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Resumo
Este artigo procura discutir os conceitos de autoria e autorização no interior do campo da psicanálise, partindo da experiência da Comissão de Admissão do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e tendo como eixo os conceitos de transferência e ética psicanalítica. Avalia a competência do dispositivo “Comissão de Admissão” como analisador crítico da qualidade formativa de nossa instituição, bem como em sua capacidade para acompanhar o momento de passagem e afirmação daqueles que se propõem como psicanalistas de nossa associação, ato que supõe autoria no fazer psicanalítico.


Palavras-chave
institucionalização da psicanálise; formação; transferência; ética; autoria e autorização.


Autor(es)
Noemi Moritz Kon
(Noni) é psicanalista, Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, Mestre e Doutora pelo Departamento de Psicologia Social do Instituto de Psicologia da USP e autora de Freud e seu Duplo. Reflexões entre Psicanálise e Arte (Edusp/Fapesp, 1996), A Viagem: da Literatura à Psicanálise (Companhia das Letras, 2006), organizadora de 125 contos de Guy de Maupassant (Companhia das Letras, 2009) e co-organizadora com Cristiane Curi Abud e Maria Lúcia da Silva de O racismo e no negro no Brasil: questões para a psicanálise (Perspectiva, 2017). Docente no curso "Conflito e Sintoma: Clínica Psicanalítica" do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.


Rita Cardeal
é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.


Notas

1 J. Lacan (1959-60), O seminário, livro 7 – A ética da psicanálise.

2 S. Freud, “A história do movimento psicanalítico”, p. 16.

3 Para o desenvolvimento da ideia de “homem psicanalítico” ver N. Moritz Kon, A viagem: da literatura à psicanálise.

4 S. Freud, op. cit., p. 19.

5 J. Lacan (1960-61), O seminário, livro 8 – A transferência.

6 S. Freud, op. cit., p. 37.

7 V. G. Cardoso, “Os im-passes na instituição psicanalítica”, p. 133-135.

8 J. Lacan (1960-61), O seminário, livro 8 – A transferência.



Referências bibliográficas

Cardoso V. G. (2004). Os im-passes na instituição psicanalítica. Cogito, vol. 5, cpb, Salvador, 2004.

Freud S. (1976). A história do movimento psicanalítico. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro; Imago, vol. xiv.

Kon N. M. (2003). A viagem: da literatura à psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras.

Lacan J. (1959-60/1988). O seminário, livro 7 – A ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

_____. (1960-61/1992). O seminário, livro 8 – A transferência. Rio de Janeiro; Jorge Zahar.





Abstract
Using as a base the experience of the Admission Comittee of the Department of Psychoanalysis of the Instituto Sedes Sapientiae and the concepts of transference and psychoanalytical ethics, this paper discusses the notions of authorship and authorization within the field of psychoanalysis. The authors assess the system of admission we adopted fifteen years ago as a critical analysator of the basic quality of our institution, as well as its capacity to evaluate the personal and professional qualities of candidates to membership in our association. Their paper also stresses the component of authorship in psychoanalytic action involved in the decision to apply.


Keywords
institutionalization of psychoanalysis; psychoanalytic training; transference; ethics; authorship; authorization.

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 TEXTO

Autoria e autorização

formação do psicanalista e institucionalização da psicanálise


Authorship and authorization
training of the psychoanalyst and institutionalization of psychoanalysis
Noemi Moritz Kon
Rita Cardeal


Quando o grupo da Comissão de Admissão propôs à revista Percurso um número temático que se debruçasse sobre o processo que autoriza o pertencimento ao Departamento de Psicanálise, pensava, de início, na importância de compartilhar com o coletivo as questões que surgem em seu trabalho cotidiano e tornar públicas as produções teóricas e clínicas que advêm desse dispositivo.

Ao longo do tempo, nossa proposta se mostrou mais complexa e mais interessante. Daí decorre esse nosso artigo, que pretende apresentar uma reflexão sobre a prática que temos realizado. Buscamos depurar as premissas que nos sustentam e explicitar os processos e os resultados que temos alcançado a partir de nossa ideia de formação e de nossa concepção de psicanálise. Pensamos, então, num texto que caminhasse das questões próprias à Comissão e que pudesse chegar à psicanálise- instituição. É uma aposta: a de que as interrogações delicadas e complexas, de caráter clínico, político e epistemológico, que nascem de nossa experiência junto à Comissão de Admissão, ao serem teorizadas e tornadas públicas possam ensejar a vivência das mesmas inquietações e intensidades que experimentamos em seus tempos de emergência.

