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Resumo
Resenha de Malvine Zalcberg, Amor paixão feminina, Rio de Janeiro, Elsevier, 2007, 199 p.


Autor(es)
Lílian Fogaça
é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e integrante do Grupo de Trabalho e Pesquisa em Psicanálise e Contemporaneidade do mesmo departamento.

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 LEITURA

E por falar em amor

Speaking about love
Lílian Fogaça

Resenha de Malvine Zalcberg, Amor  paixão feminina, Rio de Janeiro, Elsevier, 2007, 199 p.

O lugar da mulher, até a renovação da sociedade medieval, era o da sombra, do esquecimento, do isolamento social. Apesar desse não-lugar e da condenação ao silêncio na sociedade, a mulher não era isenta de poderes. Esses poderes porém, por muito tempo, foram associados às forças do mal e do caos.

No século XII, a erótica amorosa abre um novo espaço para as mulheres que se tornam alvo de homenagens dos cavaleiros que, ao adotarem modos mais civilizados, desenvolvem a arte da cortesia. Mas são os trovadores que, ao dedicarem às damas da nobreza canções e poemas dentro da perspectiva do amor, conferem a elas uma nova identidade social.

Durante os séculos seguintes, nas diferentes representações culturais do amor, a mulher irá encontrar novas definições para sua identidade social feminina. É nesse processo que se delineará a vocação da mulher para o amor.

Já na introdução percebemos que o recorte realizado pela autora, para localizar a mulher na sociedade, é o do romantismo.

“Ressaltar a importância do amor para uma mulher na própria constituição da sua subjetividade e a sua repercussão nas parcerias amorosas que vier a estabelecer com um homem é o propósito deste livro”.

Para alcançar esse objetivo, Malvine Zalcberg, com grande talento, objetividade e clareza, faz uso da psicanálise, mostrando que a questão do amor é um dos principais eixos em torno do qual se desenvolve a teoria da sexualidade feminina. Desenvolve o tema com bastante consistência. As idéias contidas desde o início vão sendo retomadas capítulo a capítulo para se tornarem cada vez mais complexas. Percorre um longo caminho, que vai das primeiras teorias de Freud até o conceito de gozo suplementar de Lacan, para nos falar de amor.
Então vejamos:

É do caso de Anna O., famosa paciente de Breuer e dos Estudos sobre a histeria, que parte o fio condutor, que passa por muitos outros textos de Freud e estudos de Lacan, para nos levar ao entendimento da sexualidade humana, em especial a sexualidade feminina. A autora chega à constatação de que a identificação com um sexo, masculino ou feminino, não é um fenômeno natural e sim o resultado de um processo de subjetivação que a psicanálise chama de sexuação. A sexuação de cada indivíduo se articula com a constituição do inconsciente e não se realiza sem percalços. Cada um faz um caminho na direção de uma dada identificação sexual. Embora a anatomia tenha seu peso e a referência do corpo seja inevitável, ela não é suficiente para determinar a constituição do ser sexuado do sujeito masculino ou feminino.

Como só o homem possui no inconsciente um representante para o seu sexo, à mulher é atribuído um outro sexo, ao qual não se tem acesso. O feminino significa a alteridade. Os homens se relacionam com as mulheres enquanto elas representam esse outro sexo. As mulheres querem ter acesso a esse outro sexo, mas isso só é possível pela mediação de um homem. Por isso se apaixonam e querem se realizar através do amor.

Por cultivarem o amor mais que os homens, as mulheres são as grandes responsáveis pelos encontros possíveis entre os sexos (p. 30).

Para a mulher, perder o amor é se perder.
Percorrendo as deduções de Freud e Lacan sobre a resolução do complexo de Édipo na menina, a autora conclui:

Uma vez introduzida no Édipo e correspondentemente à desidentificação fálica, não importa o que faça a menina nunca (mais) será aquilo que satisfaz o Outro (p. 50).

Nada resolverá sua “falta a ter” como satisfazer a mãe e saber quem é. O “não tenho” e o “não sou” adquirem o mesmo valor para as meninas. A solução terá que ser encontrada de um modo especificamente feminino em que possa recobrir sua “falta a ser” com o amor.

O pensamento freudiano só via a saída fálica do “eu não tenho, quero ter” (ter marido, ter filhos, mais recentemente ter profissão etc.) como única solução do destino feminino. Não há dúvidas de que Freud reconheceu o valor fálico do amor, uma vez que fez equivaler à angústia de castração, própria do homem, a angústia de perda de amor, própria da mulher.

Mas é a trilha seguida por Lacan que enfatiza a busca de amor da mulher junto a um homem, independentemente da satisfação que possa ter como mãe. É que a saída pelo “ter” não soluciona a questão feminina do “ser”.

