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Resumo
O autor examina aspectos formais da formação psicanalítica que fomentam ou inibem a criatividade no trabalho dos candidatos. Cita trinta características dos institutos psicanalíticos que inibem a criatividade dos candidatos em seu trabalho e que, indiretamente, lançam luz sobre problemas da formação psicanalítica que requerem nossa atenção. Tais características incluem o fazer, sistematicamente, mais lento o progresso institucional dos candidatos; o ensino repetitivo e inquestionável dos artigos mais importantes de Freud; tendências monolíticas quanto aos enfoques teóricos; isolamento dos candidatos em relação às atividades profissionais e científicas da Sociedade Psicanalítica; incremento das relações hieráticas entre os docentes de psicanálise; rituais de graduação; desestímulo de contribuições originais por parte dos candidatos; isolamento intelectual dos institutos; falta de apresentação de trabalhos clínicos pelos membros docentes de mais experiência; descuido do estudo das controvérsias relativas à técnica psicanalítica; características “paranoiagénicas” da relação entre docentes em relação aos requisitos exigidos aos candidatos; o sistema “convoy” (de super-proteção); descuido do estudo dos limites científicos e culturais e das aplicações da psicanálise e efeitos dos conflitos institucionais sobre a admissão de analistas em formação.


Palavras-chave
transmissão da psicanálise; formação do psicanalista; crítica institucional; criatividade.


Autor(es)
Otto Kernberg
é psicanalista e professor no Weill Cornell Medical College, conhecido pelas suas teorias sobre a organização da personalidade borderline e as patologias narcísicas. Foi presidente da International Psychoanalytical Association (ipa). Recebeu os prêmios Heinz Hartmann da New York Psychoanalytic Society and Institute (1972), Edward A. Strecker do Institute of Pennsylvania Hospital (1975) e George E. Daniels da Association for Psychoanalytic Medicine. (1982).


Notas

1 C. Millot, Freud antipedagogo.

2 L. Schacht, comunicação pessoal.

3 A. Green (1991), “Preliminaries to a discussion of the function of theory in psychoanalytic training”.

4 M. F. Giovannetti (1991), “The couch and the Medusa: brief considerations on the nature of the boundaries in the psychoanalytic institution”. A. Lussier A. (1991), “Our training ideology”.

5 M. Bruzzone et al. (1985), “Regression and persecution in analytic training. Reflections on experience”, p. 411-415.

6 R. Britton (1994), “Publication anxiety: conflict between communication and affiliation”, p. 1213-1224.

7 O. F. Kernberg (1986), “Institutional problems of psychoanalytic education, p. 799-834”.

8 J. A. Arlow (1991), “Address to the graduating class of the San Francisco Psychoanalytic Institute, 16 June 1990”, p. 15-16, 21.

9 J. Dulchin & A. J. Segal (1982a), “The ambiguity of confidentiality in a psychoanalytic institute”, p. 13-25. J. Dulchin & A. J. Segal (1982b), “Third party confidences: the uses of information in a psychoanalytic institute”, p. 27-37. J. E. Lifschutz (1976), A critique of reporting and assessment in the training analysis, p. 43-59.



Referências bibliográficas

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Abstract
The author refers to thirty characteristics of psychoanalytic institutes that inhibit candidates’ creativity and, by implication, illustrate problems in psychoanalytic education that require our attention. These features include systematic slowing down of institutional progression of candidates, repetitive and unquestioning teaching of Freud’s papers, monolithic approaches of theory, discouragement of original contributions by candidates, intellectual isolation of institutes, lack of full presentation of their clinical work by senior members of the faculty, absence of interest in exploring the scientific and cultural boundaries and applications of psychoanalysis, and so on.


Keywords
psychoanalysis; criticism of psychoanalytic institutions; psychoanalytic training; misuse of transference.

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 TEXTO

Trinta maneiras de destruir a criatividade dos candidatos à psicanálise

Thirty ways to destroy the creativity of psychoanalytic candidates
Otto Kernberg


Tradução:
Sérgio Telles.

Otto Kernberg escreveu este artigo pouco antes de assumir a presidência da International Psychoanalitical Association (ipa). O texto apareceu inicialmente no número 77 do International Journal of Psycho-analysis, em 1996, e logo foi traduzido para o português por Suzana Muszkat para o “Livro Anual de Psicanálise”, que o publicou no volume xii daquele mesmo ano.

Por ser uma corajosa abordagem de problemas ligados à formação do analista, pareceu-nos pertinente sua inclusão neste número da Percurso. Através de Elias da Rocha Barros, a quem agradecemos, entramos em contato com o International Journal of Psycho-analysis e com a editora inglesa Wiley, que prontamente nos autorizaram a realizar uma nova tradução e a publicá-la em nossa revista.

Quando se fala da formação analítica, são citados sempre os três elementos indispensáveis – a análise pessoal do candidato, a supervisão e os cursos teóricos. Nunca se mencionam as contingências da instituição analítica onde se desenrolará tal processo. Kernberg rompe com a repressão e desnuda as manobras do poder institucional que se escondem atrás de supostos cuidados necessários com a formação do candidato.

