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Resumo
Resenha de André Green, Narcisismo de vida, narcisismo de morte. Trad. Claudia Berliner. São Paulo, Escuta, 363 p.


Autor(es)
Renata Udler Cromberg
é psicanalista, membro do Departamento de Psicanalise do Instituto Sedes Sapientiae, doutora pelo Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Professora dos cursos de especialização de Psicopatologia e Saúde Pública na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e Teoria Psicanalítica da Pontifíca Universidade Católica de São Paulo. Autora dos livros Cena Incestuosa e Paranóia, da coleção Clínica Psicanlítica da Editora Casa do Psicólogo.

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 LEITURA

Green desvenda articulações entre o narcisismo e a pulsão de morte

[Narcisismo de vida, narcisismo de morte]


Green unveils points of contact between narcissism and the death instinct
Renata Udler Cromberg

André Green vem se destacando como um dos teóricos mais importantes do pensamento psicanalítico. Na década de 1970, sua polêmica com o pensamento de Lacan levou-o a escrever O discurso vivo - uma teoria psicanalítica do afeto, etapa importante do percurso de suas reflexões. Aí, apesar de reconhecer os méritos de Lacan e a influência deste em seu pensamento, ressalta que considerar o inconsciente estruturado como uma linguagem era uma mutilação do percurso freudiano pela exclusão da questão do afeto.

 

Muito da riqueza de seus textos deve-se à forma como ele os constrói: aponta de saída suas questões, deixando-as formarem um vivo e consistente desenho tanto no campo clínico como no teórico. Costuma convocar vários autores sobre os temas que trabalha, apontando tanto os pontos de contato como as diferenças. Assim, no rastro de um pensamento que vai buscando se constituir como próprio no contato com outros pensamentos, temos a satisfação de poder conhecer a rica bibliografia de que se serve através de pequenas sínteses e indicações. Não dispensa também a exegese da obra de Freud, trazendo sempre os meandros e as ambiguidades do pensamento deste que considera ainda o mais rigoroso e coerente de todos os autores psicanalistas.

 

É este veio que percorre esta excelente coletânea que reúne artigos de 1976 a 1982 sobre a questão do narcisismo. Esse conceito surgiu no âmbito psicanalítico em Para introduzir o narcisismo, escrito por Freud em 1914. Após um vacilante e rico percurso, Freud deixa-o de lado quando formula, por volta de 1920, sua segunda teoria pulsional, que postula as pulsões de vida e as pulsões de morte como as forças conflitantes na vida psíquica.

 

O narcisismo constitui o eixo da reflexão teórica de Green. Ele diz "haver uma articulação necessária entre o narcisismo e a pulsão de morte da qual Freud não se ocupou e que ele nos deixou para descobrir" (p.?14). Os artigos reunidos têm por objetivo pensar essas relações, conforme expõe no longo prefácio no qual faz uma espécie de alinhavo histórico-conceitual das problemáticas em torno do narcisismo e que é seguido de duas partes, uma sobre teoria e outra sobre formas narcísicas, além de um posfácio. Green propõe chamar a pulsão de morte de narcisismo negativo, duplo sombrio do eu unitário do narcisismo positivo, de modo que todo o investimento de objeto, assim como do eu, implicam seu duplo invertido que visa a um retorno regressivo ao ponto zero, que se manifesta clinicamente pelo vazio. É pela complexidade dos problemas da clínica que o lugar que ocupa o narcisismo se revela dos mais importantes e faz Green distinguir suas relações com diferentes formas clínicas. Mas é sobre os chamados casos limites que sua atenção se focaliza, ao pensar o limite como conceito e não apenas da maneira empírica que os situa nas fronteiras da psicose.

 

É por essa via que surge a possibilidade de aparecer a concepção nodal de seu pensamento que a bela capa do livro (da artista Ivoty Macambira) exprime de maneira muito feliz: o complexo de Édipo deve ser mantido como matriz simbólica essencial à qual é importante sempre se referir como uma triangulação axiomática, mesmo nos casos clínicos em que a regressão é dita pré-genital ou pré-edipiana, portanto, aquém da triangulação (p.?252). No entanto, é se voltando para a questão da angústia que Green propõe uma concepção estrutural organizada em torno de dois centros paradigmáticos diferentes. Por um lado, a angústia de castração, por privilegiar sua evocação no contexto de uma ferida corporal associada a um ato sangrento. Em contrapartida, quando se trata do conceito da perda do seio ou do objeto, das ameaças de abandono à perda da proteção do Supereu, a destrutividade ganha as cores do luto: preto como a depressão grave ou branco como os estados de vazio (p.?251).

 

O negrito de narcisismo de morte, na capa do livro, aponta bem o esforço do autor de descrever as tensões de um eu preso às malhas da lógica tecida pelo "Um, Outro e Neutro, valores narcisistas do mesmo", título de um dos capítulos. Mas se o psicanalista se vê, no seu ofício, às voltas com a angústia e a morte, não é em nome delas mesmas, e sim da vida. O opaco de narcisismo de vida na capa aponta que, se bem Green esboce no final a necessidade de que as sociedades devolvam a Eros alguns direitos de que foi espoliado, permanece ainda a necessidade de pensar o narcisismo de vida, campo das sublimações e de Eros, como o campo da singularidade às voltas com o múltiplo, sem por isso desintegrar-se ou fragmentar-se psicoticamente. Quem sabe, assim, a multiplicidade que sustenta o feminino não corra o risco de se transformar em uma visão assustadora ou em uma nova incógnita metafísica e possa expressar-se na carne do mundo.


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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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