voltar ao sumárioResumo Tarefa difícil esta de apresentar o multifacetado analista Emílio Marcos Rodrigué. Afinal, são 82 anos de uma vida eletrizante, devidamente re gistrada com sua veia literária em livros1 e artigos que passeiam da autobiografia às experiências profissionais e às formulações teóricas... Autor(es) Andréa Carvalho Bela M. Sister é psicanalista, integrante do grupo de Entrevistas da revista Percurso, coautora de Isaías Melsohn: a psicanálise e a vida (Escuta, 1996). Cristiane Sammarone Mara Selaibe é psicanalista, aluna do curso de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e Mestre em Psicologia Social. Maria Cristina Ocariz é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e professora do Curso de Psicanálise do mesmo Instituto, mestranda na Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC-SP. Notas 1. Seus principais livros são: Psicoterapia de Grupo – Enfoque Psicanalítico (1956) (junto com Marie Langer e León Grinberg); O Contexto do Processo Psicanalítico (1965) (com Geneviève Rodrigué); O Antiyo-yo – Nova Proposta Amorosa (1977) ( juntamente com Martha Berlín); O Paciente das 50.000 Horas (1977); A Lição de Ondina – Um Manual Psicanalítico de Sabedoria (1983): Gigante pela Própria Natureza (1991): Sigmund Freud – O Século da Psicanálise (1995); El Libro de las Separaciones (2001). 2. Como ele se autodenomina no livro El Antiyo-yo – Nova Proposta Amorosa, Rio de Janeiro, Imago Editora, 1977. 3. E. Rodrigué, O Paciente das 50.000 Horas, Rio de Janeiro, Imago Editora, 1977, p. 32. 4. Jornal Página 12, http://www.pagina12.com.ar/ 2000/suple/psico/ 5. Texto escrito em espanhol em julho de 2003 e que se encontra em www.psychanalyse-insitu. com/boite_a/ERodrigue.html. 6. E. Rodrigué, El Libro de las Separaciones Buenos Aires, Editorial Sudamericana, 2001. 7. E. Rodrigué, A Lição de Ondina – Um Manual Psicanalítico de Sabedoria Rio de Janeiro, Imago Editora, 1983. 8. José Ingenieros, cientista multifacetado, nascido na Itália em 1877, emigrou para a República Argentina em 1893. Médico, sociólogo, escritor, professor universitário, humanista e político, faz parte do primeiro movimento que instaura a psiquiatria no país. Chamado de médico-psicólogo, tem participação na difusão do freudismo no começo do século XX e funda a Sociedade de Psicologia de Buenos Aires em 1908. Quando morreu, em 1925, era um dos intelectuais de maior peso na cultura argentina e latino-americana. 9. E. Rodrigué, Sigmund Freud – O Século da Psicanálise, São Paulo, Editora Escuta, 1995, Vol. III, p. 69. 10. E. Rodrigué, Sigmund Freud – O Século da Psicanálise, São Paulo,: Editora Escuta, 1995, vol. II, p. 432. 11. Participação de Rodrigué na mesa Formas Simbólicas e Trabalho Analítico ocorrida em 26.09.96 e que integrou o evento organizado no Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae Acontecimento Estético na Clínica Psicanalítica. Essa participação foi publicada na seção Debate da Revista Percurso no 27. 12. Congresso realizado em Salvador, Bahia, em julho de 1996. 13. E. Rodrigué, Sigmund Freud – O Século da Psicanálise São Paulo, Editora Escuta, 1995, Vol. I, p. 192. Abstract Argentinian analyst Emílio Rodrigué – who once analyzed Melanie Klein’s grandson – has had an unique career since he went on the couch in the forties. He has studied for a while with Suzanne Langer in the USA, and had a pivotal role in the discussions that eventually led to major reforms in the organization of the psychoanalytic world scene. Now living in Bahia, he presents here his views on of analytical practice and on the panorama of contemporary Psychoanalysis. voltar ao sumário
| | ENTREVISTAEmílio Marcos RodriguéFuracão freudiano Emílio Marcos Rodrigué A Freudian Hurricane
Andréa Carvalho Bela M. Sister Cristiane Sammarone Mara Selaibe Maria Cristina Ocariz
Tarefa difícil esta de apresentar o multifacetado analista Emílio Marcos Rodrigué. Afinal, são 82 anos de uma vida eletrizante, devidamente re gistrada com sua veia literária em livros [1] e artigos que passeiam da autobiografia às experiências profissionais e às formulações teóricas.
