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Autor(es)
Sylvia Loeb


Notas

1. Este livro foi concebido em homenagem a Melanie Farkas, em reconhecimento a seu trabalho por levar instrumentos da psicanálise a diversos contextos diferentes da clínica tradicional com o objetivo de cumprir função social relevante.

2. S. L. Shaffa, "Psicanálise e cidadania", in O psicanalista na comunidade, p.?83.

3. S. L. Shaffa, op. cit., p.?87.

4. S. L. Shaffa, op. cit., p.?87.

5. L. Nosek, "Proposta de discussão: o lugar do psicanalista", in O psicanalista na comunidade, p.?98.

6. S. Bleichmar, Clínica psicanalítica e neogênese, São Paulo, Annablume, 2005.

7. S. Bleichmar, op. cit., p.?11.

8. Pedagoga, sociopsicodramatista, terapeuta, consultora, coordenadora e mentora do Movimento Ética e Cidadania - Psicodrama da Cidade, em comunicação pessoal.


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 LEITURA

Desembrulhando pacotes [O Psicanalista na Comunidade]

Unpacking packs
Sylvia Loeb

Por meio de uma série de artigos, psicanalistas da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, inspirados pelo trabalho de Melanie Farkas, nos oferecem um panorama sobre o que realizam "extramuros", relatando novos modos de empregar a psicanálise a fim de que possa cumprir sua função social.

 

Em decorrência de sua forte tradição comunitária, Melanie Farkas foi precursora dentro da sbpsp, ao levar instrumentos psicanalíticos a serem usados fora do consultório, em uma "psicanálise sem divã" ou "além do divã", com o intuito de responder a uma demanda social à qual ela sempre foi bastante sensível. Não sem dificuldade e resistência, muitas vezes foi marginalizada em sua proposta, para finalmente receber a homenagem que lhe cabe.

 

Embora em seus primórdios a sbpsp tenha tido inserções sociais importantes ligadas principalmente a nomes como Virginia Bicudo, Lygia Amaral e Durval Marcondes, houve um tempo em que a instituição fechou-se nos consultórios. Deve-se a Melanie Farkas a retomada daquela posição.

 

Da entrevista que abre o livro, pinçamos algumas falas que traduzem sua visão das possibilidades de transformação da psicanálise extramuros. Talvez o que mais a tenha mobilizado no trabalho que desenvolve há cerca de quatro décadas seja a preocupação em contribuir para mudar as coisas o mais rapidamente, em como lidar com as questões sociais que assolam nossa sociedade: famílias destruídas, desamparo infantil, violência doméstica, desigualdade, marginalidade, evasão escolar, impotência dos professores frente a jovens desafiadores, violência social e sexual, infância marginalizada e infratora, xenofobia, intolerância e mais um sem número de questões.

 

Farkas fala de uma "psicologia das brechas, de uma psiquiatria criativa", no sentido de arquitetar situações propiciadoras em lugares pouco estruturados, onde não há modelos prontos.

 

No texto que abre o livro, O psicanalista fora do consultório - os diferentes settings, Melanie Farkas articula mais claramente sua questão: como trazer o fato que acontece fora do consultório - o fato social e, portanto, político - para o espaço da psicanálise? Com que modelos trabalhar em espaços sociais tão diferentes do setting de consultório? O desafio, diz ela, é o de criar novos modelos.

 

A escuta psicanalítica fora do consultório é completamente diferente daquele do setting tradicional, mas não menos relevante. Farkas insiste na diferenciação do setting: a importância de definir muito bem o papel do analista, enfatizando que ele não está ali para dar respostas e sim para sensibilizar as pessoas a observarem determinada demanda, o que inicialmente pode causar frustração, pois o pedido é por ajuda e solução imediatas.

