro, vemos professor e alunos, escritor e leitores enfrentarem a tarefa vincular na qual cada sujeito tenta desvendar, até as últimas conseqüências, o outro que dele se aproxima, para constituir e constituir-se em vínculo. Depois de caracterizar o sujeito e o outro, Berenstein se defronta com o conceito do entre, que implica um fazer que se revela como um trabalho vincular, tarefa que jamais acaba e que persiste infindavelmente. O autor diz: "se dispõem a pensar uns com outros, precisamente entre todos. Mas acontece que não se pode estar confortavelmente sozinho, se não se está com os outros e que é impossível estar com outros se não se pode estar sozinho." (p. 11) Movimento complexo e paradoxal que iremos atravessando na leitura que acompanha o pensar do autor.

Berenstein nos apresenta alguns conceitos novos: o já citado entre, o conceito de presença, o conceito de imposição do outro, o conceito de interferência e o fazer com outros. São conceitos que o autor vem desenvolvendo já há algum tempo, em seus livros anteriores como El sujeto y el otro. De la ausencia a la presencia (2001), Devenir outro com outro(s). Ajenidad, presencia, interferencia (2004).

O conceito de vínculo é o eixo central que sustenta o estar com outros. Desta maneira, se transita de um pensar identitário a um pensar em vínculo, no qual o fazer com outros tem um lugar fundamental. Desenvolve-se um percurso que parte da maneira clássica de entender a psicanálise individual, na qual a relação de objeto ocupa o lugar importante no desenvolvimento do sujeito, constituindo-se num espaço povoado pelos objetos internos que ficam registrados nas representações, tal como Sigmund Freud nos descreveu, representações que constituem a identidade através das identificações. As representações intrapsíquicas nos remetem a uma ausência necessária para que essas marcas se constituam na relação de objeto. Transcendendo esta visão clássica, defrontamo-nos com o conceito de vínculo, descrito por Berenstein ao longo do livro, conceito que estabelece presenças necessárias para constituir um fazer entre sujeitos, fazer marcado por um efeito evanescente que precisa ser sempre reatualizado.

Esses dois mundos, o mundo interno do sujeito e o mundo vincular, desenham caminhos diferentes, apesar de parecerem, por momentos, superpostos. Por isso, "obrigam o psiquismo a realizar trabalhos distintos" (p. 20).

O evoluir das teorizações de Berenstein parte de uma visão mais estrutural, própria dos anos 80, até um olhar mais atual, que define o vínculo como parte de um devir de um sujeito com outro, constituindo dois outros, distintos do que eram anteriormente. Isso delineia vínculos e lugares móveis, em movimento e com maiores possibilidades de mudar.

A pergunta que se impõe ao se centralizar a importância no vínculo e no fazer é: que lugar passam a ocupar os conceitos psicanalíticos que falam da história e das marcas que ela deixa nas representações? Descreve-se um trabalho de historicização atravessado por um fazer que não pode ser realizado em solidão. É um trabalho conjunto, que inclui as marcas anteriores, mas por ocorrer num espaço que possibilita situações não previstas, ficam ordenados de forma diferente os fatos passados. Vemos como os conceitos psicanalíticos clássicos são incluídos à luz das teorias atuais, para tanto, recolhendo conceitos de Alain Badiou e Zigmund Baumann. Marca-se, assim, uma diferença entre o conceito de historicização, no qual se inclui um fazer com, diferente do conceito de origem como ponto de partida em um olhar cronológico. Porém, aquilo que é estabelecido como origem, por exemplo, a família, tem seu valor reconhecido enquanto explicação e sentido do que acontece agora. Assim fica reconhecido o valor do passado no encontro com o presente. Procura-se outorgar luz sobre as ações que geram efeitos pelo que produzem e não somente através do que se interpreta e compreende. Ficariam discriminados assim a história e o fazer, dois caminhos que se aproximam, mas que não se superpõem.

Berenstein descreve o trajeto que - no correr do tempo, através das conceituações psicanalíticas e outras - o levou a conceber o conceito de vínculo. Propõe um descentramento tanto do conceito de eu para o de sujeito em vínculo com outro, quanto do conceito de complexo de Édipo para revê-lo dentro das estruturas vinculares. Tira assim o poder hegemônico de um ou outro, marcando uma possível relação entre eles.

Berenstein reformula o conceito de vínculo, nele incluindo a presença, o alheio, a imposição, bem como uma clínica da interferência, na qual se apresentam relações de poder, que modificam os conceitos de transferência e contratransferência.