Rodrigué encarna a ortodoxia da Psicanálise da IPA dos anos 40-50-60, que é estilhaçada nos 70. Ele é o pequeno príncipe do Rio de la Plata, [2] brilhante membro da segunda geração da Associação Psicanalítica Argentina que, com tranqüilidade, vestir-se-á com a ortodoxia e a formalidade desses anos que desembocarão em rupturas que apontarão tanto para a heterodoxia e transgressão pessoais como, em especial, para o importante questionamento político da instituição psicanalítica oficial que resultará no movimento Plataforma e seu irmão, Documento.
Filho da aristocracia rural argentina, encaminhase para o curso de medicina e, precocemente, acolhe suas pretensões de se tornar analista. Com aproximadamente 20 anos, inicia análise com o eminente Arnaldo Rascovsky mas, aos 25, já estará na Londres do pós-guerra e da grande controvérsia Anna Freud – Melanie Klein, deitando-se seis vezes por semana no divã de Paula Heimann durante os quatro anos de recesso e formação analítica. Atende crianças e faz supervisão com Mrs. Klein, observa grupos conduzidos por Bion, além de ter como analistas-supervisores Herbert Rosenfeld, Donald Winnicott, Hanna Segal, John Rickman... Enfim,a vanguarda psicanalítica da época. Quando parte de Buenos Aires em 58 para um novo recesso de quatro anos, desta vez nos EUA, já estava consagrado analista-didata empunhando a tocha kleiniana. Esse novo período sabático será fundamental para uma virada filosófica, pois vive o contato intenso e transformador com a filósofa Susanne Langer, além de trabalhar na comunidade terapêutica pioneira de Austen Riggs (leia-se Robert Knight, Rappaport e Erik Erikson).
Na volta à Argentina, imediatamente assume a presidência da APA, totalmente identificado à ideologia elitista e restritiva da instituição: um mandarim ingênuo, como ele mesmo já se intitulou, que também quase chega à vice–presidência da Internacional. De um lado, temos os poucos didatas para dar conta da grande demanda de formação apenas facultada aos médicos. De outro, posta-se uma crescente geração de psicanalistas gestada à margem da sociedade “Oficial”constituída de psicólogos e psiquiatras que fazem formação paralela desenvolvida em escolas privadas, hospitais e serviços públicos. É a época de Pichón-Rivière, de Bleger, da psicologia social, dos grupos operativos, da militância política nas instituições de saúde mental.
Em 71, quando 40 didatas e jovens candidatos da corrente kleiniana renunciam em massa à APA, questionando politicamente a instituição para que se democratizasse internamente, bem como clamando pela recuperação de uma ideologia revolucionária quanto ao lugar da Psicanálise na sociedade, Rodrigué está entre eles sacudido pelo contato com a intelectualidade de esquerda portenha.
1974. Em pleno governo democrático peronista, grupos paramilitares de direita começam a repressão que culminará no golpe militar de 1976. Ele deixa a Argentina em ato análogo ao de Marie Langer e de muitos outros membros de Plataforma, dando início a uma diáspora. São tempos andarilhos ou de psicoargonauta (como quer Rodrigué) no circuito Rio-São Paulo-Salvador- Madri-Valência-Medellín-Caracas. Com Martha Berlín, sua mulher na época e que tinha sólida formação psicodramática, fazem um ambicioso projeto de formação analítica na Bahia, pela via grupal, que fez dele o pioneiro da psicanálise local. Dessa experiênciacaroço vingou robusto movimento lacaniano. O mestre virou discípulo dos próprios discípulos, com eles aprendendo Lacan.
Nesses tempos heréticos, de afastamento da ortodoxia analítica, Rodrigué, que já tinha seu papel de vanguarda em grupos e comunidades terapêuticas nos anos 60, faz virada para o trabalho corporal a partir de sua estada em Esalen, meca californiana das práticas alternativas (bioenergética, psicodrama, técnicas grupais e corporais, filosofia oriental). Rodrigué conduz inúmeros laboratórios e muito influenciará corporalistas cariocas e paulistanos.