 

Um dos problemas mais agudos é detectar o que Melanie Farkas chama de binômio limitações versus possibilidades, trabalhando especialmente a oposição entre onipotência e impotência. Em outras palavras, analisar ideais muito acima das reais possibilidades materiais e emocionais da equipe de trabalho, o que inevitavelmente gera desânimo e falta de motivação, além de atitudes negativas dentro do próprio grupo. O que é trabalhado é a exploração das possibilidades dentro das limitações que a situação impõe, com a expectativa de elaboração das angústias envolvidas.

 

Em minha opinião, este é um trabalho semelhante ao que fazemos em nossos consultórios, ou seja, possibilitar que nossos pacientes entrem em contato com a castração pela diminuição do ideal, com a grande diferença de que o analista da instituição não obedece ao setting do consultório: ele atua mais ativamente, facilitando o fluxo do trabalho. Nas palavras de Sandra Shaffa, desmitificar o protótipo do analista-tela[1] (aquele que é apenas uma tela de projeção de seu analisando), para se colocar como um ser humano capaz de utilizar seus recursos pessoais e seu bom senso.

 

Farkas aposta na formação de agentes multiplicadores, ou seja, por meio de planejamento e supervisão, propõe-se a utilizar os instrumentos de que a psicanálise dispõe, tais como a escuta da dimensão inconsciente das falas e a identificação das transferências na repetição de modelos de relação, para chegar aos motivos que emperram o desempenho de tais agentes: angústia frente a idealizações muito altas, desqualificação do próprio trabalho, dificuldade de encarar, dentro da realidade, os impedimentos concretos das instituições.

 

A autora fala em "desembrulhar pacotes". Trata-se de atentar para os procedimentos repetitivos, tão característicos das instituições - desde o levantamento da história dos pacientes, em geral anamneses burocráticas e pouco significativas, até os habituais grupos de pacientes e profissionais, onde o foco da atenção se encontra primordialmente na doença e não na pessoa. Ao retirar esses entraves, chega-se mais perto da pessoa que está demandando ajuda.

 

Outro ponto sublinhado por Farkas diz respeito ao que subjaz ao trabalho social: não se trata de caridade e sim de um sistema de trocas, onde o profissional legitima esse trabalho como importante para si mesmo. O que é convocado é o aspecto profissional e não o caritativo, tão sujeito a frustrações que não raro desembocam em desânimo e abandono da tarefa. Além disso, é um trabalho de construção de cidadania, com obrigações e deveres de ambos os lados.

 

Embora Melanie Farkas aponte para a importância tanto da função materna, no acolhimento e cuidados, como na função paterna, na interdição e colocação de limites, penso que não é demais nos debruçarmos neste último aspecto, o da instituição da lei e consequente passagem pela castração, condições mínimas e necessárias para a inserção do sujeito na cultura. Ponto importante, pois, de modo geral, o que é convocado no trabalho comunitário é a função materna, absolutamente necessária em decorrência da catástrofe que encontramos, incrementada e justificada pela culpa diante de tal panorama.

 

A autora alerta para as dificuldades de avaliar os resultados dessas experiências, o que não a impede de continuar esse trabalho com o escrutínio de psicanalista com longa prática, portanto longe de uma visão ingênua. Cita Marcelo Viñar: para existir uma relação psicanalítica são necessários o analista, o paciente, uma teoria e o imponderável. Sem o imponderável, não acontece nada. E esse imponderável é o novo, é a ruptura da repetição.

 

Seguindo os fundamentos da psicanálise, Melanie Farkas propõe um trabalho na esfera do social, visando a que a sbpsp recupere a vocação dos primeiros tempos, desde que não há impasse entre o individual e o social no trabalho comunitário. Há que se resgatar a dimensão histórica e social do psiquismo, numa alusão às "séries complementares", conceito de Freud que explica a etiologia da neurose e supera a dicotomia entre fatores endógenos e exógenos.