A proposição deste artigo surgiu como efeito do trabalho de um grupo, e, embora fosse inicialmente destinado para um autor, ocorreu-nos que escrevê-lo conjuntamente poderia trazer reflexos da potência e do desafio do dispositivo “Comissão de Admissão”. Esta comissão, como os outros lugares de trabalho e inserção do Departamento, também carrega a marca do plural e do diverso e é representativa da constituição de nossa associação. Somos um grupo com formações diversas e somos, também, diversos em nossos interesses. Trabalhar na Comissão requereria, portanto, a possibilidade de convivência e criação a partir destas características. Nossa outra aposta era esta: escrever, em conjunto, nos daria a medida da viabilidade, da coerência e da força desse dispositivo.

A psicanálise instituída e instituinte

O advento da Psicanálise alterou radicalmente a concepção sobre o homem e sua vida mental ao estabelecer um novo campo do humano, o inconsciente. Freud pôde avaliar, desde o início, a magnitude e a abrangência de sua construção; soube de sua potência como teoria e terapêutica da subjetividade humana, mas, também, de sua potência como geradora de resistência ao novo que anunciava, um saber mediado pelo inconsciente, que dele decorre e por meio dele se constrói.

As controvérsias, dissensões e rompimentos que a história da psicanálise apresenta testemunham a especificidade e as intensidades vivenciadas por seus protagonistas. A experiência com a psicanálise implica paixões de alta intensidade. Implica relações cuja moeda de troca é a intimidade e nas quais ocupamos simultaneamente os lugares de sujeito e de objeto. A experiência psicanalítica pede, ainda, que nos coloquemos junto a um outro que vive também sob esta dupla condição. Uma relação que traz, portanto, a rubrica da alteridade radical, alteridade de nós para conosco e alteridade de nós para com o outro. Ora, quando vínculos humanos são construídos sobre tais bases, eles, certamente, ganham em complexidade e vigor e adquirem a marca e o colorido dos encontros, mas também dos desencontros entre as singularidades. E, ainda, quando este mesmo homem, ao qual é aposto a outra cena, a do inconsciente – que, como tal, não permite literalidade ou transcrição –, procura assumir o encargo da transmissão da psicanálise, como pode fazê-lo sem que esta sua ação formadora se torne formatadora, ou seja, se configure num contrassenso à liberdade e à ética [1] próprias à psicanálise? Podemos nos perguntar como estabelecer um processo de formação para o psicanalista, que leve em conta a necessidade da autoria, mas, também, a da autorização; que busque condições para a autonomia e a independência, responsabilidade para com o outro, que evite, ao mesmo tempo, a tentação das montagens perversas que levam ao submetimento transferencial ou à autoproclamação da posse da legalidade e das verdades totalizantes por qualquer um que se apregoe como o real detentor do poder-saber instituído da psicanálise e do legado freudiano. Nosso desafio torna-se ainda maior, uma vez que o fazer psicanalítico – na clínica e na transmissão – é menos uma questão de certos e errados universais, e mais aquilo que costumamos chamar da verdade do desejo, portanto, uma verdade singular, particular. Vemos, assim, quão tênue é a linha divisória entre o que seriam distorções supostamente inovadoras e a transmissão engenhosa da letra originária.

A Psicanálise, desde sua metapsicologia, e também por ela, procura manter uma estrutura de elaboração teórica e uma proposta de pesquisa e terapêutica que devem estar, necessariamente, em diálogo com a singularidade do sujeito em sua condição de alteridade.

Então, o que é que fazemos quando instituímos uma escola, uma associação, quando nos juntamos em grupos e departamentos que se colocam a cargo da transmissão da Psicanálise, de seu ensino, ou, ainda, da tarefa de admitir e reconhecer aqueles que podem, ou que pelo menos se supõe que podem, exercer esta prática? Se a cada um seu inconsciente, e só por ele a possibilidade única de ficcionalizar o mundo, a que nos propomos quando nos dizemos psicanalistas junto a outros que reconhecemos também como psicanalistas? Quando isso se dá e por qual mediação?

Em A história do movimento psicanalítico, Freud nos apresenta inquietantes afirmações: “[…] acho justo continuar afirmando que ainda hoje ninguém pode saber melhor do que eu o que é a psicanálise” [2]. Podemos justificar tal assertiva lembrando que esses eram os primórdios (marcados fortemente pelas primeiras tentativas – não muito bem sucedidas – de estabelecer instituições capazes de lidar com as questões da transmissão, do poder e da transferência, nodais ao campo psicanalítico); mas, quase 100 anos depois, se reconhecemos a autoria de Freud, crescemos em número e pretensões: somos muitos, desejamos participar, queremos contribuir e acrescentar à Psicanálise, ainda que (ou, talvez, por isso mesmo), por vezes, continuemos às voltas com as dúvidas relativas a quem são os que se autorizam ou que estão autorizados a dizer o que é a psicanálise e que podem praticá-la e transmiti-la.