Se a mulher renuncia a ter acesso direto ao falo e aceita obtê-lo pela mediação de um parceiro, que supostamente o tem, a mulher procura ser o objeto do seu amor. Resta saber quais condições inconscientes permitem a ela consentir (ou não) em ser o objeto de amor de um homem.

A primeira contribuição de Lacan para a psicologia da vida amorosa se refere ao modo desigual de os sexos entrarem na relação sexual.

É através do modo “eu tenho” (o falo), forma pela qual o homem subjetivou seu sexo, que ele se aproxima sexualmente de uma mulher. O homem precisa constantemente se reassegurar de sua virilidade. Mas como não há virilidade a não ser a validada pela castração, é nessa condição de enfrentamento da castração que ele vai ao encontro do desejo da mulher.

Para uma mulher, o homem tem de ser castrado, isto é, marcado por uma falta. Nada irrita mais uma mulher do que o homem pretender não ter falta nenhuma. Não ter falta de nada. Nem dela (p. 64).

É através do modo “eu não tenho” (o falo), forma pela qual a mulher subjetivou o seu sexo, que ela se aproxima ou se deixa aproximar por um homem. No entanto, sua reação é oposta à dele. Já que não tem o que exibir, ela quer mais é esconder, camuflar sua falta. Utilizando-se de um conjunto de recursos, que Lacan chamou de mascarada, de maneira enganosa, vai dissimular sua falta, que é basicamente a falta de uma identidade especificamente feminina.

Ainda segundo Lacan, são três as fórmulas básicas de parceria que a mulher estabelece com o homem, visando obter uma definição de sua identidade feminina: ser-lhe o falo; ser-lhe o objeto causa de desejo e ser-lhe o sintoma onde se fixa seu gozo.

Pela via de “ser” o falo, lembrando que o falo é o representante do que falta a todo ser humano, ela que se apresenta como “não tendo” identifica-se com sua falta e passa a “ser o que não tem”.

Sob a regência do Édipo, a mulher vai despertar o desejo do homem não para completá-lo, mas para lançá-lo numa posição de falta, numa condição de castração, pois se o homem não é castrado não pode fazer dela seu objeto de desejo.

Todas as formas de resolução da questão feminina no encontro com um homem dependem da intermediação do amor. A mulher visa obter uma harmonia para a identificação que a caracteriza, buscando no amor uma sustentação para o seu ser.

Os labirintos da vida amorosa de homens e mulheres são feitos da articulação dos três níveis – o imaginário, o simbólico, o real – que constituem as respectivas subjetividades. Esses diferentes níveis estão às vezes reunidos, às vezes separados, aqui permanentes, ali transitórios, umas vezes puros, umas vezes mistos. No nível imaginário, amar é demandar. No nível simbólico, amar é desejar. No nível real, amar é gozar (p. 105).

Zalcberg inicia esse capítulo pelo conceito de fantasia. Fantasia não só como imagem que pressupõe um desejo, mas também por sua função de constituir para o sujeito seus objetos.

Continuando, fala-nos da ampliação do sentido de castração introduzida por Lacan – a proibição não é somente a da criança se manter alienada ao desejo do Outro materno, mas também é a interdição do gozo sem limites.

Passando pelo mais além da lógica fálica, aponta para o lugar que o homem ocupa na fantasia da mulher em contraponto com o lugar ocupado por ela na fantasia dele.

A partir do conceito de objeto a, vai fazer a distinção entre os gozos masculino e feminino.

A diferença é marcante: o homem só tem acesso a um único gozo, o fálico; a mulher apresenta dois gozos e não um só como o homem. É o próprio falo, aliás, que cria uma divergência entre esses dois modos de gozo na mulher: um gozo fálico e um gozo mais além do falo (p. 112).

Só o gozo fálico é possível de ser expresso em palavras. Do gozo suplementar nada pode ser dito. Nem a mulher pode dizer nada sobre ele, só que o experimenta. Enquanto o gozo do homem é finito, limitado ao órgão fálico, o gozo da mulher é marcado pela ausência de um limite claramente estabelecido: não há órgão identificável para localizá-lo, o que dá àquela que o experimenta uma idéia de o gozo ser infinito.

Uma mulher que quer satisfazer o gozo do Outro procura provocar e contar com o gozo fálico do homem para trazer um limite ao seu próprio gozo.

Ter um gozo “outro” e também ser objeto de gozo na fantasia de um homem é uma história complexa para toda mulher.

O consentimento ou não de uma mulher de instalar-se nesse lugar é o que vai diferenciar uma posição feminina de uma posição histérica. A autora conclui nesse capítulo que a mulher em posição feminina quer gozar e fazer gozar. Já na posição histérica não quer gozar nem fazer gozar. O que ela quer é ser.

