voltar à primeira páginaResumo Neste artigo, André Green retoma as grandes linhas da teoria kleiniana e enumera as principais críticas dirigidas a ela. Destaca o espaço exagerado que Klein atribuiu à destrutividade em sua prática, e o pouco interesse dela pelos estados narcísicos, em função de uma extrema valorização das relações de objeto. Contudo, reconhece a importância capital de Klein no movimento psicanalítico. De fato, em resposta ao trabalho dela, surgiram conceitualizações inovadoras e vigorosas, em particular as de W. R. Bion e D. W. Winnicott. [Este texto foi extraído de Pouquoi les pulsions de destrutions ou de mort (Paris, Éditions Ithaque, 2010, p.?71-78), livro que Green considerava como um dos seus trabalhos mais importantes.] Palavras-chave teoria kleiniana; relações de objeto; pulsão de morte; destrutividade; psicose; estados narcísicos; desenvolvimento da criança. Autor(es) André Green foi psicanalista, membro da Sociedade Psicanalítica de Paris, ocupou as posições de Presidente e de Diretor do Instituto de Psicanálise. Foi vice-presidente da IPA, Associação Psicanalítica Internacional, professor honorário na Freu Memorial Chair do University College de Londres e na Universidade de Buenos Aires, membro honorário da Sociedade Britânica de Psicanálise, além de membro da Academia de Ciências Humanas de Moscou. Era ainda detentor do Mary Sigourney Awards e, em 2007, foi condecorado pela IPA por serviços excepcionais prestados à Psicanálise. Recebeu a Légion d'Honneur, a mais elevada medalha atribuída pela República Francesa. Notas [1] 1 O primeiro livro de Melanie Klein, A psicanálise de crianças, de 1932, será dedicado a ele. [2] 2 "Minha contribuição inspira-se em todos os aspectos no que Freud nos ensinou." M. Klein, op. cit., prefácio da primeira edição. Algumas linhas adiante, há também um agradecimento a Ferenczi. [3] 3 Melanie Klein Today. [4] M. Klein, La Psychanalyse des enfants (1932), p.?137 (ed. bras.: p. 145). [5] Embora, na tradição herdada de Strachey, os textos de Melanie Klein traduzidos ao português adotem a terminologia Ego, Id e Superego, empregaremos os termos Eu e Supereu no presente artigo, por corresponderem à tradução encontrada nas versões francesas dos textos em questão, aos quais André Green recorreu para elaborar suas considerações [nota da tradutora]. [6] 1 M. Klein, La psychanalyse des enfants, op. cit., p.?143. [Nota da tradutora: Todas as citações de Melanie Klein serão traduzidas conforme a versão francesa consultada por A. Green. Forneceremos também a referência da página na versão brasileira. Esta citação está na p. 151.] [7] M. Klein, op. cit., p.?144 (ed. bras.: p. 151-2). [8] M. Klein, op. cit., p.?148-149 (ed. bras.: p. 156). [9] M. Klein, op. cit., p.?150 (ed. bras.: p. 156). [10] M. Klein, op. cit., p.?153 (ed. bras.: p. 160). [11] M. Klein, Développements de la psychanalyse, p.?274-300 (ed. bras. : in Obras Completas de Melanie Klein, vol. 3, Rio de Janeiro, Imago, 1991). [12] E. Glover, "An examination of the Klein system of child psychology", The Psychoanalytic Study of the Child 1, p.?75-118. Referências bibliográficas Glover E. (1945). An Examination of the Klein System of Child Psychology. In: The Psychoanalytic Study of the Child, vol. 1. Nova York: International U.P. Klein M. (1932/1959). La Psychanalyse des enfants. Paris: puf. [Ed. bras.: (1997) A psicanálise de crianças. In: Obras completas de Melanie Klein, vol. 2. Rio de Janeiro: Imago.] Klein M. (1946/1966). Notes sur quelques mécanismes schizoïdes. In: Klein M. Développements de la psychanalyse. Paris: puf. [Ed. bras.: (1991) Notas sobre alguns mecanismos esquizoides. In: Obras completas de Melanie Klein, vol. 3. Rio de Janeiro: Imago]. Spillius