Os ventos soprados foram trazendo- no cada vez mais amiúde para a sua carinhosamente apelidada Roma Negra , até fincá-lo de vez em Salvador. Terra encantadora que respira magia, foi por ele descoberta nos anos 1970 num terreiro de candomblé de Itaparica... e redescoberta nos 1980 nos braços de um grande amor e ao som do doce murmúrio do mar de Itapuã... quando ele novamente se afina com Freud e escreve uma bela biografia do mestre maior. E a história continua... Uma pena ter sido o contato virtual do e-mail o único recurso viável de comunicação entre ele e nosso grupo de entrevistas... Rodrigué é nitroglicerina pura!
PERCURSO: Após 60 anos exercendo o ofício de psicanalista, como o senhor considera hoje o alcance e os limites da psicanálise levando em conta o tratamento de neuróticos, psicóticos e perversos? Emílio Rodrigué: A psicanálise não envelheceu isso tudo assim. Ela ainda é bonita e graciosa. Não precisou de plástica alguma. Fizemos avanços no tratamento das psicoses; as perversões, penso eu, sempre foram o lado escuro da lua; e as neuroses são nosso ganha-pão. A leva atual de analistas é menos prepotente e mais sensível ao sofrimento humano.
PERCURSO: O senhor sustentaria que ainda hoje uma análise tradicional é válida? E. RODRIGUÉ: Se por tradicional entendermos cinco sessões de cinqüenta minutos semanais, a análise tradicional acabou. Há muito tempo eu não trato ninguém nessa freqüência. Concordo com Canetti que o tempo do mundo se acelerou de tal maneira que hoje uma análise tradicional é composta de duas sessões de 30 minutos – se não for adotado o short cut lacaniano. Mas, no essencial, o modo de se analisar continua o mesmo.
PERCURSO: Em seu livro O Paciente das 50.000 Horas, que inaugura seu rompimento com a IPA, o senhor coloca uma questão que vale a pena ser retomada no contexto atual da formação de analistas: “Quanta ferrugem acumulamos em nosso amadurecimento?” [3] Qual é a qualidade dessa ferrugem constatada? Que conselhos o senhor daria a um analista principiante? E. RODRIGUÉ: Em 1970 o assunto da ferrugem foi uma metáfora. Eu busquei estabelecer um contraste entre um aviador com 50.000 horas de vôo e o psicanalista da mesma faixa etária. Nos anos 1960 a psicanálise estava enferrujada por conta da ego-psychology. As coisas mudaram. Como eu já disse em outra oportunidade, no Maio Francês de 1968 Marx morreu e Freud, ferido numa ruela da Rive Gauche, foi salvo por Lacan. Agora há quem pense que desta vez Lacan foi ferido nessa ruela... Duvido que Jacques-Alain Miller, com sua IPA afrancesada, possa resgatá-lo.
PERCURSO: Nesse mesmo livro, o senhor se refere à sintaxe interpretativa “sim.....mas”, associada aos seus primeiros 25 anos como analista. Numa entrevista realizada em 2000, [4] o senhor declara que a sua sintaxe interpretativa deixou de ser “sim....mas” e tornou- se “isto e também.....”. Poderia nos falar em que mudança de concepção clínica consiste essa nova sintaxe? E. RODRIGUÉ: O analista tem de ser metonímico, o fluxo de significantes tem de fluir. O “mas” é um entrave e traz consigo uma certa violência interpretativa. Em meu vocabulário clínico eu excluí o “não” e quase todos os “sim”, mas posso dizer, alegoricamente, “sempre” ou “nunca”.
PERCURSO: Passados 32 anos de seu rompimento com a IPA, que lugar o senhor atribui a ela nos dias atuais? E às outras instituições de formação? E. RODRIGUÉ: Sou muito ambivalente em relação à IPA – não tanto quanto com o Vaticano, mas quase. Em 1912, Jones convenceu Freud a formar a sociedade dos Senhores dos Anéis, integrada por Abraham, Ferenczi, Sachs, Eitingon e o próprio Jones. Essa sociedade secreta manteve as rédeas da Psicanálise internacional até a morte de Abraham, em 1924. Nesse momento, então, nasce o dogma, as hierarquias e o politicagem da IPA, como tinha de ser (ou como sempre é).