Em clave irônica, Kernberg mostra como a própria organização do ensino parece ter como objetivo primordial abafar qualquer entusiasmo com o texto freudiano e a psicanálise, matando no nascedouro qualquer desejo que os candidatos possam abrigar no sentido de ajudar no progresso e desenvolvimento desse conhecimento.

O ensino se confunde de tal forma com as engrenagens da política institucional, que logo os alunos entendem que, para garantir o progresso em seu trajeto de formação, as lealdades aos grupos de poder são mais importantes do que a posse do conhecimento em si.

É verdade que Kernberg mostra os erros das sociedades organizadas dentro dos padrões estabelecidos pela ipa e poder-se-ia rápida e aliviadamente dizer que as outras instituições não padecem dessas distorções.

Seria um equívoco pensar assim. O que Kernberg mostra pode ser reconhecido com facilidade em outras instituições psicanalíticas fora da ipa e mesmo em instituições não analíticas. Afinal, tais patologias florescem em todas as instituições. Elas giram em torno das manipulações pelo poder, do empenho na manutenção inquestionada do status quo e da ideologia prevalente, o que impõe a eliminação dos dissidentes e contestadores. As lutas pelo prestígio respondem à esfera do narcisismo, comum a todo ser humano.

Era de supor que nós, analistas, pudéssemos organizar nossas instituições de forma diferente, como diz Derrida, ou seja, usando os instrumentos que a psicanálise nos fornece. No caso em pauta, isso poderia significar o dispor-se a empreender uma permanente “autoanálise institucional” – se é que podemos falar assim, se é que isso é factível. Tarefa fácil seguramente não seria, mas a dificuldade em conceber medidas que impeçam distorções tão graves não deveria ser um obstáculo e sim um estímulo a executar um trabalho que se impõe e que nos convoca a todos.

Como mostra Kernberg, a forma como este modelo de formação está estruturado faz com que os estudantes idealizem intensamente os professores, supervisores, analistas mais velhos e a própria instituição.

O que aconteceria se os alunos estudassem textos como este já no início do curso e fossem alertados contra os possíveis desmandos decorrentes da patologia institucional? Isso inviabilizaria o estabelecimento das transferências necessárias à análise e ao aprendizado teórico? Penso que não, a fantasia dos candidatos logo acharia suportes diversos para se apoiar. Mas possivelmente se conseguiria evitar que a instituição manipulasse em seu próprio proveito os aspectos mais frágeis e regressivos dos candidatos. Com isso talvez se evitasse a cristalização dos desvios mais grosseiros, das seduções mais enganadoras.

Não deveria ser feita uma experiência nesse sentido em nossa própria instituição?

Até agora falamos das distorções que surgem dentro do processo de formação que tem como modelo os protocolos estabelecidos há longo tempo pela ipa e reproduzidos, com maiores ou menores modificações, por muitas outras instituições.

A partir do momento em que a ipa perdeu o monopólio do ensino da psicanálise aqui no Brasil, assistimos a uma proliferação de instituições as mais variadas que se propõem a transmitir o legado freudiano. É de perguntar como lidam com as questões próprias da formação analítica.

Enquanto há três décadas candidatos que estavam em análise didática por longos anos não podiam se apresentar como “psicanalistas” e se diziam “psicoterapeutas de linha analítica”, hoje em dia ouve-se, a torto e a direito, pessoas que se intitulam “psicanalistas”.

Será que trocamos um tipo de exagero por seu oposto?

Para concluir, lembramos o conhecido aforismo de Freud, de que há três profissões impossíveis – governar, psicanalisar e educar.

O ensino da psicanálise conjuga dois destes irreconciliáveis impossíveis.

Embora em determinados momentos, como em “Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico” (1916), o próprio Freud diga que a psicanálise é um “processo educativo”, há uma antinomia entre o lugar do pedagogo (professor, mestre, educador, o que ensina) e aquele ocupado pelo psicanalista, tal como especifica Catherine Millot. Ainda assim, diz ela, “pode-se deduzir uma ética da experiência analítica na qual a pedagogia poderia se inspirar: ética fundada na desmistificação da função do ideal, fundamentalmente enganador e contrário a uma lúcida apreensão da realidade” [1].
SÉRGIO TELLES

Alguns anos atrás, ao discutir com uma colega sobre as formas de incrementar o desempenho dos candidatos em formação psicanalítica, ela me disse sorrindo: “Nosso problema não é tanto incrementar a criatividade e sim tentar não inibir a criatividade naturalmente estimulada pela natureza de nosso trabalho” [2]. Seu comentário desencadeou em mim lembranças e observações feitas ao longo de meus estudos, de minha atividade como professor e de minha participação no ensino psicanalítico em diferentes sociedades e institutos. Decidi juntar estas observações, discuti- las com colegas e finalmente agrupar sob um formato negativo aquilo que, em última instância, é um apelo em defesa da criatividade psicanalítica. Para um formato positivo deste estudo, recomendo ao leitor o texto de 1986, no qual apresento, por um lado, uma análise sistemática da relação entre a estrutura organizacional e o funcionamento dos institutos psicanalíticos e, por outro, seus efeitos na formação psicanalítica. Como uma excelente revisão dos problemas atuais na formação psicanalítica, o resumo da Quinta Conferência de Analistas Didatas da International Psychoanalitical Association (ipa) em Buenos Aires, feito por Wallerstein (1993), pode servir como um importante pano de fundo para o que segue.