Quando Freud pesquisou diferentes meios de acesso ao homem psicanalítico [3], que ele mesmo criou com sua teoria, passando da hipnose à dinâmica transferencial, o fez em função de elaborações teóricas que hoje, talvez, poderiam ser compreendidas como mudanças de rumo. De certa forma isso é mesmo assim, embora também seja possível pensar que a questão do sujeito implicado com sua sobredeterminação estaria colocada desde o início e que, portanto, a experiência psicanalítica, tal qual a conhecemos, já estava num horizonte muito próximo. A hipnose fazia o sujeito falar, mas na condição de total alienação, numa concessão ao outro do suposto saber do adoecimento e, consequentemente, da cura. O terapeuta contava, então, com sua habilidade para a sugestão e sedução, e o paciente com seu desejo de ser seduzido e garantido. A passagem à livre associação, como um dos fios que tece a clínica, questiona o arranjo da dupla analista-analisando no trabalho junto ao inconsciente e apresenta desafios inéditos, próprios à experiência psicanalítica. Exige que o analisando se torne, em parceria com o analista, sujeito de seu trabalho analítico.

Retornemos a Freud de 1914: “Mas a prática de investigar pacientes em estado hipnótico, com o qual me familiarizou Breuer – prática que combinava um modo de agir automático com a satisfação da curiosidade científica – era, sem dúvida, incomparavelmente mais atraente do que as proibições monótonas e forçadas usadas no tratamento pela sugestão, proibições que criavam um obstáculo a qualquer pesquisa” [4]. A sugestão e a alienação não se tornaram elementos necessariamente descartáveis; ainda hoje vemos, e com certa frequência, práticas que utilizam esses recursos e psicanalistas para quem a atração maior está no poder permitido pela identificação, que estrutura as entranhas da transferência. É possível, também, pensar num Freud seduzido pelo poder de curar e traçar destinos. Mas, se podemos encontrar motivos para suas elaborações tardias sobre a transferência e seus poderes, é seguro que em sua história e em seus atos Freud também nos legou a evidência de que não bastam palavras acolhedoras para que possamos romper as limitações que os sintomas geram em nós e atravessar as barreiras que a compulsão à repetição nos impõe.

Lacan, em seus estudos sobre a transferência [5], colocou o amor no início da experiência psicanalítica, não apenas para retomar a relação entre Joseph Breuer e Anna O., mas, e principalmente, para nos lembrar da insistente demanda amorosa, e que inclui todos, no movimento de desejo pelo reconhecimento e completude. Nada que nosso narcisismo desconheça. Por isto mesmo Lacan considerou indispensável a companhia da ética psicanalítica: para não cairmos no erro de supor uma essência própria ao ser humano e sair à procura do bem que avalizaria uma prática alienante que tem a felicidade como promessa. O amor estaria não apenas no início de toda e qualquer experiência analítica, mas, igualmente, em seu fim. Segundo Lacan, Freud reconhecia e contava com esta condição. É o que teria lhe permitido formar um grupo tão coeso e tão fortemente ligado transferencialmente a ele. Aos que não assumissem este vínculo, a negativa do amor, a negativa de seu nome, a pecha de não freudianos, o degredo.

Outro contrassenso? Fazer história e nela se inserir singularmente, autorizar-se a produzir, fazê-lo com autoria, deixar marcas nessa passagem são parte daquilo que a psicanálise e os psicanalistas têm como proposta para se constituir como tais. Mas, se o poder resistencial da transferência (por vezes instigado, negado ou assumido de maneira burocrática e perversa) foi e é central para a institucionalização da psicanálise e para a formação de novos analistas, como seria possível um processo suficientemente livre e plástico capaz de gerar psicanalistas autônomos e ancorados na verdade do desejo? Poderíamos pensar que seria suficiente que cada qual se autorreconhecesse como psicanalista ou seria necessário, também, o seu reconhecimento pelos pares? Mas quem são os pares e qual é a qualidade da presença deste outro (alienação e submetimento e/ou apropriação e autonomia) para esta autorização?

Tomar a transferência e a ética psicanalítica como recursos para pensar as possibilidades e idiossincrasias dos movimentos formativos e suas instituições nos parece um caminho profícuo. Tomar a psicanálise em seu aspecto instituinte é outro fio a ser percorrido.

Retornemos a Freud: “A autoconfiança de trabalhadores intelectuais, sua independência prematura do mestre, é sempre gratificante de um ponto de vista psicológico, mas só traz vantagens para a ciência se esses trabalhadores preencherem certas condições pessoais que não são, de maneira nenhuma, comuns” [6]. Se Freud, por um lado, ansiava ampliar os horizontes da psicanálise, seu campo de atuação, seu grupo de interlocutores, por outro sabia das dificuldades desta empreitada e das condições necessárias para tal. Freud, premido pela ambição de crescimento e ao mesmo tempo acossado pelos fantasmas da divisão do poder, da má formação, dos desvios quanto à teoria e à prática que ele estabelecia, afirmava a importância e, talvez, a necessidade de conferir características especiais à pessoa e ao ofício do psicanalista. Será por isso que nos imaginamos um grupo de privilegiados, com saber e poder capazes de produzir agrupamentos e instituições sem vícios e sem disputas, embasados em laços sociais humanitários e democráticos? Alguns acreditariam que sim e que, portanto, seria suficiente para a garantia de uma boa organização formativa assegurar-se do cumprimento do tripé análise pessoal, estudos teóricos e controle de prática. Sabemos da ingenuidade de tal postulado, mas guardamos a lembrança do que Freud afirmou e, assim, assumimos a necessidade da institucionalização da psicanálise para dar continuidade e longevidade para a experiência psicanalítica, apesar dos possíveis efeitos destrutivos resultantes do processo de sua organização.

