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ÍNDICE TEMÁTICO 
56/57
Jean Laplanche
ano XXIX - Junho/ Dezembro 2016
230 páginas
capa: Calabi Yau
  
 

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Notas

1.     Psychiatrie Française, vol. xxxvii, "Le concept d'inconscient selon Jean Laplanche", 3/06, 2006.

2.     Disponível em: .

3.     J. Laplanche, "Trois acceptions du mot ‘inconscient' dans le cadre de la théorie de la séduction généralisée", in: Sexual. La sexualité élargie au sens freudien (2000-2006), puf, 2007. 


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 EDITORIAL

Editorial

Letter from the editors

O encontro que deu origem à participação de Jean Laplanche no documentário Les Glaneurs et la glaneuse, de Agnès Varda, realizado em 2000, ocorreu por acaso. E, no entanto, a figura que se depreende desse documentário é sugestiva para todos nós, analistas, quaisquer que sejam os autores que tomemos como referência em nosso percurso.

 

O documentário trata dos glaneurs, pessoas que tradicionalmente na França viviam de apanhar as sobras que ficavam nas plantações depois das colheitas. A prática pode ser traduzida em português por respiga e o verbo é inusual: respigar. Respigadores são, então, catadores de restos que não foram colhidos, pessoas que aproveitam, para uso próprio ou partilha, aquilo que foi deixado por outros, dando um destino às sobras. A cineasta belgo-francesa filma com uma câmara digital, empenhada, ela mesma, como catadora de imagens. Em português, o filme recebeu nomes, também eles, sugestivos: no Brasil, Os catadores e eu, e em Portugal, Os respigadores e a respigadora.

 

Nesse filme, Laplanche surge, repentinamente, ao lado de sua mulher, Nadine, como um vinicultor. Herdeiro da propriedade de seu pai, o Château de Pommard, na região da Borgonha, conta de sua ligação desde a infância com a produção dos vinhos, da colheita das uvas à fermentação em barris, e lamenta não existirem mais glaneurs naquela região. Recita versos de Du Bellay:

 

                - Cheminant pas à pas

                recueillir les reliques -

                de ce qui va tombant après le moisseneur.

 

Quando lhe é perguntado se tem alguma outra atividade, Laplanche responde que sim, "é também psicanalista, um teórico da análise, um filósofo da análise". Em resposta a uma pergunta, o escutamos dizer: "O que me faz singular? Tentar colocar na constituição do homem a prioridade do outro em relação ao sujeito. Quer dizer, é uma antifilosofia do sujeito". E acrescenta: "Como o homem experimenta primeiramente sua origem no outro". 

 

Dando sequência a esse projeto, dois anos depois, a cineasta voltou a percorrer os mesmos lugares, entrevistando também novas pessoas, mas, em especial, aquelas que já havia entrevistado - trajeto que deu origem a um novo documentário: Les glaneurs et la glaneuse... deux ans après. Dentre essas pessoas, está novamente Jean Laplanche. A diretora quer mostrar o que restou de sua primeira filmagem, e também o que ficou faltando ou foi perdido em sua primeira colheita. Laplanche responde a ela que na primeira entrevista não estabeleceu a conexão entre os glaneurs e a psicanálise.

 

Em uma cena posterior do filme, é a própria Agnès Varda que nos diz que só depois foi surpreendida e se deu conta da conexão que havia entre a filmagem de si mesma, suas mãos e seu cabelo, em Les Glaneurs de 2000, e a forma como havia filmado o adoecimento e morte de Demy, em Jacquot de Nants - documentário de 1991 em homenagem a seu marido, o cineasta francês Demy Jacquot, falecido em 1990. A esse propósito, Varda salienta o quanto nós trabalhamos sem saber.

 

Entre acasos e conexões, é por uma feliz conjunção que uma das traduções deste número de Percurso sobre a obra de Jean Laplanche seja de seu artigo "Sublimação e/ou inspiração", de 1999, no qual o autor nos apresenta seu pensamento sobre a sublimação a partir da teoria da sedução generalizada, e encerra propondo a produção cultural como um lugar possível de abertura e tradução da relação com o enigma.

 

De certa forma, um número sobre a obra de Laplanche, falecido há menos de 5 anos, também nos convoca como catadores do que fica e solicita um trabalho de tradução, assim como catadores daquilo que aguarda efeitos de significação. Além disso, sua obra demanda continuidade. Na contraface dos Fundamentos, que Laplanche defende com tenacidade, são muitas as questões abertas, que exigem novos desenvolvimentos.

 

São vários os motivos que nos incitaram a levar adiante o projeto de um número da Revista Percurso dedicado à obra de Jean Laplanche.