A lista das formas de inibir a criatividade de um candidato a psicanalista que segue não pretende ser exaustiva, apesar de, espero, cobrir os problemas mais importantes. Então, aqui estão minhas recomendações de como inibir com eficácia a criatividade no processo de aprendizagem em nossos institutos:

1. Retarde o processamento dos pedidos de inscrição; adie a aceitação dos candidatos; torne mais lenta a divulgação de informações para eles: isso ajudará, por sua vez, a lhes diminuir o ímpeto. Se o encaminhamento dos candidatos é sistematicamente vagaroso e pouco ágil, se seus relatos clínicos são submetidos a numerosas revisões e, particularmente, se longos períodos de espera na incerteza se tornam parte integrante de sua experiência no processo de formação, eles tenderão, por sua vez, a se tornar lentos para responder e tomar iniciativas. Mais lento o processo de aceitação e encaminhamento, mais os próprios candidatos evitarão os passos finais para concluir a formação, ter autonomia e buscar a posição de membros da sociedade; e, é claro, mais adiarão suas contribuições na produção científica, se é que o farão algum dia.

2. Os escritos de Freud serão de boa utilidade para desencorajar o interesse dos candidatos em pensar por conta própria. Os instrutores devem insistir para que os candidatos leiam Freud cuidadosamente, em ordem cronológica, de forma completa e exaustiva, assegurando-se de que eles aprendam exatamente em que consistia sua teoria em qualquer ponto de seus desdobramentos. Os professores devem deixar clara a mensagem de que qualquer análise crítica das conclusões de Freud tem que ser adiada até que os alunos tenham lido Freud por inteiro e tenham mais experiência e conhecimento no campo psicanalítico. Antes de tudo, eles precisam saber, tanto quanto possível, o que Freud pensava: consequentemente, é útil dissociar o ensino dos textos de Freud de qualquer crítica externa ou contemporânea de seu trabalho, de temas controversos atuais ou ainda de problemas clínicos de candente atualidade. A proteção dos textos freudianos contra a contaminação por outras teorias ou críticas fará maravilhas no sentido de diminuir gradualmente o interesse dos candidatos pelos desenvolvimentos posteriores do pensamento psicanalítico. É importante que o instrutor mantenha em mente que são as conclusões às quais Freud chegou o que tem de ser ensinado e memorizado, e não o processo de pensamento de Freud. De fato, se os estudantes se apercebem da metodologia do pensamento de Freud, que era indiscutivelmente revolucionário, isso poderia levá-los a fazer perigosas identificações com sua originalidade, pondo assim a perder o objetivo de manter o foco isolado e exaustivo em suas conclusões [3].

3. Um útil reforço na destruição de qualquer possível entusiasmo a respeito da escrita freudiana pode ser conseguido ao designar, no começo de cada novo seminário, alguns dos textos mais criativos e importantes de Freud, descer a grandes detalhes quanto a tudo que ele disse nesses artigos já então familiares e sublinhar suas conclusões. Essa tranquilizadora repetição de aspectos plenamente estabelecidos dos trabalhos de Freud, combinada com a ênfase toda especial que lhe é dada no currículo, dessensibiliza os estudantes à contribuição de Freud, processo entorpecedor que fica ainda mais intensificado ao fazer os estudantes escreverem extensivos sumários destes trabalhos ou fazê- los apresentar nas aulas resumos daquilo que todos já leram. Pode-se incrementar ainda mais o processo ao se exigir exames específicos sobre o conteúdo do trabalho completo de Freud como precondição para avançar nos seminários.

4. Esteja bem atento a candidatos que tendem a questionar as opiniões de qualquer um dos autores preferidos e prestigiados em sua instituição psicanalítica. Deixe clara a mensagem de que o pensamento crítico é bem-vindo, desde que confirme as opiniões de seus líderes dominantes mais importantes. Não deixe de premiar os estudantes que estejam entusiasmados e inteiramente convencidos com aquilo que você lhes ensina (exceto, é claro, as contribuições das “escolas divergentes” – espera-se que estas provoquem apropriadas reações de incredulidade e indignação entre os estudantes). Se, com tato e firmeza, você mostra apreço pelos estudantes que concordam com a visão oficial de sua instituição, as tentações para desenvolver visões novas, diferentes, questionadoras ou divergentes poderão gradualmente desaparecer [4].

5. Procure evitar que seus alunos participem prematuramente dos encontros científicos de sua sociedade psicanalítica ou sejam convidados para reuniões onde colegas respeitados possam discordar entre si de forma áspera. Isso pode ser justificado alegando-se o cuidado necessário para que a análise didática pessoal não seja perturbada por influências externas prematuras, particularmente aquelas que poderiam perturbar o anonimato do analista didata. Numa sociedade psicanalítica pequena, é sempre possível justificar a proibição de candidatos frequentarem seus encontros científicos alegando que, num grupo tão pequeno, seria difícil evitar o contato entre os candidatos e seus analistas fora da sessão, e isso, por sua vez, justifica perfeitamente a não comunicação entre o ensino do instituto e as atividades científicas da sociedade e do pensamento psicanalítico.