 

Neste ponto não se encontra sozinha. Está acompanhada por Oswaldo Diloretto, Joel Birman, Jurandir Freire Costa, Luis Claudio Figueiredo, Antonio Rosseti, Silvia Bleichmar, Marcelo Viñar e tantos outros, para quem nossos pacientes assim como nós mesmos somos produtos da história e da cultura em que estamos submersos. As questões sociais se traduzem nas problemáticas da clínica contemporânea.

 

Através da leitura dos vários autores que compõem o livro, descortina-se a imensa gama de possibilidades que a escuta qualificada proporciona dos mecanismos inconscientes que se manifestam em angústia e das frustrações decorrentes de limitações pessoais e socioeconômicas, elementos estes que tendem a diminuir a eficiência e a capacidade de realização das equipes.

 

As articulações teóricas dos autores expõem uma variedade e pluralidade de contribuições para se pensar a questão do trabalho comunitário, como ao se referirem à "quebra do pacto edípico"[2] decorrente de nossa sociedade tão desigual e injusta, na qual o pai não mais protege, não mais é o representante da lei, cujas barreiras desmoronadas permitem a emergência de impulsos delinquenciais; à "degradação da cordialidade"[3], que se revela na obscenidade de nossas elites na ostentação diante daqueles que não têm a menor condição de competir, gerando como contrapartida violência e revolta, criminalidade crescente, o tecido social degenerado; ou ao postularem o "possibilitar o sonhar"[4] pela reordenação da experiência em representação imaginativa mais adequada às circunstâncias.

 

Para informação dos leitores, um pequeno resumo dos diversos trabalhos que, por sua qualidade, mereceriam, cada um, uma resenha individual, tarefa impossível nesse espaço.

 

  1.  "A escuta psicanalítica em instituições", por Jassanan Amoroso Dias Pastore. Relato da experiência de um grupo de escuta como propiciador de movimentos, mudanças e avanços a partir de um "princípio de ignorância mútuo: quem fala ignora muito do que está dizendo, quem escuta não sabe o que vai escutar".

 

  2.  "Mater dolorosa: do sussurro às palavras. Ensaio sobre um trabalho com crianças excepcionais", por Sylvia Salles Godoy de Souza Soares. Um grupo com mães de crianças excepcionais centrado basicamente nas questões de maternidade, sexualidade e feminilidade, às quais só puderam ter acesso após a conscientização e elaboração de sentimentos de desamparo e orfandade. O fenômeno "mente grupal" (que funciona como uma unidade), proposto por Bion, propiciou transformar a experiência em um exercício de pensar.

 

  3.  "Grupo de escuta: uma ação transformadora", por Sylvia Salles Godoy de Souza Soares, Suzana Muszkat e Telma Kutnikas Weiss. Relato de um grupo inspirado pelas colocações teóricas de Marcelo Viñar e Bion, nas quais a ideia do "grupo de palavras" referida a uma noção de grupo, e a possibilidade de transformação da "fala descarga" em fala afetiva, estruturantes do psiquismo e da subjetividade, possibilitaram trocas importantes entre os membros.

 

  4.  "A experiência de supervisão para uma equipe de hospital geral", por Ernesto Baptista Filho e Telma Kutnikas Weiss. Uma experiência de supervisão para funcionários de um hospital público municipal especializado no atendimento a vítimas de violência. O conceito de holding de Winnicott e o pensar sobre a experiência de Bion foram os articuladores do trabalho.

 

  5.  "Fronteiras da psicanálise", por Beatriz da Motta Pacheco Tupinambá, Lilia Cintra Leite e Sylvia Salles Godoy de Souza Soares. Relato com as equipes de um educandário com mais de sessenta anos de existência que atendia, na época, cerca de 1.300 crianças entre sete e dezoito anos. As autoras partiram da colocação de Fenichel a respeito das instituições: "uma vez estabelecidas, tornam-se resistentes a mudanças e têm o poder de modificar temporária ou permanentemente a personalidade de seus membros". Conscientizar esses comportamentos em espelho ajudou os atendentes a saírem desse lugar de repetição, infértil na produção de novas respostas.

