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Resumo
Resenha de Talya S. Candi (org.), Diálogos psicanalíticos contemporâneos: o representável e o irrepresentável em André Green e Thomas Ogden, São Paulo, Escuta, 2015, 448 p.


Autor(es)
Plínio Carpigiani
é psicólogo clínico e psicanalista. Mestrando da puc-sp, Núcleo de psicanálise e formação da cultura.

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 LEITURA

O vazio ocupável

[Diálogos psicanalíticos contemporâneos: o representável e o irrepresentável em André Green e Thomas Ogden]


The empty pervadable
Plínio Carpigiani

Esta obra, organizada pela também autora Talya Candi, traz uma sequência de artigos confeccionados a partir de um evento - homônimo ao título do livro - realizado na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo em 2014. A fim de dar continuidade e ainda mais solidez ao tema, diferentes profissionais foram convidados a escrever sobre o conceito de representação a partir das concepções dos autores Thomas Ogden e André Green.

 

Todos os artigos, especialmente escritos, foram transformados em capítulos e agrupados em subtemas no sumário. São eles: Psicanálise e Linguagem; Sonhos e Representação; Limite e Representação; Trabalhando na Fronteira do Sonho; Sobre a Representação: Uma Perspectiva Filosófica e uma Conferência Especial. O número de subtemas proposto mostra a variedade de frentes que o conceito de representação adquire nas obras desses importantes autores, e também a abrangência para além dos estados-limite. Temos, nesses escritos, casos relatados sobre autismo, tipos de pacientes graves, situações de trauma, etc.

 

Alguns elementos da obra são aqui oferecidos como terceiros, considerando a dualidade estabelecida entre o leitor e a obra. A intertextualidade entre os capítulos, o modo pelo qual os analistas-escritores trabalham teoricamente e em seus consultórios a partir das contribuições de Green e Ogden, são alguns exemplos. Nelson Coelho Junior, no capítulo "As origens da noção de terceiridade em Green e Ogden", nos conta que existem diversas "figuras de terceiridade" (p. 239) possíveis em psicanálise. O terceiro como a junção de dois elementos é uma delas.

 

Para Green (2002), na sessão analítica "Há três objetos: os dois pedaços separados e o objeto que corresponde à sua junção." (p. 240). Esses dois pedaços, em nosso caso, são o leitor e obra, ao passo que o que corresponde à junção são as intepretações feitas por quem lê. Boa parte desse texto se caracteriza como a própria terceiridade: apresentar alguns entre tantos elementos que a obra contém, ainda como pano de fundo, mas que estão para além do conteúdo em si.

 

A intertextualidade dada entre os capítulos permite duas possibilidades de leitura: o livro pode ser lido de ponta a ponta como um grande compilado dos diversos aspectos sobre o tema proposto, e pode ser usado como instrumento de consulta, capítulo a capítulo, de acordo com a necessidade do leitor e o seu interesse em cada subtema proposto. Os capítulos oferecem começo, meio e fim de um raciocínio, o que não impede que sejam complementares entre si.

 

O leitor é conduzido, por assim dizer, para dentro do consultório desses analistas-escritores, que oferecem exemplos clínicos de pacientes em estados-limite, pacientes estes que contêm mundos psíquicos bastante rudimentares e são atormentados por uma condição de elaboração psíquica arrastada e difícil. Como cita Talya Candi, no capítulo "Limite e Simbolização: do impasse ao potencial", são pacientes com "déficit no nível simbólico" (p. 204). Nesses exemplos, o leitor tem a oportunidade de acompanhar a densidade do ofício dos analistas; o modo como compreendem e trabalham para que seus pacientes possam se revitalizar, recuperar ou mesmo adquirir estados mentais mais sofisticados, e assim alcançarem a capacidade de imaginar, sonhar e falar sobre o próprio mundo mental. Processos aparentemente tão naturais, mas que exigem por demais da potência mental dos pacientes e da competência profissional de quem os atende.

 

Os textos relatam os modos pelos quais os analistas se debruçam sobre a noção de representação e ensinam boa parte do trajeto histórico desse conceito. A começar pelos ideogramas - formas milenares de representar - no capítulo "A propósito de um aparelho de Linguagem", de José Renato Avzaradel, e nos levam até outra significativa forma de representar o mundo mental, a literatura, trabalhada no capítulo "O risco da confissão verdadeira: sobre literatura e mistério", texto final escrito por Benjamin H. Ogden.

 

As concepções teóricas de André Green e Thomas Ogden, o negativo, a terceiridade, o branco, a ausência, função desobjetalizante (pulsão de morte), ganham cronologia e espaço pela fertilidade que oferecem ao campo psicanalítico atual. Os escritores de cada capítulo mantêm o ratificado retorno aos autores clássicos e localizam em que momento da construção teórica tais conceitos se destacam. Os estados-limite da mente recebem ainda mais atenção e, simultaneamente, a própria psicanálise ganha mais embalo na contemporaneidade à medida que recebe mais compreensões clínicas e produções textuais sobre o tema.