PERCURSO: Atualmente, com quem o senhor se percebe dialogando clínica e teoricamente? Poderia nos falar um pouco do contexto contemporâneo da psicanálise? E. RODRIGUÉ: Como eu sou um francoatirador, sem grupo próprio, eu dialogo demais dentro e fora do Brasil. Na Bahia, sou o mentor do Colégio da Psicanálise – de Urânia Tourinho Peres – e algo parecido frente ao Espaço Moebius de Aurélio Souza. No Rio de Janeiro Joel Birman e Carmen Lent são gente boa. Em São Paulo, Sara Hassam e, malgré tout, Manoel Berlinck. Fora, em Buenos Aires, a lista é longa, mas sem dúvida com Fernando Ulloa, Sergio Rodriguez e Hernan Kesselman. Na França dialogo com Radmila Zygouris e a divina Roudinesco. Na Itália, com Cláudio Néri. Na Espanha, com Nicolas Caparros, com pequena ajuda da Internet.
PERCURSO: O que levou o senhor a se interessar pela psicoterapia de grupo? Em 1950 o senhor considerava psicanálise esse tipo de psicoterapia? E. RODRIGUÉ: Enquanto me formava em Londres tive a oportunidade de observar grupos de Bion e de Jacques. Foi uma experiência e tanto que levei de volta a Buenos Aires, junto com a análise de crianças. Ambas ramificações me fascinaram.
Eu gostaria de sublinhar a era freudiana: ela vai de Breuer a Lacan, de Jung a Adler, passando por Stekel, de Melanie Klein a Anna Freud, de Bion a Moreno, de Abraham a Zilborg. De Mário Fuks a Octavio Souza, de Renato Mezan a Emilio Rodrigué. A árvore freudiana é grande...
PERCURSO: Na primeira época de seu trabalho com grupos, o senhor seguia o postulado básico do núcleo argentino de terapeutas de grupo (Grinberg, Rodrigué, Langer e outros) e considerava o grupo como uma unidade social, influenciado pela obra de Freud, Melanie Klein, Bion e do grupo de terapeutas que seguia os princípios da Tavistock Clinic, de Londres.
A partir de quando, e em função de que princípios, necessidades de sua prática clínica e idéias a respeito do sofrimento dos pacientes que o consultavam, o senhor incorporou outras modalidades clínicas e começou a trabalhar nos denominados laboratórios?
E. RODRIGUÉ: Crianças, grupos, laboratórios têm horizontes independentes. Meu interesse pelos laboratórios nasceu em torno de Esalen e também em minha experiência com Comunidades Terapêuticas em Austen Riggs. Foram meus anos heréticos.
PERCURSO: Como o senhor articulou sua clínica nos laboratórios – influenciada por suas experiências em Amsterdam, em Esalen – com os fundamentos metapsicológicos e conceituais da psicanálise freudiana? Poderia falar sobre sua experiência de “aplicar técnicas alternativas sob uma regência psicanalítica” (in El laboratorio individual). [5] E. RODRIGUÉ: Não se articulam ou se se articulam, eu não os articulei. Os laboratórios individuais são um tema à parte que merece todo um artigo. Considero que se trata de um destilado de minha experiência para focar problemas pontuais.
PERCURSO: O senhor deixou de lado o trabalho com crianças? Seus laboratórios são praticáveis com elas? E. RODRIGUÉ: Eu não deixei o trabalho com crianças. As crianças me deixaram por falta de demanda. Nunca pensei em um laboratório de crianças. Obrigado pela idéia. Será possível?
PERCURSO: O senhor escreveu sua autobiografia –El libro de las separaciones [6] – e inúmeros livros seus abordam aspectos ou momentos autobiográficos que oscilam entre o confessional e a auto-análise – “a psicanálise aplicada a mim mesmo”, tal como o senhor definiu na contracapa de A Lição de Ondina. Gostaríamos de saber o que o move a partilhar suas experiências pessoais e analíticas. Qual o sentido dessa escrita? O que o senhor privilegia nela? E. RODRIGUÉ: Boa pergunta. Eu comecei minha análise pessoal em 1943 e levo 61 anos sob a égide freudiana. A psicanálise foi a minha tutora, algo assim como minha espinha vertebral. Certa vez eu escrevi: “Sou analista dos pés à cabeça, eu penso psicanaliticamente, eu vivo psicanaliticamente, eu psicanaliso psicanaliticamente, eu escrevo psicanaliticamente”. A escrita é minha auto-análise, como tem de ser.