E. B. (1988) Melanie Klein Today, 2 vol. Londres/Nova York: Routledge. Abstract In this article, André Green reviews the major axes of Kleinian theory, and enumerates the major criticisms it has elicited. For his part, he highlights the exaggerated space Klein accorded to destructivity in her practice, and notes its litte import with respect to narcissistic states, as a consequence of an extreme valorization of object relations. Green nevertheless recognizes Klein’s capital importance within the psychoanalytic movement. In effect, as a response to her work, innovative and vigorous conceptualizations came to light, specifically by W. R. Bion and D. W. Winnicott. (This text is an extract from Pourquoi les pulsions de destructions ou de mort, Paris, Éditions Ithaque, 2010, a book which Green considered to be one of his most important works.) Keywords Kleinian theory; object relations; death instinct; destructivity; psychosis; narcissistic states; infant development. voltar à primeira página | | TEXTOMelanie Klein, ou a destrutividade generalizadaMelanie Klein, or generalized destructivity
André Green
Melanie Klein fez uma primeira análise com Ferenczi. Insatisfeita com essa experiência, fez uma segunda com Abraham, que lhe agradou mais[1]. Não lhe custou muito formular seu próprio sistema de pensamento, pois havia adquirido fortes convicções. Contudo, no começo ela não cita outros autores além de Freud, do qual, evidentemente, se considera a herdeira legítima[2]. Não é nada simples apresentar a evolução do sistema kleiniano do princípio até nossos dias. Elizabeth Bott Spillius[3] poderá guiar o leitor interessado nesse percurso. Abordaremos apenas os pontos concernentes à pulsão de morte. Com efeito, Klein se distingue dos outros psicanalistas por sua adesão sem reservas à pulsão de morte. Se às vezes se opõe a Freud, certamente não é porque este tenha feito um uso excessivo da última teoria das pulsões, mas, ao contrário, porque limitou bastante as concepções para as quais ela imagina uma aplicação bem mais ampla. Seu campo preferido é a psicanálise das crianças e dos adultos gravemente regredidos. E cumpre dizer logo de início que a teoria, por mais apaixonante que seja, interessa-a menos que a técnica e a clínica das crianças, as quais, na época, ainda estavam em grande medida por construir, e colocavam problemas quanto à adaptação da técnica utilizada com os adultos. O que chama sua atenção é a importância da interpretação precoce da transferência negativa. Transferência que, segundo ela, em nada difere da do adulto, a ser interpretada em profundidade. Essa transferência se exprime por um medo claramente perceptível. Klein levará certo tempo para elaborar sua teoria, que em seguida irá expor em todas as oportunidades de modo repetitivo. De maneira muito geral, a teoria kleiniana se apoia - pretendendo estar em continuidade com o último Freud - na predominância das pulsões destrutivas sobre as pulsões eróticas. A busca do prazer é apenas secundária e defensiva em comparação com a preocupação de neutralizar o efeito das pulsões destrutivas. As primeiras elaborações teóricas estruturadas datam de 1928, no artigo sobre "Os estágios iniciais do conflito edipiano e da formação do superego"[4]. Para ela, o conflito edipiano nasce na metade do primeiro ano de vida e irá durar até o terceiro ano. Klein segue Abraham: originalmente prazer de sugar, seguido do prazer de morder (segundo subestágio oral). Às vezes, inibição derivada de um sadismo oral anormalmente elevado. Contudo, uma libido particularmente forte pode preceder uma frustração e sua inibição. Portanto, é o aparecimento prematuro do sadismo que é nocivo. Segundo Klein, o desenvolvimento do Eu[5] vem antes do da libido. A