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Resumo
Resenha de André Green, La clinique psychanalytique contemporaine, Paris, Itaque, 2012, 224 p.


Autor(es)
Marie-France Brunet
é psiquiatra e psicanalista, membro da Associação Psicanlítica do Chile e da International Psychoanalysis Association (IPA), professora do Instituto de Psicanálise do Chile e ex-secretária científica. É coordenadora do Grupo de Estudos Chilenos sobre André Green.



Notas
[1]   Revue française de psychanalyse 3, t. lxiii (2000), p. 743-772.

[2]   A. Green, La Clinique psychanalytique contemporaine, op. cit. p. 48.

[3]   A. Green, La clinique psychanalytique contemporaine, op cit. p. 66.

[4]   A. Green, La clinique psychanalytique contemporaine, op. cit. p. 119; André Green sublinha.

[5]   A. Green, "Surface analysis, deep analysis (The role of the preconcious in psychoanalytical technique)", International Review of Psychoanalysis 4, 1, p. 415-424; retomado in A. Green, On private madness, Londres, International Universities Press, 1986..

[6]   Paris, Minuit, 2000.

[7]   In A. Green, Narcissisme de vie, narcissisme de mort, Paris, Minuit, 1983, p. 222-254.


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 LEITURA

Para pensar a clínica contemporânea

[La clinique psychanalytique contemporaine]


Thinking about contemporary psychoanalytic practice
Marie-France Brunet

Com La clinique psychanalytique contemporaine, coletânea de trabalhos selecionados com a colaboração de Fernando Urribarri, André Green nos proporciona uma visão de conjunto de sua contribuição à clínica e à técnica psicanalítica contemporâneas. Em Green, o contemporâneo supõe uma contextualização histórica, fundada essencialmente em uma leitura pessoal e crítica de Freud, dos grandes autores psicanalíticos pós-freudianos, em particular Bion, Winnicott e Lacan, do diálogo com outros autores de sua geração, incorporando ainda seus próprios aportes, a fim de constituir um modelo complexo. A leitura do prefácio de Fernado Urribarri, que por sua vez faz um percurso histórico e conceitual da obra de Green, dividindo-a em três etapas, permite captar sua riqueza inovadora. Os artigos incluídos neste livro pertencem à terceira etapa, madura, do trabalho do autor (2000-2007), e a possibilidade de ler os escritos técnicos dessa fase é de grande valor. Eles têm como eixo uma ampliação do campo psicanalítico baseada na experiência com pacientes não neuróticos, e a proposta original de um modelo clínico e um projeto de investigação a partir da teorização do enquadre psicanalítico e da noção de enquadre interno, abordado no primeiro artigo desta obra - "Le cadre psychanalytique" (1997) - mas presente em todos os que se seguem. O objeto psicanalítico é colocado em evidência graças ao enquadre. É o enquadre que permite tornar manifesta a força que se desdobra na transferência e que habita o discurso na sessão, avaliar as capacidades de representação do paciente e sua possibilidade de elaboração através da verbalização. Suas peculiaridades e fracassos irão revelar seus limites e a necessidade - se dele o paciente não conseguir tirar proveito - de introduzir, por meio do enquadre interno do analista, modificações que favoreçam o trabalho de representação (uma ampliação "que vai do corpo ao pensamento"). Em íntima relação com isto, Green se aprofunda no duplo referente do "modelo do sonho" e do "modelo do ato", que correspondem esquematicamente ao modelo neurótico/não neurótico. Seguindo esse duplo referente, no artigo sobre o processo psicanalítico, "Mythes et réalités sur le processus psychanalytique" (2000), rejeita a ideia de uma evolução natural do curso da análise, independente dos modos interpretativos (e dos mitos etiológicos ou teorias implícitas do analista). Propõe em troca uma elaboração em torno da criação de uma realidade segunda surgida da análise dos intercâmbios em curso na sessão, observando os efeitos de ampliação no que chama de "generatividade", ou seja, a abertura de novas vias associativas no material e também nas associações do analista. A meu ver, esse artigo vem a enriquecer e complementar a descrição do funcionamento psíquico durante a associação livre, formulada em "La position phobique centrale"[1] (1998), que concilia a matriz dialógica e a escuta analítica. "Tenho como hipótese", escreve Green, "que existe uma relação entre a análise e o trabalho do sonho, e que a associação livre é o modo de atividade que permite estabelecer uma ponte entre os dois"[2]. Nas estruturas neuróticas, a associação livre se vê coartada e vigiada por temor à experiência de pavor, surgida da reatualização de uma relação conflitiva com o objeto. Isto requer por parte do analista mudanças nas formas de escutar o material e a abertura a modalidades de pensamento diversas. Coloca aqui uma ideia original a respeito da abordagem destas estruturas: "O trabalho analítico, sempre árduo, consistirá em transformar esta negativização da percepção dos processos de pensamento em pensamentos latentes que revelem a subjetividade da qual o desejo é o correlato"[3].