PERCURSO: Em seu livro A Lição de Ondina, de 1983, [7] o senhor afirma que “o corpo resistencial recobre e veste o corpo erógeno” e que “é preciso vencer esse invólucro cortado de acordo com nossa mediocridade”, pois considera a resistência como “o homem médio, meio termo, que o indivíduo carrega consigo, o afável burguês interno”. Como o senhor pensa, hoje, a relação entre o corpo erógeno e suas vestimentas?, a relação entre pulsão e defesa? E. RODRIGUÉ: Mudei. Se fosse (re)escrever sobre isso eu faria, hoje em dia, uma apologia da mediocridade. Se desconstruímos o narcisismo, encontramos com esse homem médio, essa pessoa íntima nossa que escova os dentes todos os dias. A mediocridade é nossa base de sustentação. El Hombre Medíocre de José Ingenieros [8] é parcialmente responsável pela imprensa ruim. Será que minha atual posição é um lastro da velhice?
PERCURSO: Ao nos reportar ao “Furacão Kleiniano”, [9] o senhor afirma que tanto o objeto interno, tal como o concebeu Melanie Klein, quanto o objeto pequeno “a” de Lacan “representam o ‘resto’ de uma perda”. Mas – o senhor observa em seguida – há uma diferença entre ambos: enquanto o pequeno “a” é “irredutível à simbolização”, o objeto interno é, justamente, a “matriz do símbolo”.
O senhor poderia nos falar mais da questão da perda levando em conta essa diferença entre os dois conceitos fundamentais relativos às obras de Melanie Klein e Lacan? E. RODRIGUÉ: Não, não dá. Meu Lacan tem pernas curtas e cansadas de realmente saber o que ele disse. Já sei, trata-se de um pensamento medíocre.
PERCURSO: Em Sigmund Freud - o século da psicanálise, publicado em 1995, o senhor escreve que “O homem (...) não tem paz porque sabe de sua morte. Enquanto o homem for mortal, será infeliz ‘na base’.” [10]
Em 1996, [11] dois meses após o Congresso AMORTE, [12] o senhor diz que “teríamos de fazer uma rediscussão bastante radical desse maniqueísmo entre pulsão de vida e pulsão de morte, teríamos de pensar o que é isto de dizer que a pulsão de morte leva à morte” e que seria preciso reconsiderar se o prazer se liga à queda da tensão de modo que, “em última instância, a felicidade esteja na morte.”
Passaram-se nove anos desde então. Como o senhor pensa, hoje, essa dualidade de que Freud jamais admitiu abrir mão? E. RODRIGUÉ: Não admitiu, mas no fundo ele abriu mão. A dualidade de Freud nunca foi uma total e irrestrita dualidade. Foi quase um recurso retórico, uma forma de aprimorar sua dialética. Não compartilho a idéia de Freud de que a pulsão de morte nos leve à morte. A menos que a morte seja nossa última felicidade, será que nosso pavor da morte é uma marca, geneticamente inscrita, de nosso instinto de vida?
PERCURSO: Em Sigmund Freud - o século da psicanálise, [13] o senhor nomeia o capítulo em que reflete sobre a identidade epistemológica freudiana de “O Pulo do Tigre”. Nesse capítulo, o senhor aponta uma “pane fundamental” na concepção de Bernfeld e Jones. Esse é um dos exemplos em que o senhor compara a sua visão da vida e obra de Freud com outras leituras realizadas por outros autores. Quais principais diferenças o senhor aponta entre a sua obra e a de outros biógrafos de Freud? E. RODRIGUÉ: Não posso resistir à tentação de promover meu Freud. Marie Huret, do Le Monde, escreve: “Rodrigué é um escritor, coisa que Ernest Jones não é; Rodrigué é um psicanalista, coisa que Peter Gay não é”. Música para meu ouvido narcíseo.
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