6. Controle cuidadosamente os cursos opcionais: esses cursos são habitualmente usados pelos membros mais jovens da instituição para apresentar ideias novas e desafiadoras. Vigie com atenção os seminários opcionais e mantenha-se alerta às possibilidades de que eles possam perturbar a visão harmoniosa e integrada da psicanálise mantida por seu instituto ou por sua sociedade.

7. Mantenha uma rígida separação entre os seminários dos alunos em formação e o dos analistas já formados. Por sorte, a maioria das instituições psicanalíticas tem uma compreensão intuitiva da importância de evitar a mistura prematura de candidatos e analistas formados nos mesmos seminários: os candidatos com facilidade descobririam nos analistas já formados as mesmas incertezas, inseguranças e atitudes questionadoras que são forçados a reprimir. Isso pode perturbar uma saudável idealização da eficácia dos processos de formação analítica e acabar com a ilusão de que existe uma enorme diferença entre candidatos e analistas formados.

8. A preservação nos alunos de um saudável respeito pelos mais velhos pode ser conseguida ao se constituírem grupos formados por antigos analistas didatas e jovens analistas recém-formados que almejam ser didatas no futuro, como o objetivo de ensinar em alguns cursos e/ou seminários. Mantenha uma clara hierarquia entre os velhos e os jovens no curso. Se o analista jovem respeitosamente se curva frente às opiniões do analista mais velho e transmite, com seu próprio comportamento, a indubitável aceitação de sua autoridade; se, de fato, ele mostra incertezas e inseguranças a quanto de iniciativas ele pode se dar no ensino de qualquer seminário, a mensagem da necessidade de aceitar e não questionar a autoridade estabelecida será reforçada. Você pode acentuar a hierarquia por meios simples: por exemplo, nas reuniões profissionais, reserve os melhores assentos da frente para os membros mais velhos.

9. Reforce os rituais da formação por quaisquer meios inteligentes que lhe possam ocorrer: este é um campo com grandes potencialidades. Por exemplo: você pode pedir ao candidato para escrever um caso para a apresentação final e então submeter este manuscrito a numerosas revisões e correções. Com isso, os candidatos adquirem um saudável respeito pelas enormes dificuldades inerentes à escrita de um trabalho aceitável para publicação. Ou ainda, peça ao candidato para apresentar um trabalho à sociedade analítica. Os debatedores deste trabalho deverão ser os membros mais antigos e graduados daquela sociedade, que não terão, eles mesmos, escrito qualquer coisa há muito tempo. As exigentes expectativas quanto ao que deveria ser incluído num trabalho científico devem ser comunicadas através de uma crítica exaustiva da apresentação do candidato. Uma variante disso é fazer com que um comitê constituído por aqueles analistas mais velhos transmita ao candidato esta mesma avaliação. Em alguns países, efeito semelhante tem sido alcançado através de voto secreto por parte de todos os membros da sociedade, decidindo se o trabalho do candidato é aceitável e preenche os critérios para a admissão para a própria sociedade. Quando divisões políticas significativas dentro da sociedade fazem com que os jovens candidatos automaticamente se inclinem para o grupo de poder do seu próprio analista didata, o trabalho científico com o qual pleiteia admissão pode se transformar numa excelente fonte de ansiedade sobre os perigos ligados ao trabalho científico [5].

10. Enfatize a ideia de que são necessários muitos anos de experiência clínica para que o entendimento da teoria e da técnica psicanalíticas, sem falar nas aplicações da psicanálise em outros campos, esteja profundo e sólido o bastante para justificar a tentativa de alguém querer contribuir com a ciência da psicanálise. Levante delicadamente, mas sem delongas, a questão de até que ponto as tentativas do candidato de não só apresentar trabalhos, como desejar publicá-los (!), podem refletir uma competitividade edipiana ou conflitos narcísicos mal resolvidos. Se jovens analistas publicam raramente e se precisam que os analistas mais velhos aprovem seus manuscritos antes de enviá-los para publicação, este costume pode vir a ser um consenso estabelecido entre os candidatos e pode reforçar seu medo de publicar. Naturalmente, evite estimular os candidatos a colocarem alguma ideia própria nova ou original em seu próprio trabalho; a escrita deve ser uma obrigação desagradável, nunca um prazer ou uma fonte primária de orgulho em contribuir para a ciência da psicanálise enquanto ainda estudante [6].

11. Pode ser de muita utilidade mostrar que a psicanálise é entendida e desenvolvida adequadamente apenas em lugares muito distantes de sua própria instituição e, de preferência, numa língua não conhecida pela maioria dos estudantes. Se as exigências da formação fazem com que os estudantes não tenham condições de passar uma longa temporada naquele distante lugar ideal, eles poderão ficar convencidos de que é inútil tentar desenvolver a ciência psicanalítica num lugar tão distante de onde são ensinados as verdadeiras e únicas teoria e técnica. E esta convicção será duradoura.