 

Em primeiro lugar a presença de seu pensamento, enquanto leitor de Freud, no Departamento de Psicanálise, e que suscitou, em 1993, o convite para que viesse ao Brasil. Esse momento da história do Departamento é contado tanto na biografia que está à disposição no site da revista, como também em alguns dos artigos aqui presentes. Artigos que, ao mesmo tempo, dão mostras da atualidade e produtividade de suas ideias entre nós. Naquela ocasião, foi realizado, e filmado, um debate entre Laplanche e Haroldo de Campos sobre tradução, que deu origem a um vídeo. Esse vídeo foi reeditado e legendado para esta edição de Percurso, que aporta tanto o link para o vídeo, como a transcrição do debate, seguido de um artigo que o comenta. A tradução de "A revolução copernicana inacabada", efetuada e distribuída naquela ocasião, também está presente na revista. Esse artigo até hoje não foi publicado em livro traduzido para o português.

 

Outro motivo para este número sobre Laplanche é a falta de publicações de forma organizada de sua obra em português a partir de 1997. Excluindo-se alguns artigos avulsos em revistas, seu último livro traduzido para nossa língua é de 1997: Freud e a sexualidade: o desvio biologizante de Freud, publicado originalmente na França em 1993. Assim, tínhamos poucas e dispersas notícias de seu pensamento por um largo período: de 1993 a 2012. Quase 20 anos! Para os leitores que acompanhavam suas Problemáticas, abria-se uma lacuna em nossa língua, que só podia ser ultrapassada mediante as edições em espanhol ou recorrendo aos originais em francês. No final de 2015, essa lacuna foi parcialmente sanada com a publicação de O sexual: a sexualidade ampliada no sentido freudiano, que abarca artigos escritos entre 2000 e 2006 e corresponde a seu último livro na França.

 

Além disso, cabia reunir perspectivas abertas por sua obra. Em 2012, por ocasião da morte de Laplanche, o Departamento de Psicanálise promoveu um evento com Christophe Dejours - que é, inclusive, o entrevistado desta edição de Percurso, porquanto responsável pela Fundação Jean Laplanche. Partindo da conhecida teoria da sedução generalizada, Dejours apresentava em linhas gerais alguns desdobramentos dos Novos Fundamentos para a Psicanálise propostos pelo autor, dentre eles a centralidade da sexualidade e sua relação indissociável com a teoria tradutiva do inconsciente, novos aportes devido à inclusão da noção de apego, os desenvolvimentos sobre as questões de gênero, e consequências clínicas da teoria da sedução. Junto a esses temas, merece ainda destaque a discussão aberta por suas formulações em torno do Édipo e da castração, assim como pela proposição da tópica da clivagem, efetuada por Dejours e articulada por Laplanche, com modificações, à teoria da sedução generalizada. Temas que ora demandavam ser mais conhecidos, ora aguardavam novos desenvolvimentos, e que são, em grande medida, abordados nos artigos dos autores que colaboraram neste número da Revista.

 

Laplanche é um autor que convoca ao debate. A partir de 1992, têm início as "Jornadas Internacionais Jean Laplanche", encontros bianuais com vistas à discussão de sua obra. Inicialmente abertos ao público, ocorreram quatro colóquios organizados em torno de grandes eixos temáticos. Esses colóquios foram substituídos, a partir de 2000, por jornadas de trabalho, que seguem existindo até hoje.

 

Uma publicação especial da Psychiatrie Française[1], em parte disponibilizada em espanhol no site da revista Alter[2], contém o artigo em que Laplanche apresenta sua última elaboração em torno da tópica psíquica[3], seguido da transcrição de ampla discussão com alguns autores. O que podemos acompanhar por esse material é que o convite a que sua obra seja discutida não o impede de ser rigoroso, e criticar com veemência pontos que pensa não corresponderem aos seus Novos Fundamentos. Laplanche não faz concessões em relação ao que pensa ser fundador para a psicanálise e para o ser humano. É incisivo, quer se fazer escutar e reconhecer naquilo que é sua contribuição.

 

Em "Contracorrente", artigo que integra o livro O sexual..., Laplanche é contundente: quer debater em bases rigorosas, e define sua posição como estando na contracorrente.

 

Essa perspectiva está presente nos artigos que compõem este número, que apresentam sua teoria, delimitam questões deixadas em aberto e avançam em proposições inovadoras. Estão também incluídos artigos críticos, que provavelmente convidariam o homenageado a pegar em armas, e que nos permitem vislumbrar, em alguma medida, a intensidade dos debates na França e o contexto de produção de sua obra.

 

A seção Debates nos permite seguir pensando sobre as marcas deixadas pelo pensamento de Laplanche entre nós, ao propor como tema "Por que é importante falar de Laplanche hoje?".

 

A aproximação de uma clínica que busca seus fundamentos principalmente na obra de Laplanche é possibilitada pela seção Debates Clínicos - contribuição importantíssima para este número, uma vez que não encontramos na obra de Laplanche descrições clínicas.

 

Fechando a revista, a seção Leituras traz, entre outras, as de duas publicações do Departamento: Ditadura civil-militar no Brasil - o que a psicanálise tem a dizer e A subjetividade nos grupos e instituições.

 

O acesso ao conteúdo digital da revista, no qual se encontram o vídeo do debate, a biografia de Laplanche e a tradução da Revolução copernicana inacabada, pode ser obtido através do nosso site: www.revistapercurso.uol.com.br.

 

Boa leitura!


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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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