No vínculo, o fazer entre constitui um fato singular que coloca a cada sujeito frente ao outro, apresentando-se cada um em sua estrangeiridade, como seres alheios entre si, situação essa produzida pela vincularidade. O outro se me apresenta e me surpreende, pois eu não tenho registro prévio dele, porém devo fazer-lhe um espaço e, nesse ato, tanto o sujeito quanto o outro se modificam. O conceito de alheio coloca os sujeitos como diferentes ao que eram em outros vínculos, ou ao que eles serão em vínculos futuros. A partir do alheio do outro é que os sujeitos começam a tecer sua vincularidade como uma situação absolutamente própria e particular, exclusiva de cada vínculo. Por outro lado, o vínculo só é possível em uma relação de presença, na qual cada sujeito como sujeito-outro se faz presente para se vincular, sem excluir sua alteridade nem seu estatuto de outro real externo, suporte do vínculo. A presença do outro não tem inscrição prévia, porém desenha outros caminhos subjetivos não possíveis anteriormente. Sem a relação de presença, estaríamos falando de uma relação de objeto, do mundo intra-subjetivo do sujeito. Um sujeito confrontado com o outro no vínculo pode opor resistência a este outro, pressionar o outro, ou seja, impor-se ao outro. É isso o que demarca o conceito de imposição dentro do vínculo. A imposição no vínculo interfere na identidade de cada um, não deixando que os sujeitos vinculados fiquem idênticos, e sim diferentes e alheios, outros.

O outro, através de sua presença, impõe-se ao sujeito, fazendo-se presente com sua alteridade, situação essa que obriga ao outro aceitá-lo como diferente, assim como a de que serão ambos modificados pelo encontro produzido. O outro excede o que o sujeito possa projetar a partir de seu mundo intrapsíquico e se faz presente com sua presença, demarcando seu ser alheio.

Todo o explicitado anteriormente assinala como o sujeito está obrigado a admitir o outro como inacessível em sua totalidade a seu conhecimento, surpreendendo-se frente ao estranho, alheio do outro. Uma parte do outro é incognoscível para o sujeito, só pode ser tolerado como para sempre alheio, e é necessário um trabalho permanente para lhe dar espaço. Isso nos coloca frente ao trabalho do vínculo, trabalho que sempre está se refazendo e se re-traduzindo para aumentar a complexidade dos vínculos e enriquecê-los.

O autor, para pensar a teoria vincular, propõe um trabalho de "desarticular" os conhecimentos anteriores, evitar não articulá-los convencionalmente e, desse modo, possibilitar novas conexões entre os conceitos do vínculo e do outro.

Que aportes poderia a teoria dos vínculos trazer para a psicanálise individual? Ao ampliar o contexto de compreensão do paciente, por exemplo, ao incluir o entorno familiar, dar-nos-ia a teoria vincular uma maior inteligibilidade sobre o sofrimento dos sujeitos em suas relações. Mas o trabalho com o paciente vincular não substitui nem anula a análise com o paciente individual, pois se estaria falando de outro paciente, não vincular. Quando o mal-estar centra-se no vínculo ao qual esses sujeitos pertencem, então estaríamos frente ao paciente vincular. O autor descreve: "em nossa definição e a partir de um conceito metapsicológico, o específico é o vínculo interpessoal ou intersubjetivo" (p. 43).

O eixo fundamental que atravessa o livro insiste no conceito de vínculo. Em cada tema, Berenstein vai fazendo um trabalho semelhante ao de uma filigrana tecida com muitíssimo cuidado e aprimorado a cada passo dado, aula por aula. Define um trabalho de vínculo que se constrói a partir do outro, do que ele chama de outridão e a partir do alheio que o outro apresenta no vínculo. Constrói um trabalho em vínculo, no qual os sujeitos produzem e são produzidos pelo vínculo, traçando um percurso em espiral que parece não ter fim, desde que o relacionamento persista. O vínculo é simultaneamente co-instituinte do ego e do outro, ao mesmo tempo em que os destitui dos lugares predeterminados nos espaços aos que pertenciam.

Adentrando-se no conceito teórico de vínculo, o psicanalista vai delimitando uma mudança fundamental na orientação em que a escuta psicanalítica se organiza, já que a mesma prioriza e relança os elementos subjetivos do relato, que pertencem ao mundo vincular. Além do trabalho na transferência e na contratransferência, o conceito de interferência demarca o acontecido e produzido entre esse paciente e esse analista como sujeitos singulares que, com seus desejos próprios, suas formas de pensar, suas singularidades, passam a ser sujeitos outros nesse vínculo. A interferência define-se na situação analítica presente, atual, que se determina a partir do fazer agora que a presença dos sujeitos na análise determina.

O livro traça o vaivém de um aprimoramento teórico que ilumina a clínica, transmitindo o trabalho de escuta e o olhar específico que caracteriza o paciente vincular. Aqueles analistas que trabalham nos vínculos e com os vínculos irão encontrar na presente obra uma referência importante sobre o tema, assim como farão parte de um espaço de troca nas aulas aqui oferecidas.


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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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