A psicanálise instituída é consequência e também condição de permanência dos laços sociais entre os psicanalistas: ao compor e pressupor totalidades, cria, organiza, fixa, lega e nega lugares, distribui, assegura ou recusa poder, usa de elementos que determinam, atribuem, contestam ou rejeitam identidades. A psicanálise instituinte, diversamente, quando se propõe ao encontro do sujeito, do trabalho com a subjetividade, busca o sentido oposto: preocupa-se com o singular, com a diferença, com a experiência, com o inacabamento, com a ação e com o desejo que a sustenta, com a independência, com a autoria, com o tempo e com a história.

E, assim, a Psicanálise precisou se institucionalizar. Alguns consideram que o processo de institucionalização da psicanálise conduz, irremediavelmente, à perda da especificidade e da novidade de seu saber; tal afirmação, esperamos, diz respeito, talvez, mais às idiossincrasias de alguns dos diferentes e inúmeros grupos psicanalíticos. De toda forma, para sobreviver como campo, a psicanálise-instituição necessita fazer o saber psicanalítico circular, e o faz por meio das identificações e do uso do poder transferencial. E, no final das contas, se algo pode ser afirmado é que a psicanálise e os psicanalistas não têm qualquer prerrogativa quando se trata de movimentos instituintes.

Freud já nos alertara para a condição de existência e permanência dos grupos: por um lado sustentadas pelas modalidades pulsionais que promovem a união. Também nos alertou quanto às modalidades pulsionais que levam ao persistente movimento humano de desligar e destruir. Assim, os membros de um grupo psicanalítico, que, individualmente e em sua prática, trabalham com os efeitos das moções pulsionais, deparam com essas mesmas forças quando se agrupam. Nada tão diferente do que ocorre com qualquer sujeito humano: necessita do outro para nele se alienar, dele se diferenciar e, assim, se constituir.

Na retomada de nossos primórdios, foi o final, século xix que viu nascer este campo de saber que hoje permeia nosso cotidiano, nossas concepções de como viver bem, nossa cultura, nosso mundo em sua modernidade. A psicanálise surgiu como uma proposta de leitura e formulação do humano, daquilo que caracteriza seu sofrimento, e apontou para possibilidades de “cura”. Cura do desejo humano de curar-se de sua humanidade.

Nosso século xxi pouco conseguiu inovar: as questões para o homem permanecem as mesmas e o cerne dos conflitos que vivemos e ouvimos continua sendo veiculado pela angústia, nossa velha companheira de guerra. A psicanálise mantém sua proposta inovadora para sustentar esta “humanidade” inquieta: um caminho que leva ao saber de si, à possibilidade de ver o mundo com seus olhos, de ler os textos com pontuação singular, de se incluir na história com marcas inéditas, de se fazer sujeito em seu próprio estilo. Longo caminho, difíceis trilhas: começo e recomeço de quem chega ao mundo inevitavelmente alienado em suas redondilhas amorosas.

Em meados do século xx, surgem novas modalidades para tratar o sofrimento de que o humano, em sua condição de desnaturalização, padece. Por todos os lados aparecem terapêuticas que visam à uniformidade e à medida, ainda que à custa da subjetividade. Nenhum lugar para a angústia, para o conflito. Vimos se expandir uma sociedade pautada pelo imaginário e pelo instantâneo, que toma o tempo não mais como vertente psíquica dos atos de inscrição do inconsciente. O tempo, nesse sentido, é tempo de viver mais e mais intensamente, na mesma direção das práticas aditivas, em busca de soluções de bemestar alheias ao sujeito. Assim, quando deparamos com as ideias de especialidade, normatividade, de controle ou mesmo de regulamentação desta que resultou ser a prática psicanalítica, poderíamos pensar que estamos construindo movimentos correlatos ao nosso contemporâneo, que supõem, entre outras consequências, simplificações para o ofício do psicanalista.