12. Os candidatos deveriam ser desencorajados a fazer visitas precoces a outras sociedades ou institutos, a participar de congressos e encontros ou a fazer trabalho analítico em outras instituições. Isso vale particularmente para aqueles encontros em sua própria cidade, região ou país, e complementa a idealização dos lugares distantes e de língua estrangeira, inacessíveis a seus candidatos. Por sorte, algumas sociedades e institutos psicanalíticos ergueram poderosas muralhas contra a intrusão de visitantes estrangeiros, exceto aqueles recebidos ocasionalmente, a serem abatidos em reuniões cuidadosamente preparadas. Em vários lugares do mundo seria muito difícil para um candidato transferir-se de um instituto a outro, de um país para outro e até mesmo de uma cidade para outra, sem ter de enfrentar múltiplos obstáculos. Isso ajuda a evitar comparações potencialmente prejudiciais, mantém o zelo com os experimentos com novas metodologias educacionais feitas pelos institutos e sociedades psicanalíticas e afasta a contaminação por um questionável espírito de mudança e inovação.

13. Indique sempre o dobro de publicações que seria razoável esperar que os alunos absorvam entre um seminário e outro. Peça-lhes para apresentar resumos a seus colegas, teste em detalhe a extensão do que leram e, como já foi dito antes, não se esqueça de acrescentar aqueles trabalhos de Freud que eles já leram em muitos seminários. Outra medida útil pode ser a não indicação de qualquer texto publicado há menos de vinte anos. Isso leva a crer que as contribuições verdadeiramente importantes já foram feitas e que pouco deve ser esperado dos novos desenvolvimentos na teoria e na técnica feitos recentemente, inclusive, é claro, qualquer ideia que pudesse estar germinando na mente dos estudantes.

14. Ao contrário de alguns institutos que deixam as decisões a respeito de se os candidatos podem assistir aos seminários dados por seus próprios analistas didatas abertos à exploração conjunta desta questão pelo próprio analista e seu analisando, faça disso um rígido princípio de que os candidatos jamais deveriam participar de um seminário dado por seu analista didata. De fato, assegure-se de que os candidatos não apareçam em reuniões, painéis ou em quaisquer outras reuniões profissionais onde a transferência poderia ser perturbada por informações objetivas sobre o trabalho profissional de seus analistas, para que o desejável anonimato para a análise didática não seja perturbado. O anonimato alimenta idealizações inanalisáveis e uma saudável insegurança [7].

15. Pode ser muito útil dar proeminência, nas leituras indicadas, aos trabalhos dos membros mais importantes de sua própria instituição, que devem ser ensinados, de preferência, não por eles mesmos e sim por seus alunos atuais ou ex-alunos. Assegure-se de indicar trabalhos de outros autores que reforcem as opiniões dos líderes locais e inclua apenas uma ou duas opiniões discordantes, com o único objetivo de expor suas debilidades. Este foco nas leituras indicadas pode ser complementado pela indicação de um texto científico ou um estudo de caso a ser apresentado pelo estudante como parte do processo de formação, com uma cuidadosa ênfase na necessidade de que ele cite os autores teóricos preferidos localmente em apoio às observações de seu trabalho.

16. De forma ideal, a exposição dos alunos às escolas alternativas de psicanálise deveria ser evitada tanto quanto possível. Nos seminários para alunos mais avançados, trabalhos específicos representando abordagens dissidentes ou desviantes deveriam ser brevemente comentados, no intuito de equilibrar visões opostas, mas devidamente rejeitadas. É muito útil convidar os líderes de diferentes enfoques teóricos para rápidos seminários que poderiam, excepcionalmente, incluir estudantes, analistas já formados e instrutores do curso. Estes últimos podem participar para assegurar que os estudantes podem testemunhar o impiedoso desmantelamento do representante da opinião contrária. Seminários de um dia com um líder dissidente, cujas opiniões são atacadas de forma respeitosa mas inabalável, podem contribuir para reassegurar que a escola local sabe mais, que a mente do estudante fique em paz e que as novas ideias, apesar de perigosas, podem ser destituídas de seu potencial subversivo.

17. Sempre faça com que o menos experiente dos candidatos apresente casos frente aos mais experientes do grupo. Os analistas mais experientes jamais deveriam apresentar casos num grupo de candidatos: as incertezas do trabalho e os inevitáveis erros dos analistas mais velhos podem apagar o sentimento de autocrítica, o medo das repreensões e a natural modéstia dos candidatos que estão começando seu trabalho profissional. A convicção de que os já formados trabalham melhor do que os candidatos, de que os analistas didatas trabalham melhor do que os analistas comuns e que os analistas didatas mais velhos trabalham melhor do que os mais novos garante as inseguranças do candidato.