 

O artigo sobre a contratransferência, "Démembrement du contre-transfert" (1997), traz uma ampla análise em torno do debate da intersubjetividade. Retoma a teoria freudiana da pulsão para enfatizar a importância do entrelaçamento entre força e sentido na proximidade de um objeto do qual se espera uma satisfação, como constituintes essenciais do psiquismo, dando origem às representações afetivamente investidas. Dentro do enquadre, a força se coloca em movimento na proximidade do objeto analista, dando lugar ao interjogo permanente de transferência-contratransferência. Esta última passa a ser um elemento de referência mais ampla, que abarca o conjunto do psiquismo do analista: suas concepções teóricas e técnicas, suas formas de escuta, sua contratransferência em cada caso em particular, seu desenvolvimento associativo e imaginativo na sessão. Constitui, com a transferência, um objeto terciário, compartilhado entre os dois membros do par analítico, e que dará origem a construções ficcionais que funcionam ao modo do achado-criado (Winnicott), sempre submetido à prova em ressonância com seu objeto de estudo.

 

"Enjeux de l'interpretation, conjectures sur la construction" (2005) coloca em jogo os conceitos de interpretação e construção, diferenciando suas modalidades na clínica de pacientes neuróticos e não neuróticos. Para Green, o que busca a interpretação não é a produção direta de ­insight, mas o estabelecimento de vínculos que permitam vencer as resistências e possibilitar que o pré-consciente "sirva de espelho para adivinhar a rede de associações inconscientes"[4]. Retoma ideias formuladas anteriormente em seu artigo "Surface analysis, deep analysis"[5] (1974): não há acesso direto ao inconsciente, por conseguinte se questiona a possibilidade e o efeito das chamadas interpretações profundas e o que se busca é ir com o paciente, a partir do material verbal, contornando as defesas, de maneira a criar o acesso indireto ao inconsciente. Quanto à construção, descrita tardiamente por Freud em relação às falhas de rememoração, Green a ressitua na psicanálise contemporânea como uma co-construção dos processos mentais pelo par analítico. O importante não é a reconstrução de uma realidade histórica, mas, a partir do estado do material, criar uma conjectura que abra a possibilidade para o paciente de tornar a regressão compreensível. Exige entretanto um Eu capaz de integrá-la, razão pela qual, no caso de pacientes com alterações na área de pensamento, esta construção deve ser uma hipótese sustentada pelo analista, usando a interpretação e a compreensão da transferência em suas intervenções. Levando em conta a mudança trazida pela segunda tópica, por causa da conceitualização do Isso, Green estima necessário favorecer a representação a fim de ampliar o campo do interpretável.

 

No artigo sobre compulsão de repetição, "Compulsion de répétition et principe de plaisir" (2007), Green revê os conceitos de rememoração, repetição e elaboração. Retoma Freud, além de suas próprias elaborações já realizadas em outros trabalhos (cf. Le temps éclaté[6]): em primeiro lugar, dissocia a compulsão de repetição do ato, posto que aquela pode ser também encontrada no material. A compulsão de repetição consiste em repetir o mesmo, sem consciência disso e sob as mais variadas formas. É uma descarga do sentido do conteúdo repetido. Aqui, Green se distingue de Freud: para ele, a ligação opera mais precocemente na montagem pulsional, antes mesmo do processo primário, e implica, portanto, formas de ligação antes da passagem ao processo secundário. Essas ligações surgem do encontro com a mãe. Considera, portanto, o funcionamento pulsional como um processo complexo. O fracasso da instauração do princípio de prazer teria a ver com um predomínio do desligamento sobre a ligação em etapas muito primitivas. A superação da compulsão de repetição está associada à representação do objeto.

 

O livro termina com três artigos relativos às estruturas "no limite da analisabilidade". "Passivité-passivation: jouissance et détresse" (1999) introduz a diferenciação entre uma modalidade de gozo e a passivação, que implica o submetimento a uma posição de impotência sem esperança. Inclui uma volta ao conhecido artigo "A mãe morta"[7] (1980), passando por uma revisão dos processos de identificação narcísica, introjeção da melancolia materna, mal-estar, perda do objeto de amor ou de seu amor, situações estas passivizantes que dão lugar a um apego obstinado ao objeto.

 

No trabalho sobre a culpa e a vergonha, "Énigmes de la culpabilité, mystère de la honte" (2003), a culpabilidade é abordada no âmbito da metapsicologia freudiana, ligando-a às formulações do Supereu, do ideal do Eu e do narcisismo. A vergonha, menos elaborada teoricamente, é relacionada com a perda da capacidade de um controle já adquirido, e portanto de uma manifestação pulsional atuada ou não, que emerge quando já se acreditava dominada. Green trata a diferenciação entre os investimentos de objeto e a identificação, ligados à linha materna e paterna respectivamente, e o papel desta última no desenvolvimento da terciaridade e das estruturas psíquicas mais especializadas.

 

Finalmente, o artigo sobre a sexualidade nas estruturas não neuróticas, "La sexualité dans les structures non névrotiques hier et aujourd'hui" (1996), considera a coexistência de pontos de fixação diversos, que são ativados alternadamente segundo as circunstâncias, com um Eu que emprega predominantemente mecanismos de defesa diferentes do recalque. Assinala Green que se a transferência é o melhor meio para se conhecer a intimidade psíquica, a sexualidade o é como analisador da relação com o outro. Outorga-lhe, assim, um lugar essencial em todo o espectro clínico, considerando a fusão entre sexualidade e amor, êxito difícil de alcançar.


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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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