No entanto, ao longo do tempo, temos testemunhos de que o campo psicanalítico, ainda que institucionalizado, é rebelde em relação às atuais proposições aplainadoras e conservador em relação ao que queremos como terapêutica e como abordagem do subjetivo. É que um campo institucional necessariamente tão aberto – não regulamentado – pode franquear, também aos grupos psicanalíticos, facilidades para o uso de um poder verticalizado e hierarquizado em seus projetos de formar, reconhecer e autorizar aqueles que se tornariam, então, os “rebeldes” privilegiados. É no tempo do instantâneo e do imaginário que se abre a possibilidade de nomeação e reconhecimento de supostos psicanalistas com a prevalência das marcas desse contemporâneo. Pela potência do imaginário surge um psicanalista que apenas frequentou alguns anos de estudos teóricos, ou aquele que justifica abrir mão do trabalho com a singularidade em função da força das demandas sociais, ou, ainda, aquele que na busca de regras e normas se esquece da ética psicanalítica.

O exercício de uma pretensa psicanálise sempre pode nos surpreender com discursos consoladores, propostas de uniformização e tentativas de agrupamentos que dão guarida àqueles que buscam alívio para a dor de carregar as próprias marcas e seus consequentes rastros. Não há facilitações na formação de um psicanalista; não há atalhos no trabalho com nossa humanidade.

Não podemos reproduzir um inconsciente em laboratório, assim como não podemos habilitar para o fazer analítico. Tal aprendizado se dá pela própria experiência com a psicanálise. O que é da ordem da construção e do reconhecimento passa, então, necessariamente pelo próprio sujeito e é por ele criado. O homem psicanalítico necessita ser, portanto, criatura, mas, também, criador nesta empreitada, propondo-se à busca do traço ainda por ser feito e dos desenhos que poderá conceber. Assim, chegamos, aos poucos, a conhecer e reconhecer o que é de nossa autoria.

Precisamos, também, de autorização para assumirmos nossa autoria?

Mais e mais pessoas se aproximam da psicanálise para se apropriar deste saber e dele fazer uso: como analisantes, como analistas ou, mesmo, como curiosos. Por vezes, se aproximam dela irrefletidamente, quase que de maneira ingênua, considerando-a uma técnica a ser aplicada e replicada numa prática propedêutica, no máximo, de bom senso. Mas tornar-se psicanalista é outra coisa: não é o resultado natural do acúmulo de conhecimento especializado; é um processo que se dá na experiência de atravessamento do próprio inconsciente e das forças pulsionais. Fazer- se psicanalista é um trabalho, e um trabalho rigoroso, que requer a presença das bordas instituintes da alteridade.

Nosso Departamento de Psicanálise vem construindo um caminho instigante em sua história. Convivemos e nos relacionamos, estudamos e ensinamos. Somos, ao final e ao cabo, instituídos, mas, de alguma forma, também permanecemos rebeldes. Somos e fazemos uma associação de analistas, ou seja, nos tornamos instituição e instituímos. Contrassenso com relação à ética instituinte da psicanálise, dirão alguns; inevitabilidade, dirão outros. Talvez, emersos de uma ruptura inicial, tenhamos seguido em busca de caminhos próprios, ainda que guardemos a marca daquilo que permitiu o advento da psicanálise: as rupturas entre Freud e Breuer, entre Freud e Fliess, entre Freud e seguidores, e, seguidamente, os rompimentos entre e intra os inúmeros grupos fundados e formados em nome da Psicanálise. Se, por um lado, esses movimentos trouxeram o sinal do inconciliável, por outro, incitaram a Psicanálise a caminhar. Para nós, naquilo que mais tarde passou a ser o nosso Departamento, foi uma ruptura com “a” instituição, a ipa, e o desejo de construir “uma” instituição; procura-se romper com as ideias do oficial e do oficioso, dos aceitos e dos renegados.

A história nos estimula a que chamemos pela ética, este campo de primor e freio, que precisa estar lado a lado com nossos feitos. A ética psicanalítica nos diz: a cada um seu inconsciente, sua ação e o desejo que a sustenta. A ética psicanalítica nos lembra que no horizonte está sempre a singularidade: o que é o bem para um, seguramente não o é para o outro. Pela ética podemos discriminar voluntarismos e suas justificativas. Se a ética psicanalítica concerne ao desejo que implica uma ação, o sujeito sempre será convocado a responder por suas escolhas. Se a ação responde simplesmente às demandas amorosas e à perpetuação dos lugares de privilégio – promessa amorosa por excelência – nos aproximaremos rapidamente das práticas baseadas em regalias rançosas. Da ética e seu exercício não excluímos a experiência do amor; e, nem poderíamos, pois é ele que sustenta a relação psicanalítica. Ao analista concerne o trabalho de discernimento frente a tais investimentos. Nossos colegas e interlocutores nos ajudam nesse reconhecimento.