A questão da mulher oscila entre um registro de falta (em termos de significante) e um excesso (em termos de gozo).

Além de trechos de filmes, livros e poemas, Zalcberg vai recuperar o caso de Aimeé, paciente que desempenha papel fundamental no percurso de Lacan, para descrever o modo erotomaníaco de amar da mulher em contraponto ao modo fetichista de amar do homem.

Nem os homens são perversos fetichistas, nem as mulheres são psicóticas erotomaníacas, mas possuem modos de amar fetichista e erotomaníaco, respectivamente.

Os efeitos subjetivos que o gozo produz no homem e na mulher repercutem em especial em nível de clínica diferencial do amor. É o amor que para uma mulher funciona como restabelecimento de uma identificação fálica com a qual o gozo arrasa. É assim que opera a função do amor para ela, como solução para um gozo devastador porque não localizável pelo significante fálico, como o é para o homem. Por isso a mulher tende mais que o homem para uma lógica de absolutização do amor que a empurra para uma busca insaciável do Outro (p. 150).

A perda do amor do parceiro pode tornar a mulher uma estranha aos seus próprios olhos. Ser rejeitada leva ao questionamento do que ela é e qual o seu valor.

Na busca de gozo por parte de homens e mulheres, cada um impõe ao outro uma maneira de ser.

Uma das mais importantes imposições que a mulher faz ao homem em sua forma de amar: é que ele seja o Outro que fale. Uma das mais importantes imposições que o homem faz à mulher em sua maneira de amar: é que ela seja um objeto que não fale (p. 156).

Num caso trata-se de um Outro; no outro, de um objeto, o que é mais um indício de dessimetria na estrutura subjetiva de homens e mulheres.

O objeto inerte que não fala é o objeto que, na forma de objeto a, a mulher encarna na fantasia masculina. Portanto, a forma fetichista de amar do homem condiz com uma condição de gozo que exclui a fala.

Ao contrário, a mulher se refere ao Outro, uma vez que a busca do Outro do amor está sempre em seu psiquismo. Se seu parceiro amoroso é alguém a quem falta alguma coisa é porque essa falta o faz falar.

Não são quaisquer palavras que a mulher espera do Outro do amor, mas as que toquem sua fantasia.

Nessas palavras que tocam sua fantasia, não é só o amor que está em jogo, mas também o gozo e o desejo aos quais elas lhe darão acesso. Ou seja, para a mulher é necessário que o homem fale para que ela possa gozar.

Para a mulher, não existe o amor sem palavras. Exigir de um homem palavras de amor, precisar de um Outro que fale, não impede que haja também nela uma entrega a uma pulsão silenciosa.

O homem se restringe a ter o prazer do órgão, o gozo fálico, portanto não chega a gozar do corpo da mulher. É o gozo do Um que não busca o Outro. Ele goza na solidão.

Na mulher, o gozo fálico a divide. Em uma parte fica submetida ao falo e busca o Outro do amor. Mas, na outra parte, a submetida ao gozo suplementar, ela tem a solidão como parceira.

Um corpo não goza do corpo do outro e sim do seu próprio. É impossível que dois corpos sexuados tornem-se um só. É isso que significa o aforismo de Lacan de que “não há relação sexual”. Ele coloca o amor como aquilo que opera a conexão com o Outro, possibilitando a superação do domínio da pulsão que é autístico, sem Outro.

É graças ao amor que cada sexo aceita a existência de um Outro que tem uma relação diferente com a castração, uma outra posição quanto ao desejo, um outro estilo de amar e um outro modo de gozo (p. 182).

Ao longo de seu livro, Malvine Zalcberg enfatiza que a resolução da questão feminina de uma mulher passa pelos efeitos que o desejo, o gozo e as palavras de amor de um homem têm sobre sua subjetividade. Isso explica por que elas continuam sempre voltadas para o amor.

Tornar-se homem ou mulher não é tarefa nada fácil. Mas o que se percebe é que tornar-se mulher é uma empreitada muito mais difícil na contemporaneidade, em uma sociedade marcada e definida pelos altos níveis de consumo, com apelos ao gozo permanente que não deixa espaço para o desejo, onde os amores se liquefazem e o sujeito passa a prescindir do Outro.

Vivemos em um mundo onde o “ter” se confunde com o “ser”, os relacionamentos são descartáveis e os compromissos, evitados. Assistimos a um afrouxamento dos laços sociais e o amor em todas as suas vertentes é artigo cada vez mais raro. O espaço virtual passa a ser o lugar dos encontros e as palavras nem sempre carregam o peso da experiência vivida a ser compartilhada.

Como compatibilizar as exigências psíquicas da busca da identidade feminina, com a cultura ocidental do século xxi, é uma questão para ser respondida.

Amor paixão feminina, um livro para ser lido
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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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