18. Tome providências para que sejam preteridos ou estimulados a desistir da formação os candidatos excessivamente críticos ou rebeldes que ameaçam a atmosfera harmoniosa nos seminários, desafiam seus instrutores mais velhos ou ousam falar publicamente contra os analistas didatas na frente de seus pacientes (que irão possivelmente, é claro, relatar tais conversas em suas sessões). Não é tão difícil fazer isso, por exemplo, através da morosidade na aprovação de seus casos supervisionados. Pode-se ainda agendar encontros com líderes de seminário nos quais os candidatos problemáticos são discutidos criticamente. As informações sobre essas discussões só devem chegar indiretamente aos candidatos em questão através de seus supervisores ou tutores, os quais, de forma amistosa, comunicam-lhes a avaliação negativa feita pela instituição a respeito deles. Se um candidato recebe suficiente informação através de um terceiro ou quarto intermediário daquilo que é dito sobre ele, isso eventualmente o fará mudar de atitude na direção desejada pela instituição ou o levará a desistir. Uma vez que o candidato tenha desistido ou que se lhe tenha solicitado para se afastar, nunca mais mencione seu nome e mantenha um silêncio discreto sobre todo o episódio: a ideia de que algo assustador e perigoso teria ocorrido, sobre o que misericordiosamente ninguém quer falar, terá um poderoso impacto no grupo de estudantes.

19 – Nos anos recentes, um novo e maravilhoso método para restringir o entusiasmo com a formação analítica foi encontrado sob a forma de um ano de aulas informal e preparatório: nele a teoria e a técnica psicanalíticas inteiras podem ser brevemente sumarizadas em nível colegial simples e introdutório, onde já são expostos os temas centrais do pensamento freudiano que serão discutidos com mais detalhes posteriormente, bem como se fornece aos alunos uma breve história introdutória da psicanálise, desde seus primórdios até o presente. Ao mesmo tempo, é enfatizado que tudo isso são áreas nas quais o conhecimento deles será aprofundado posteriormente. Como muitos candidatos já terão estudado a teoria psicanalítica em diferentes níveis, o processo de embotamento pela repetição já terá começado nesse nível introdutório. A sensação de não conhecer realmente de forma completa o que será ensinado e desejos impacientes por explorações mais profundas podem ser induzidos desta maneira, junto com a simplificação rotineira dos conceitos básicos que os privará de seu entusiasmo quando estes temas forem explorados em detalhe mais tarde. E, naturalmente, você pode usar esse método para provocar a perda de interesse em qualquer curso de nível “introdutório”, insinuando que o material “pra valer” será apresentado em outro lugar.

20 – Não estabeleça um curso atualizado de técnica psicanalítica. Concentre o ensino da técnica nos textos introdutórios de Freud sobre o método psicanalítico e em seus casos clínicos. O Homem dos Ratos, o Homem dos Lobos, Dora, Joãozinho já terão sido lidos, é claro, no estudo mais amplo da obra freudiana, mas agora esses textos podem ser vistos novamente com o objetivo de ensinar os princípios gerais da técnica psicanalítica. Se o candidato adquire conhecimento em algum outro lugar sobre os novos desenvolvimentos e abordagens alternativas do processo psicanalítico, como infelizmente é quase inevitável hoje em dia, sua ansiedade sobre sua própria falta de familiaridade com as diferentes abordagens da, digamos, ego-psychology, das escolas francesas, das escolas britânicas, etc., causará um aumento da insegurança sobre seu trabalho. Isso diminuirá sua confiança em contribuir para os desafios que a população dos pacientes de hoje nos apresentam. Se, ao mesmo tempo, é insinuada sutilmente a ideia de que o trabalho psicanalítico é, na verdade, uma arte que será dominada intuitivamente e que o crescimento e a intuição dependerão do progresso em suas análises pessoais e nas supervisões, esta ansiedade pode manter seus úteis efeitos inibitórios por um longo período de tempo [8].

21 – Os supervisores poderão desenvolver uma função crucial na inibição da confiança dos candidatos em seu próprio trabalho e na possibilidade de aprender com a própria experiência. É importante que os supervisores falem o menos possível. De fato, pode ser útil o candidato sentir uma continuidade natural entre sua condição de paciente de análise e sua posição de supervisando. A escuta cuidadosa e silenciosa do supervisor à apresentação do trabalho do candidato com seus pacientes, com um ocasional comentário ilustrando o que o candidato fez de errado, pode manter o candidato numa saudável incerteza e humildade em relação a seu próprio trabalho. Seu esforço para construir, para si mesmo, a moldura mental que determina as opiniões de seu supervisor ocupará sua mente, a ponto de influenciar significativamente o trabalho com seus pacientes. O candidato deve sentir que é absolvido dos graves erros de seu trabalho caso siga os conselhos de seu supervisor sem questioná- los e demonstre ao supervisor que fez o tipo de interpretação que ele entendeu que o supervisor teria feito naquelas circunstâncias. Este desenvolvimento prevenirá o perigoso processo pelo qual o candidato poderia integrar para si mesmo uma teoria ou um enfoque pessoal da técnica por ele mesmo desenvolvido e modificado criativamente ao testá-lo na situação do tratamento, tendo em conta o desenvolvimento autônomo de seu paciente. Se os supervisores nunca se reúnem para discutir seus enfoques pedagógicos educacionais quanto à supervisão, e se uma cisão completa é mantida entre a instituição que ensina técnica psicanalítica e os supervisores dos casos de controle, um caos e uma confusão produtivos podem fazer o candidato concluir que demorará muitos anos antes que ele possa dominar suficientemente bem as técnicas analíticas para ousar contribuir criativamente com elas.