A instituição: uma rede, uma teia. Nosso departamento cresceu, criou rede: está inserido no campo psicanalítico mais amplo, estabelece diálogos com os diferentes grupos e escolas de psicanálise. Os riscos da conformação de uma teia vêm sendo cuidados, entre outros meios, pela criação da Comissão de Admissão, um lugar instituído para proporcionar movimentos e descolar as relações professor-aluno, analistaanalisando, supervisor-supervisionando de seus rescaldos transferenciais. Uma função que só pode ser tomada como possível, se considerarmos a possibilidade de cada psicanalista deslocar seus investimentos transferenciais para a psicanálise- instituição, campo de saber e ofício, e fazer aí a ancoragem.

A Comissão de Admissão, resultado desse processo instituinte de movimentação e descolamento, é também um lugar instituído para receber, mas não para autorizar. Um lugar que pondera sobre quem pode ou não pertencer à nossa associação de analistas, mas que não assegura ser analista aquele que nela se insere. O lugar do impossível ou o lugar da formação de compromisso necessária à manutenção do grupo associado?

Desfizemos algumas meadas em busca de outras respostas.

Outras instituições psicanalíticas assumiram diferentes modos de autorização e reconhecimento de autoria. Alguns grupos lacanianos, por exemplo, têm no passe um dispositivo considerado analítico e institucional, e que responde, em certo momento, a partir da própria análise de um analisante, a seu interesse de se tornar analista numa dada instituição. Também, nesse caso, há um grupo que reconhece e autoriza.

Viviane Gambogi Cardoso, em seu artigo “Os im-passes na instituição psicanalítica” [7], diz que “o passe foi proposto com a finalidade de teorizar sobre o surgimento de um analista na lógica do final de análise, o qual, após Freud, não havia sido tratado com o devido rigor”. Sendo assim, alguns grupos lacanianos consideram que a análise comporta uma transmissão e que todo aquele que se torna analista tem na transmissão também uma disposição e responsabilidade – esteja ou não inserido em uma instituição formal. Segundo a autora, Lacan propôs o passe com a intenção de “romper com as posições preestabelecidas”, fontes de poder e manipulação. Posição consequente, pois sabemos, já com Freud, que na pessoalidade da transferência há algo de irredutível e um aprendizado que nunca é esquecido [8]. A ipa tem seus dispositivos institucionais muito bem estabelecidos e que respondem, através da análise didática, a essa autorização que passa necessariamente pela questão do uso do poder transferencial.

De toda forma, o que parece ser possível afirmar é que o futuro da psicanálise está, justamente, na função e no modo pelo qual as análises, que a posteriori resultam em psicanalistas, são conduzidas.

Comissão de Admissão

Nossa experiência nos conta que a Comissão de Admissão é um importante analisador do Departamento de Psicanálise, de sua estrutura, de sua dinâmica de funcionamento, de sua qualidade como instituição formativa e, também, de sua clínica.

Na estrutura, porque representa o Departamento, já que seus membros, eleitos pelo coletivo, respondem com autonomia pelos processos de admissão. Na dinâmica de funcionamento, porque recebe e acolhe interferências, mais ou menos veladas, dos lugares de trânsito e de poder pelos quais passou o candidato a membro, interferências que sempre se apoiam, para sua eficácia, nas fontes transferenciais. O percurso do candidato evidencia, assim, suas referências e, ao mesmo tempo, a modalidade e a qualidade destas escolhas (ou aderências) que tornam evidente a singularidade de cada percurso no interior de nossa associação e também fora dela. Dessa forma, a Comissão de Admissão tem a chance de testemunhar a clínica de seu departamento.

A Comissão de Admissão recebe notícias da formação que o Departamento é capaz de oferecer e dos resultados de seus esforços. Isso acontece quando os candidatos historicizam seus percursos, reconhecem o cuidado recebido no estudo de autores e escolas e no acompanhamento do processo de construção do se fazer analista, ou desvelam, contrariamente, falhas que podem levar a trajetos pouco consistentes. A Comissão também tem notícias dos bastidores formativos, quando recebe interlocutores nomeados e convidados a falar sobre a formação de um determinado candidato.

Um analista, quando pede sua inserção no Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, o faz por identificação a algum traço do grupo. Por vezes, o traço identificatório é evidente para o candidato, mas isso não o isenta de carregar outras marcas transferenciais que o movimentam no mais absoluto desconhecimento. O pedido de pertencimento traz, portanto, uma parcela de alienação, um naco da singularidade supostamente conquistada e por vezes perdida e uma oportunidade de apropriação da respectiva história formativa.

A Comissão busca o próprio, o singular, a pessoalidade: caminho, interesse, fio condutor, estilo. Nem sempre encontra.

A sociedade do instantâneo e da adição se evidencia então, uma vez mais, quando deparamos com o relato de práticas clínicas que por muito pouco, e apenas fragilmente, conseguem se livrar das demandas por soluções rápidas e indolores, que buscam alívio imediato, se alocando, portanto, à margem da angústia, da significação dos sintomas, da subjetividade e de seus conflitos.

