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TÍTULO DE ARTIGO


 

AUTOR


ÍNDICE TEMÁTICO 
53
O Estranho em nós: clínica, sociedade, cultura
ano XXVII - Dezembro de 2014
203 páginas
capa: Nayra C. P. Ganhito
  
 

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Resumo
Resenha de Maria Lucia Vieira Violante (org.), Desejo e identificação, São Paulo, Annablume, 2010, 184 p.


Autor(es)
Marilsa Taffarel
é membro associado da SBPSP, membro fundador do Centro de Estudos da Teoria dos Campos, doutora em Psicologia Clinica pela PUC-SP, co-autora do livro Isaías Melsohn – A psicanálise e a vida.

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 LEITURA

Teoria do Eu, mundo interno e campo social segundo Piera Aulagnier [Desejo e identificação]

Theory of the self, inner world and social field according to Piera Aulagnier
Marilsa Taffarel

Maria Lucia Violante tem, entre outros, o mérito de ter mantido viva a presença de Piera Aulagnier(1923-1990) em sua aulas e em seu laboratório na PUC-São Paulo, por quase duas décadas, ministrando aulas, orientando pesquisas que deram origem a dissertações e teses de doutorado.

 

É ela, Maria Lucia, que organiza o livro Desejo e identificação, escreve o prefácio, um texto inédito com base em sua tese, e reúne várias autoras que apresentam uma importante contribuição. O livro ainda nos brinda com dois textos importantes de Piera Aulagnier, um histórico diálogo com ela realizado por Luis Hornstein, e um texto de Maurice Dayan. Todos cuidadosamente traduzidos pela autora-organizadora.

 

Piera Aulagnier esteve pela primeira vez no Brasil em agosto de 1980. Era então uma psicanalista madura, autora de prestígio que criara sua própria metapsicologia, coisa que poucos psicanalistas fazem com suficiente consistência e, muito menos, com verdadeira originalidade e uma necessária relação dialógica com a clínica e as teorias vigentes. Aulagnier já havia publicado em 1975, na França, seu livro que se tornaria famoso: A violência da interpretação. E já tinha fundado o chamado Quarto Grupo havia mais de uma década. Esse grupo originou-se de uma dissidência da École Freudienne de Paris (EPF), cujo chefe era Jacques Lacan. Aulagnier rompe com Lacan, juntamente com outros analistas, em função de discordâncias importantes quanto à formação psicanalítica. Discípula de Lacan, fundara com o mestre a EPF, em 1963, fiel a seu costume de estar em excelentes companhias. Foi casada com ninguém menos que Cornelius Castoriadis, filósofo, escritor e psicanalista de origem grega. Castoriadis também foi uma presença marcante na formação de nosso pensamento psicanalítico, com seus livros e sua presença entre nós.

 

Não foi essa a única vez que Aulagnier esteve entre nós. Era bem-vinda pelas suas ideias - a violência da interpretação, o originário, a relação alienante-alienado, o regime de terror, as paixões e, sobretudo, sua teoria da formação do Eu e sua diferenciação com o ego freudiano. Por que sobretudo sua teoria do Eu? Porque esta resgata a possibilidade de uma intervenção interpretativa dirigida ao Eu e relativiza um tanto a concepção da interpretação como pontuação, como corte, como interceptação. Falar ao Eu não é falar ao ego, para Aulagnier.

 

Sua postura ética em relação à transmissão da psicanálise mantém toda atualidade em uma São Paulo ainda intensamente envolvida com os problemas locais da formação psicanalítica.

 

Por isso e porque a influência de Piera Aulagnier ficou velada, vimos com alegria um novo livro com textos dessa autora e outros baseados em sua obra.

 

Aulagnier e Castoriadis, psicanalistas e pensadores, mereceriam ser revisitados por todos nós, em especial pelas gerações de psicanalistas mais jovens. Gerações que, muitas vezes, não têm em sua formação um contraponto com as fortes correntes dominantes na psicanálise local e mundial: Melanie Klein, Bion, Lacan.

 

Quero destacar, do artigo de Piera Aulagnier "Nascimento de um corpo, origem de uma história", algumas questões relativas à relação do homem "com o seu corpo" (p. 22).

 

A autora examina o modo pelo qual o discurso - científico, mítico, discurso religioso - faz sua construção da realidade do corpo. O discurso científico põe em dúvida a apreensão de nosso corpo fundada em nossos órgãos dos sentidos. As fantasias corporais que correspondem a essa apreensão, que se dá no plano do visível, plano familiar e dizível em "metáforas compatíveis com suas construções fantasmáticas" (p. 22), possibilitam formar imagens de um eu interior. Essas construções precisam se conservar como uma reserva de corpo fantasiável e investido pela psique.

 

A autora aborda também o campo do sofrimento físico e sofrimento relacional. Um sofrimento físico, dependendo da resposta da mãe, pode se transformar num sofrimento relacional. Se a mãe calar, num silêncio pleno de sentidos, ou se falar, o que disser será crucial para o padecimento ganhar metáforas que digam esse corpo singular desse sujeito singular e não o sobrevoem. Aí reside a colocação em história da vida somática. Para ser, o sujeito, ao qual aconteceram sofrimentos somáticos, que portanto é distinto desses acontecimentos, necessita de um interlocutor. Só nessas condições se dá a passagem de um corpo sensorial para um corpo relacional.

 

Um pouco sobre os outros artigos que compõem esse livro. Nesses, oriundos de teses de doutorado e dissertações de mestrado orientadas por Maria Lúcia Violante, o pensamento de Aulagnier foi posto a trabalhar e, por intermédio dele, geraram-se importantes contribuições que nomeio para os leitores: o papel fundamental da voz materna, ou sua falta - em crianças surdas -, na constituição do sujeito, texto de Maria Cristina P. Solé. Já Edna L. Garcia volta-se para o papel e a função do desejo e do discurso paterno na produção da potencialidade polimorfa, categoria psicopatológica proposta por Piera Aulagnier, que corresponde descritivamente aos quadros fronteiriços. Por sua vez, Vera B. Zimmermann investiga a dificuldade na historicização do passado em adolescentes fronteiriços.

 

Ivone Carmen D. Gomes nos oferece uma revisão conceitual da contribuição de Aulagnier no que diz respeito ao pensamento da criança pequena. Finalmente, Maria Pompéia F. Carneiro, que comparece nesse livro na qualidade de coordenadora do Núcleo de Piera Aulagnier da Sociedade Psicanalítica da Cidade do Rio de Janeiro, revisita as reflexões de Aulagnier sobre a função de prótese do psiquismo materno na produção da vida psíquica da criança e suas repercussões, tanto na mãe quanto na criança.


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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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