 

  6.  "Prevenção da violência pelo resgate da função parental: escuta psicanalítica em uma ONG da periferia de São Paulo", por Cândida Sé Holovko e Edoarda Paron Radvany. Trabalho sobre "o sentido da violência e a tentativa de compreender a destrutividade além da descarga pulsional", gerando a possibilidade de encaminhamento dos jovens violentos a outro destino que não a delinquência.

 

  7.  "O psicanalista na praça", por Oswaldo Ferreira Leite Netto e Sylvia Salles Godoy de Souza Soares. Uma experiência diferente de todos as demais, o texto conta a vivência dos psicanalistas no Centro Cultural de São Paulo. Uma vez por semana das 11 às 17h, em turno de revezamento, em duas poltronas colocadas em lugares que variavam, os profissionais se dispunham a conversar com quem solicitasse. O saldo desses encontros foi a percepção da necessidade premente de as pessoa falarem, de ter alguém que de fato as escutassem e o sentimento de gratidão decorrente por alguém atento às suas dores.

 

  8.  "A psicanálise e a clínica extensa: uma experiência em hospital geral", por Fabio Herrmann. Um trabalho em um hospital geral que nos chega por meio de anotações do "diário clínico" de Fabio Herrmann, em que, com talento de ficcionista, discorre sobre a aplicação da "clínica extensa", ou seja, a recuperação do que constitui o patrimônio original da psicanálise: a cultura e a sociedade, a literatura e as artes, a integração com as outras ciências.

 

  9.  "Clínica extensa: os enfermeiros dos ambulatórios do HC em busca de identidade e comunicação", por Ana Cristina Cintra Camargo e Sonia Soicher Terepins. Relato de uma experiência de intervenção psicanalítica dentro de um hospital geral, com o objetivo de capacitar a equipe de profissionais a lidar com situações extremas a que eram submetidos, com alto nível de estresse. Optou-se por oferecer um curso terapêutico, cuja proposta era funcionar como grupo de investigação, tratamento e treinamento para a multiplicação da função terapêutica. Ao final de um trabalho de um ano com encontros semanais de hora e meia, a intervenção mostrou seus efeitos ao propiciar que todos os profissionais da equipe atendida pudessem se reconhecer e ser reconhecidos como parte de um grupo que buscava lugares identitários e de acolhimento, com condição de exprimir seus anseios e dificuldades.

 

10.  "Interação psicanalítica com paciente terminal", por Plinio Montagna. O tocante relato sobre um paciente terminal mostra a função do psicanalista em como ajudar a pensar pensamentos que ainda não foram pensados.

 

11.  "Homo sacer e cidadania", por Jassanan Amoroso Dias Pastore. Trabalho no qual a autora aborda as contribuições da psicanálise a respeito do trânsito entre violência no psiquismo e violência social. Apropria-se das considerações de Giorgio Agamben que, na expressão "vida nua", expõe a condição dos banidos de nossa sociedade, aqueles que podem sofrer qualquer tipo de violência sem que isso se constitua em crime (nossos jornais, infelizmente, estão repletos desses acontecimentos) e relaciona-as com Freud: "O programa que o princípio do prazer nos impõe - ser feliz - não é realizável, mas não podemos nem devemos abrir mão dos esforços para sua realização".

 

12.  "Oficina dos sentimentos: a construção de um espaço terapêutico", por Silvia Maia Bracco. Relato desenvolvido em um setting especialíssimo: a presença da analista era o enquadre juntamente com uma caixa que ela montou com alguns brinquedos e material gráfico e a crença na caixa como "um conjunto de possíveis que carregava um potencial simbólico capaz de se transformar em significados efetivos". O método psicanalítico com a eventual adaptação da técnica, eis o conceito de clínica extensa de Fabio Herrmann, no sentido de exercer a psicanálise onde ela se faz necessária.