O instantâneo e adicto podem, também, aparecer na forma como o candidato se apresenta: por exemplo, como um aluno para o qual um curso de formação pareceria ser condição suficiente para a prática da psicanálise. Nosso Departamento, por vezes, reforça essa pressa e essa modalidade formativa e parece indicar que da sala de aula se pode ir diretamente à prática. Aqui encontramos quem tem a informação da importância de um processo de análise pessoal, mas não o experimenta em toda a sua complexidade; conhecimento, talvez, burocrático, que não diz respeito ao saber do campo psicanalítico, um saber construído com e pelo inconsciente: sem garantias. Defesa contra o trabalho que a angústia provoca, levando a práticas “terapêuticas”, curativas?

Encontramos, cada vez mais, analistas escritores ou analistas que escrevem. A elaboração da clínica pela escrita é sempre bem-vinda e, não raramente, conduz a uma melhor compreensão do processo, à oportunidade de compartilhar experiências e construir sólidas bases para a clínica. Mas, em alguns casos, deparamos com relatos que primam pelas referências bibliográficas e pela escrita cuidada, mas que não parecem falar de uma condução clínica consistente; ficamos, então, sem entender que função poderia ter a escrita para determinado psicanalista, além da expressão de um talento ou da resposta a uma demanda institucional.

Recebemos, também, candidatos que fazem muito do mesmo. Pessoas que permanecem, por exemplo, anos em grupos de estudos que parecem ter apenas a função de mantê-las inseridas em um grupo psicanalítico e num vínculo transferencial, e que pouco fazem para promover o trabalho constante de análise dos caminhos teóricos e clínicos já percorridos. São práticas que obsessivizam o que haveria de ser dialetizado. São analisandos e analistas que buscam e preconizam regras estabelecidas e modos de fazer.

Pedir o pertencimento ao nosso departamento e processar tal pedido exige de cada candidato o exercício narrativo de seu percurso e a costura de seus passos com os fios que lhe são próprios. Representa, também, desfiar sua meada amorosa, evidenciar as marcas singulares de cada escolha transferencial: da análise pessoal, da supervisão, do trabalho com a clínica e a teoria. O exercício narrativo implica um processo reflexivo que pode permitir uma costura dos planos percorridos, ressaltando sua coerência e suas faltas. Fazer uma narrativa exige implicar-se como narrador, sujeito e autor, e, também, implicar aqueles que se colocaram à disposição para partilhar da trama narrativa. Assim, ao narrar seu percurso, o candidato se costura a seus escolhidos e explicita as marcas e efeitos da mútua responsabilidade no processo formativo. A posteriori, seremos capazes de avaliar, pelos efeitos alcançados, a qualidade e a intensidade dessas implicações.

Em nossa associação, assim como nas demais, encontramos pessoas que capitalizam, por sua história e produção, fortes movimentos transferenciais. Que responsabilidade para estes! Sabemos que ninguém está isento da vaidade de ser ponto aglutinador, e nos perguntamos: como facilitar o deslocamento das transferências personificadas, e que foram estabelecidas no processo de transmissão e formação, para a psicanálise e sua prática? Isto não facilitaria, ao menos, que o candidato fizesse suas escolhas com um naco menor de perda da própria singularidade?

A ética nada pode quando ações isoladas se inspiram no desejo de visibilidade social e profissional, ainda que, muitas vezes, apresentadas sob a aparência do bem coletivo.

Pela Comissão passam, também, fazeres clínicos de beleza e consistência ímpar, que procedem da evidente implicação do candidato com sua história e com a história da psicanálise. Psicanalistas, às vezes jovens, que se apropriam do saber e fazer psicanalíticos, com a força da inovação rebelde aliada ao respeito à letra freudiana.

Autoria

Somos capazes de reconhecer um trabalho autoral, podemos fazê-lo também quando se trata de um trabalho autoral psicanalítico. Ele pode despontar na escrita ou na leitura, na fala ou na escuta. É a presença do sujeito do inconsciente – este, que nasceu como categoria conceitual – que nos permite assumir e reconhecer a autoria.

Enquanto psicanalistas, nossas palavras, interpretações e atos carregam o selo resultante da mistura de outras palavras, interpretações e atos, daqueles que compuseram nossa história pessoal e que se acrescentaram em nossas experiências de formação: mestres, supervisores, analistas e pares. Mas não só: fazemo-nos psicanalistas também através do encontro com produções culturais que nos remetem à verdade de nosso desejo, do desejo preconizado pela psicanálise, em sua abertura para a potência pulsional e para a força do inconsciente.

Assim, somos autores quando acrescentamos um ponto ao conto e passamos a fazer parte da história com nossas contribuições singulares, quando saímos da repetição e identificação imaginária, sem precisarmos descartar aqueles que nos antecederam e que forneceram suporte transferencial para nossas demandas de amor e alienação. Somos autores quando podemos manter nossos prumos ao lado de quem se desequilibra ou de quem é mais ágil do que nós.