22 – Um certo grau de medo paranoide, que é a contraparte dos processos de idealização desencadeados pela análise didática, permeia a maioria das instituições psicanalíticas, mas é importante lembrar que, de fato, toda organização social luta com tais desenvolvimentos. Esse medo paranoide pode contribuir para desencorajar os candidatos no que diz respeito a qualquer trabalho independente, a iniciativas corajosas ou pesquisas desafiadoras. Felizmente, não é difícil estimular os medos paranoides através de variadas medidas. A mais eficaz tem sido o depoimento do analista didata sobre o desenvolvimento dos candidatos em análise com ele. A tradição dos analistas didatas relatores, ou seja, de que analistas didatas informem ao comitê educacional sobre a habilitação de seus analisandos para começar os cursos teóricos ou assumir seu primeiro caso de supervisão, etc., tem sido o instrumento inventado dentro da formação psicanalítica que mais gera paranoia. É lamentável que esse instrumento tenha sido eliminado e até mesmo considerado antiético pela maioria dos institutos psicanalíticos. Afortunadamente, a incontrolável tendência de alguns analistas didatas de indicar com sutis gestos e sem dizer uma palavra o que efetivamente sentem sobre seus candidatos ainda continua viva. Essa atitude pode ser alimentada pela utilização do sistema do “telefone sem fio”, ou seja, a utilização do que os candidatos dizem para seus analistas didatas sobre o que outros candidatos dizem a respeito deles, como um modelo para movimentos de retaliação por parte desses analistas didatas. Pelo menos, o medo das consequências de um comentário descuidado é um saudável suporte para desenvolvimentos paranoides [9].

23 – Outro método perfeitamente legítimo para aumentar o temor paranoide nos candidatos é simplesmente deixar de informá-los plena e adequadamente sobre requerimentos, expectativas, leis, regulamentos e canais para queixas e pedidos de reparação. Para começar, não informe regularmente os candidatos sobre como eles estão progredindo, nem como são vistos pelos professores e pela instituição. Apenas os informe sobre seus erros ou falhas, usando as formas indiretas já mencionadas. Que os supervisores não sejam francos e explícitos com seus supervisandos, de modo que eles tomem conhecimento indireto de como estão sendo avaliados – através de seu tutor, do diretor do instituto ou através dos rumores e mexericos – pode contribuir poderosamente para reforçar reações paranoides. É perfeitamente legítimo remeter todas as perguntas dos candidatos ao manual oficial de instruções e evitar reuniões periódicas para troca de informações. Em alguns institutos, o diretor se reúne com o grupo inteiro de candidatos, o que tende a produzir uma atmosfera de descontração, autonomia e potenciais desafios à autoridade, todas elas muito perigosas!

24 – O exemplo dado pelos líderes mais velhos da comunidade psicanalítica local é extremamente importante. Francas e manifestas indicações de grande insegurança e temor quanto a escrever por parte da maioria dos analistas didatas mais poderosos e antigos podem alimentar uma saudável identificação com eles. Um exemplo ainda mais eficaz pode ser representado pelo antiquado, mas felizmente ainda existente sistema de “comboio”: um pequeno número de analistas didatas muito antigos são os analistas mais procurados no seu grupo local e têm um número tal de candidatos em análise que não lhes sobra energia para ir às reuniões científicas, muito menos para participar ativamente no trabalho científico da sociedade. Para proteger a pureza da transferência, eles nunca abrem a boca em público, e as mútuas amizades e alianças, bem como as rivalidades entre aqueles candidatos que tiveram a sorte de estar em análise com um destes grandes mestres alimentam uma idealização e uma passividade estabilizadoras. Este modelo é altamente efetivo para inibir o pensamento crítico independente dos candidatos.

25 – Tente manter a corporação de estudantes relativamente uniforme em termos de suas aspirações profissionais. O verdadeiro analista deveria desejar praticar exclusivamente a psicanálise, usufruir da liberdade de trabalhar em seu consultório com pacientes em análise e deveria ter aversão em diluir o verdadeiro trabalho analítico aplicando-o em outros ramos de suas atividades profissionais, tais como o desenvolvimento de trabalho psicoterapêutico com pacientes gravemente regredidos, crianças, psicóticos ou participantes de estudos acadêmicos fora do enquadre analítico, bem como desenvolver pesquisas, assumir liderança institucional ou participar das artes. Os maiores desafios à teoria e à técnica psicanalíticas ocorrem nas fronteiras de nosso campo profissional e a evitação de investimento em tais lugares fronteiriços protege não apenas a pureza do trabalho psicanalítico, mas também o aparecimento de questões desafiadoras e potencialmente subversivas ligadas aos limites e às aplicações da psicanálise. Evite aceitar e treinar o dissidente que deseja aprender psicanálise para aplicá-la em outros campos profissionais, o filósofo interessado nas fronteiras entre a compreensão filosófica e a psicanalítica, o pesquisador empírico desejoso de complementar seu background neuropsicológico. Se a seleção cuidadosa de candidatos for levada a cabo adequadamente, você pode então tolerar uns poucos alunos “especiais” interessados nos aspectos intelectuais da psicanálise. Mas você deve mantê-los claramente separados do grupo dos “verdadeiros” estudantes, deve limitar suas presenças nos seminários clínicos e, para resumir, deixelhes claro que existe um fosso entre a “verdadeira” formação analítica e os empreendimentos “secundários”. Não dê “treinamento clínico parcial” para acadêmicos de outros campos, que deverão sempre sentir sua desaprovação contra o trabalho clínico não autorizado e compreender a impossibilidade de, em algum momento, ter pleno conhecimento da psicanálise desde que não participam do programa de treinamento clínico integral.