 

13.  "Atendimento de família em contexto de maternagem precária: uma abordagem psicanalítica contemporânea", por Maria Aparecida Quesato Nicoletti, Sonia Pinto Alves Soussumi, Andréia de Aragão Bevilacqua e Raquel Brandão Martins de Araújo Younes. Uma experiência sobre o atendimento de família em situação de maternagem precária, em que a assimetria necessária para a constituição familiar, com pais e filhos em posições "hierárquicas" diferenciadas, não estava presente, impossibilitando, desse modo, a existência de uma estrutura afetiva que desse conta das condições indispensáveis para o desenvolvimento saudável de seus membros.

 

14.  "Em busca de abrigo", por Helena Julio Rizzi, Lucas Mendes de Almeida Antonini e Silvia Martinelli Deroualle. Narrativa na qual é constituído um espaço de atendimento nos moldes de plantão, "que foge dos modelos tradicionais de setting quanto à frequência e continuidade". O interessado poderia se inscrever no dia do atendimento e estaria livre para vir quantas vezes quisesse e ser atendido pelo mesmo profissional ou por outros. Modalidade nova, onde a ideia de abrigo se constitui em um lugar estável, na garantia de sempre haver um profissional de plantão com escuta qualificada.

 

15.  "O envelhecimento à luz da psicanálise", por Miriam Altman. Trabalho referido ao envelhecimento. A autora considera que a tarefa primordial do idoso é manter os vínculos afetivos para que o aparelho psíquico continue em atividade, e sustenta que o investimento "fora do eu" é condição primordial de saúde psíquica, ao propiciar uma superação do narcisismo e consequente maturação psíquica. Defende a análise de idosos, pois nesta fase a pessoa enfrenta uma realidade intransponível, que é "a perda do sujeito em seu próprio ser, porque não é o outro que se vai perder, mas a si mesmo".

 

16.  "Impactos transgeracionais negativos identificados em atendimento de família: uma visão psicanalítica", por Maria Aparecida Quesado Nicoletti, Sonia Pinto Alves Soussumi, Raquel Brandão Coelho Martins de Araújo Younes e Andréia de Aragão Bevilacqua. História de atendimento familiar, cujo foco foi ajudar a família a perceber que os problemas que enfrentam no presente estão atrelados ao passado de cada um dos cônjuges. A ausência de figuras parentais nas famílias de origem não possibilitou modelos de identificação que pudessem servir de base para o desempenho de relações parentais que assegurassem aos filhos o amparo necessário para a sua segurança e proteção.

 

Relatos que nos contam da transformação do sofrimento patológico para que sejam restauradas possibilidades criativas, apoiados na responsabilidade que a psicanálise assume para si ao enfrentar o outro humano no seu desamparo, e apostar que tem algo para propor na busca de alívio para o sofrimento.

 

Relatos que corajosamente se aventuraram no conceito de "clínica extensa", tão caro a Fabio Herrmann, que acreditava em exercer a psicanálise onde ela se faz necessária.

 

Relatos que corajosamente se aventuraram a atravessar os portões da sbpsp e ir para a rua, nos rastros de Melanie Farkas.

 

Considerações pessoais

Gostaria de propor a ideia de que o paciente, no caso das instituições, é o grupo, pois é quem sofre as injunções, quem nos dispomos a escutar, quem padece de desânimo, depressão ou tem ataques destrutivos quanto à própria constituição e funcionamento.

 

A partir dessa premissa, penso que deveríamos avaliar primeiramente as condições de início de análise, ou o que poderíamos chamar de estratégia de cura, termo usado por Silvia Bleichmar[5], que problematiza as ações que possam conduzir à transformação, não apenas do motivo atual de sofrimento, mas daquele que em grande parte o determina.