 

A representação adquire historicização e é apresentada em um avançado nível de compreensão e significado, tendo em vista que a obra é resultado de um colóquio que convidou "psicanalistas a refletir sobre a necessidade de postular a existência do irrepresentável no psíquico" (p. 14). O leitor vai deparar com um campo extremamente produtivo e fértil que permite à psicanálise ser ainda mais abrangente.

 

Outro aspecto fascinante é que, embora a escrita dos capítulos esteja relacionada aos parâmetros de discussão sobre a representação para Ogden e Green, os artigos oferecem também pontos de vista dos próprios analistas sobre esse conceito e outros que o circundam, ao explicitarem como encontram e relacionam a teoria desenvolvida pelos dois autores e a prática, sem que percam o manejo clínico. Há diversos trechos que ressaltam as perspectivas do analista e como cultivam e promovem a representação de seus pacientes na busca de preenchimento desses espaços mentais. Como exemplo, temos o fragmento de análise que o autor Jean-Claude Rolland oferece no capítulo "O sonho e a situação analítica" ao descrever o caso de uma paciente que realizava o "silêncio por contrainvestimento" (p. 178). "[...] a interpretação teve o poder de inverter esse poder da língua: suprimindo essa ação equivalente a um recalque, restituindo a fala em sua função de enunciação [...]" (p. 178).

 

Cada escritor-analista encontra uma ponta de lança nas contribuições dos dois autores para desenvolver seu trabalho clínico. Seja pela alteridade, como escreve Ana Maria Andrade de Azevedo; pelo enquadre, como trata Lawrence J. Brown no capítulo sobre as rupturas no setting analítico e perturbações no campo dos sonhos; pelo caminho da terceiridade como no texto de Nelson Coelho Júnior, ou mesmo pela estrutura enquadrante proposta por Green e descrita no texto de Fernando Urribarri. Vale acompanhar capítulo a capítulo desta interseção. A sequência de textos oferece, assim, maior contato com o conceito de representação nas obras de André Green e Thomas Ogden.

 

Ao manusear o livro, podemos observar alguns pontos estratégicos de leitura que suponho facilitar a compreensão do tema proposto. Sobre os diversos detalhes teóricos e conceituais das obras dos autores contemporâneos Green e Ogden, como citado acima, cada capítulo oferecerá uma perspectiva e uma função na escuta dos analistas aos seus pacientes. Entretanto, recomenda-se ler a Apresentação de Luiz Cláudio Figueiredo ao primeiro contato com o livro e, se for possível, após toda sua leitura, também. Lá está um excelente guia para o leitor, que elucida, exemplifica e introduz o raciocínio necessário para compreender as contribuições propostas.

 

Também como estratégia de leitura, o texto de Fernando Urribarri parece estar de modo apropriado localizado no meio do livro. Apresenta uma revisão da "Teoria geral da representação" (p. 188) e da "estrutura enquadrante como matriz da representação e como modelo teórico implícito na clínica de Green" (p. 190), partes do capítulo "André Green: uma metapsicologia contemporânea para orientar a clínica atual. Da estrutura enquadrante à heterogeneidade representativa", que elucida o que já foi escrito nos capítulos anteriores e fundamenta os textos que se seguem.

 

Após a visita aos campos da difícil e necessária discriminação dos estados-limite e às salas de atendimentos de nossos analistas-escritores, o capítulo que aguarda os leitores mais adiante faz uma relação entre a representação a partir da filosofia e a representação em psicanálise que, para o autor, necessita "refletir sobre o tema [representação] também no registro do inconsciente" (p. 410). Texto escrito por Alberto Muniz da Rocha Barros Neto chama a atenção dos leitores para a difícil tarefa que é a conceptualização do termo representação, e mais, para o fato de que o próprio analista precisa lidar com a incerteza de visar um campo inconsciente tão sutil e esvaziado. Para isso, ele precisa dialogar com outras formas de conhecimento. "Em primeiro lugar, [...] essas palavras (representação) são e devem permanecer sempre ambíguas, instáveis e manter a tendência a escorregar para outras disciplinas do saber ou despertar calorosos debates." (p.381), uma proposta de terceiridade bastante perspicaz.

 

E por fim, Benjamin H. Ogden, em uma de suas últimas considerações, de seu capítulo contemplado ao fim da obra, chama a atenção do leitor para que:

 

A psicanálise - assim com a literatura - não esteja aguardando um analista que revelará a verdade, mas um analista que reestabelecerá a reserva de mistério; o analista que poderá reverter o curso das coisas e converter o conhecido em desconhecido, quando for o caso (p. 443).

 

Trata-se de uma afirmação que gera reticências e curiosidade. O leitor não obtém um desfecho que conforte e encerre a obra. Pelo contrário, a conferência transcrita ressalta a importante ideia de que temas desta magnitude não têm desfecho em si, e que o trabalho e o empenho dos analistas são constantes e intermináveis.


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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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