Então, autorizar alguém a ser psicanalista não pareceria fazer qualquer sentido; esta autorização só poderia advir como resultado de um processamento pessoal que se daria no tempo psíquico próprio a cada um. O dispositivo de passagem ocorreria apenas e tão somente quando alguém já pudesse se reconhecer como psicanalista, sendo, como decorrência, reconhecido como tal pelos pares.

No entanto construímos, em nosso Departamento, um dispositivo que se encarrega do pertencimento ao nosso grupo psicanalítico; temos uma instituição que se autoriza a autorizar. Ainda que não haja, no Departamento, nenhuma instância que autorize alguém a nomear-se como psicanalista, sabemos que, ao ingressar como membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, um psicanalista adquire um emblema que poderá usar em todos os seus trabalhos. O nome do Instituto onde nos inserimos é chancela para toda e qualquer atividade de trabalho que requeira seriedade, ética e posição político-ideológica respeitáveis. A inserção do Departamento no Sedes enrobustece tal chancela. Assim, o pertencimento ao Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae é garantia de reconhecimento imediato e autorização no meio psicanalítico e de produção de conhecimento mais amplo.

A psicanálise possível

Pedir pertencimento ao nosso departamento é dizer o porquê dessa decisão e por que, justamente, nesta instituição. A função da Comissão de Admissão é acolher esse movimento, momento de passagem e afirmação.

A Comissão de Admissão não autoriza alguém a se dizer psicanalista e nem afirma que o trabalho daquele que se diz psicanalista seja psicanalítico, mas pode receber um novo membro, sugerir alternativas para a expansão e aprofundamento de seu processo formativo – o que pode resultar num adiamento da entrada no Departamento – ou barrar o ingresso de alguns que pretendem a inserção em nossa instituição. Procuramos barrar os que buscam, por meios de montagens perversas, se nomearem psicanalistas tendo nosso departamento como avalista. Mas, nem sempre, nosso trabalho alcança seus objetivos; afinal, faz parte de toda instituição uma parcela de membros cuja atuação passa ao largo da ética.

Haveria alguma marca distintiva da psicanálise que produzimos em nosso departamento, na clínica que praticamos, na teoria que elaboramos, na posição que assumimos diante da diversidade das políticas, das práticas e dos saberes? Afinal, o que para nós compõe um patamar comum para aquilo que reconhecemos como um fazer psicanalítico, critério que nos orientaria para realizarmos a função da Comissão de Admissão?

Em nosso departamento, de modo geral, o reconhecimento se faz pela implicação em e com nossa instituição e pelo trabalho reflexivo e crítico, que se dá, também, com relação à história das práticas e da regulação da formação psicanalítica. Tomar o inconsciente e a sexualidade como marcas do trabalho analítico realizado em transferência, a singularidade como meta, a subjetividade como suporte são elementos norteadores do nosso fazer psicanalítico. Ler Freud, conhecer os novos aportes à teoria e se orientar pela ética psicanalítica são outros elementos que sustentam nosso pertencimento comum. É só quando discutimos, teorizamos, narramos a clínica, nos organizamos para instituir e dar sustentação ao nosso grupo, ou seja, no trabalho conjunto, que somos capazes de reconhecer quem são os nossos pares.

No que concerne especificamente a uma clínica característica do Departamento, pensamos numa psicanálise que permite o fluxo e o reviramento das histórias e o posicionamento crítico com relação à história. Uma clínica dialética, que se move pela falta, pela sexualidade e pelo inconsciente, pela presença constitutiva do outro, que não busca a supressão do sintoma, mas, sim, a construção de seu sentido.

A convicção da inexistência das totalidades e completudes justifica a constatação de que não há “A” clínica psicanalítica e nem “O” psicanalista. Justifica, também, a necessidade do diálogo com o diverso e o plural.

É também por isso que os psicanalistas se juntam, embora continuem isolados. A rigor, nos juntamos na vivência desta verdade: que ao psicanalista cabe saber que o impossível é tudo saber. Assim, retornamos ao saber psicanalítico: o saber do inconsciente, este do qual não se sabe a priori, mas que é construído e nos constitui.

A formação do psicanalista mira a lida com o possível: a construção de seu fazer e estilo necessita ser reconhecida e recortada pela convivência com o diverso e plural – o outro, a instituição –, o que se dá pela presença instituinte e instituída da psicanálise.

Por isso, para aquele que se considera psicanalista, a transferência deve ser estabelecida com a Psicanálise, com ela como instituição, com ela como o terceiro que o autoriza. A cada psicanalista seu desejo, sua marca, sua possibilidade de autoria, mas, também, a sua possibilidade de sustentação de um lugar de formação e de transmissão do saber psicanalítico. Com isso, seu acréscimo para a revitalização do campo.

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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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