 

Não podemos deixar de pensar na perda de tempo, de recursos materiais e emocionais que implica tentar uma análise quando as condições estruturais não estão presentes. E, neste ponto, Melanie Farkas nos responde insistindo na diferenciação do setting, ou seja, na importância de definir muito bem o papel do analista, quando enfatiza que ele não está ali para solucionar os problemas e sim para descobrir o que está gerando infelicidade, frustração, desânimo. Trata-se de diferenciar entre demanda de análise e razão de análise[6].

 

A demanda é o motivo da consulta e diz respeito à angústia manifesta do paciente; é o pedido pela cura rápida do sofrimento, pela superação mágica dos problemas, pela solução imediata do que incomoda.

 

A razão de análise relaciona-se ao que o analista escuta da intrassubjetividade do paciente no relato de seu sofrimento. É o que fazemos em nosso setting habitual ao propor várias entrevistas até que fique claro, para nós analistas, quais as condições de análise que o paciente à nossa frente apresenta: seu inconsciente está constituído? Nossa interpretação será recebida como palavra capaz de desvelar conteúdos inconscientes ou como coisa que explode no psiquismo? A repressão está constituída e o sintoma é uma relação de compromisso entre os sistemas psíquicos? Ou não se trata de sintoma e sim de uma manifestação pulsional que não conseguiu ainda um destino no interior de um aparato não terminado de constituir?

 

A abstinência analítica pode precipitar o paciente em direção à passagem ao ato, à raiva e ao furor, não como resultado da aparição do reprimido, mas como a ativação desmesurada de moções não ligadas a partir da aplicação de uma técnica inapropriada.

 

Essas são apenas algumas questões que apontam para a possibilidade de fracasso dos tratamentos.

 

Em relação ao atendimento em grupo, as modificações do setting implicam um posicionamento diferente do analista. Segundo Marisa Greeb[7], a primeira questão que é colocada ao grupo é: para o que estamos todos juntos aqui? É enfatizado que, como grupo, estamos todos conectados na mesma questão. Ou seja, a primeira pontuação do analista é a convocação do grupo, estamos todos no mesmo barco. Essa premissa é um convite para que os participantes se manifestem. Nesse aquecimento surgem muitas questões e aquele que revela a questão prioritária do grupo é o protagonista. Em outras palavras, o protagonista surge quando sua fala, que revela o seu drama, é reconhecido pelos demais participantes como a verdade comum, como o drama do grupo.

 

Ou seja, no atendimento a grupos, diferentemente do setting de consultório, é necessária a presença de um analista atuante no sentido de fomentar a dinâmica e a coesão grupal, atento para que os encontros não se transformem em terapia individual, em grupo. Para Marisa Greeb, o trabalho não é "psicossocio" e sim "sociopsico": esta a porta de entrada para as questões que vão surgindo durante o trabalho do grupo.

 

Trata-se da escolha das condições de aplicação do método e das possibilidades de sua implementação a partir de variáveis que possibilitem a escolha de estratégia terapêutica.

 

As considerações acima colocam em evidência o desafio do psicanalista frente a seu paciente, o chamamento à responsabilidade teórica e ética envolvidas, o perigo de uma aplicação "selvagem" de um método específico que não admite atuações espontâneas que não estejam baseadas em suporte teórico.

 

Como apontado em todos os relatos, a estrutura do setting deve ser modificada e a psicanálise pode sim responder a questões que implicam o sujeito social com a obrigação, no entanto, de teorizar sobre o funcionamento dos grupos.

 

Os conceitos de "mente grupal" proposto por Bion, o de "grupo de palavras" referente a uma noção de grupo, proposto por Marcelo Viñar , ambos citados em alguns relatos; o conceito de "protagonista", porta-voz dos problemas do grupo proposto por Marisa Greeb, nos dão um bom começo.

 

A riqueza das narrativas apresentadas é uma homenagem ao trabalho de Melanie Farkas, que, ao abrir as fronteiras que separavam a sbpsp da realidade social na qual estamos todos inseridos, possibilitou o trânsito constituinte e constitutivo entre as realidades psíquica e histórica, tão caras a Freud.


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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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