26 – Da mesma maneira, toda pesquisa científica interdisciplinar deveria ser relegada aos estágios mais avançados da formação, inserida no meio dos seminários opcionais no último ano do curso, quando a identidade básica do candidato já está assegurada o bastante para que tolere os efeitos diluidores e potencialmente corrosivos da abordagem psicanalítica da arte, dos problemas sociais, da filosofia e da pesquisa em neurociências. A abordagem oposta seria introduzir estudos de ciências periféricas no momento em que a teoria psicanalítica estiver começando a ser explorada, por exemplo, quando a teoria psicanalítica das pulsões precisar ser assimilada sem contaminação ou questionamentos advindos de modelos alternativos ou de escolas de motivação humana. Ou, ainda, ao relacionar a técnica psicanalítica com métodos psicoterapêuticos alternativos. Ou, por exemplo, quando ensinar a teoria psicanalítica da depressão – a prematura introdução da relação entre a psicodinâmica e os determinantes biológicos da depressão poderia ameaçar uma autêntica convicção psicanalítica.

27 – Remeta “para o divã” todos os problemas envolvendo professores e estudantes, seminários e supervisões, conflitos entre os candidatos e a instituição. Não esqueça que as atuações da/na transferência são a maior complicação na formação analítica e que há sempre elementos transferenciais em todas as insatisfações dos estudantes. A inarticulada pressão do candidato no que diz respeito a questões desafiadoras, a pensamento imaginativo ou a desenvolvimento de formulações alternativas usualmente tem profundas raízes transferenciais e deveriam ser resolvidas na situação analítica pessoal. Isso significa também que a instituição deve manter-se coesa; os professores devem manter-se unidos ao serem confrontados com desafios individuais ou grupais de estudantes. Um corpo unido de professores proporciona uma estrutura firme e estável contra a qual as regressões transferenciais do grupo de estudantes podem ser diagnosticadas e enviadas de volta à sua experiência psicanalítica individual.

28 – Todos os princípios e recomendações mencionados não serão suficientes se o corpo de professores estiver, ele mesmo, imbuído com o espírito de criatividade. É uma tarefa difícil, mas não impossível, a de inibir a criatividade dos professores. Professores cuja criatividade está inibida serão a melhor garantia para reproduzir tal processo inconscientemente na relação com os alunos. Este é seu maior desafio: o que você pode fazer na sociedade de psicanálise para inibir a criatividade de seus membros? Por sorte, uma longa experiência nos tem ensinado que a hierarquia presente no processo de formação pode ser facilmente estendida para a estrutura social da instituição psicanalítica e pode ser muito eficaz. Aqui, o que é particularmente útil é o desenvolvimento de poderosas barreiras em cada passo da evolução do candidato – de aluno do instituto a membro associado, membro efetivo, analista didata, participação no comitê de ensino e coordenação dos seminários regulares. Deixe claro que é evidente que a lealdade aos poderosos grupos políticos é mais importante para conseguir tais desenvolvimentos do que as reais conquistas profissionais e científicas. Deixe patente que as maneiras de progredir de um estágio para outro são incertas e indefinidas o suficiente para manter um constante clima de insegurança e paranoia na sociedade. Tenha frequentes votações secretas para determinar o progresso dos candidatos em todos os níveis, deixando evidente para todos que tais votos são influenciados pelos processos políticos em seu grupo.

29 – Acima de tudo, mantenha a discrição, sigilo e incerteza sobre o que é exigido para que se chegue ao posto de analista didata; como, onde e por quem essas decisões são feitas, que espécie de devolutiva ou mecanismos de recursos e apelos pode esperar aquele que esteja temeroso das implicações traumáticas de ser avaliado e rejeitado como analista didata. Quanto mais o grupo de analistas didatas se mantém à parte e coeso como detentores da autoridade e do prestígio, mais os efeitos inibidores do processo de seleção influenciarão todo o empreendimento da formação. Este é seu instrumento mais confiável e eficaz para manter na linha não só os candidatos, mas o inteiro grupo de professores e a própria sociedade.

30 – Não esqueça, quando na dúvida acerca de desenvolvimentos perigosos que podem desafiar comprovados métodos para inibir a criatividade dos candidatos, que o objetivo maior da formação psicanalítica não é ajudar os alunos a adquirir o que já é conhecido com o objetivo de desenvolver novos conhecimentos, mas adquirir conhecimento bem estabelecido, objetivando com isso que a psicanálise evite sua diluição, distorção, deterioração e mau uso. Nunca esqueça: onde há uma fagulha pode se desenvolver um incêndio, particularmente quando esta fagulha aparece no meio de madeira seca e morta: apague-a antes que seja demasiado tarde!

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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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