frustração que disso resulta é acompanhada de uma angústia decorrente dos "estímulos que se acumulam sem descarga possível", afirmação que é reiterada de Freud a Bion. Os temores da criança convergem para o objeto externo, posição que o desenvolvimento dissipará, com a realidade que irá reconhecer a "mãe boa" e substituir a destruição do objeto por sua conservação. Como em Freud, há derivação do instinto de morte para fora. Ao mesmo tempo, contudo, ao lado dos perigos vindos de fora, constituem-se outros, internos. O sadismo oral atinge seu apogeu durante e após o desmame. Dirigido contra o seio da mãe, estende-se para o interior de todo o seu corpo. Porém, é com o sadismo uretral que o sadismo oral se prolonga. A criança, encharcada, afogada, queimada, envenenada, emite grandes quantidades de urina contra a mãe, vingando-se assim da frustração que ela lhe inflige (enurese, brincadeiras com o pênis). O pênis é investido de atividades cruéis, o que repercute na função sexual e a inibe. Os desejos sádico-orais associam-se aos desejos sádico-anais. O objetivo primitivo consiste em devorar e destruir o seio materno[6]. Como se vê, o estágio fálico é essencialmente sádico. Klein segue, aqui, Abraham: Sei, por experiência, como é difícil fazer reconhecer que essas ideias revoltantes correspondem à realidade, mas as análises de crianças muito pequenas não deixam lugar a dúvidas, pois nos mostram com precisão e evidência a imagem de crueldades imaginárias que acompanham esses desejos em toda a sua abundância, força e multiplicidade[7]. Ela é efetivamente a "verdadeira" filha de Freud, assumindo e reforçando suas posições. Lembremos a data: 1928, ano dos artigos do último período de Ferenczi, particularmente "A criança no adulto". Seguindo, portanto, Abraham, Klein afirma que o prazer que o bebê extrai dessas satisfações sádicas não se deve apenas à libido, mas está ligado a um violento apetite de destruição "que visa a danificar e aniquilar o objeto". Isso supostamente ocorre entre os seis e os doze meses de idade. Essa situação conduz à intensificação de um sadismo causado pela frustração ligada à impossibilidade de satisfazer as necessidades libidinais. Os ataques estendem-se aos pênis do pai (no plural, pois ele dispõe de vários) incorporados pela mãe. Ele se torna o mais temível agente destruidor. Segundo Klein, o pai cumpre um papel muito importante na etiologia dos distúrbios mentais. Mas, notemos, somente sob essa forma de pênis-incorporado-no-ventre da mãe, e constituindo com ela a fantasia do pai e mãe combinados. No que concerne à cena primária, o sadismo é temido pelos desejos de morte que gera, e que dão lugar a uma destruição mútua exacerbada, sinal de maus-tratos trocados entre os dois parceiros: pênis transformado em animal perigoso ou carregado de armas explosivas, vagina imaginada paralelamente como ratoeira envenenada. Um édipo se constituiu: "A meu ver, o conflito edipiano se instaura no menino a partir do momento em que ele sente ódio pelo pênis do pai e deseja se unir à mãe de maneira genital, para destruir o pênis do pai que supõe estar dentro do corpo da mãe". Segundo Klein, as pulsões genitais não surgem depois das pré-genitais, mas simultaneamente a estas. Passado certo tempo, essa destrutividade produz uma culpa reparadora. Pois, antes disso, o que ocorre é uma guerra impiedosa, acompanhada de fantasias de vingança por parte dos pais. A culpa relativa às fantasias masturbatórias genitais deriva das fantasias sádicas dirigidas contra os pais, e não de seu conteúdo incestuoso[8]. Klein apoia-se aqui numa citação de Freud sobre a precedência do ódio sobre o amor, bem como em outros trechos que tratam da dissolução do complexo de Édipo, em Inibição, sintoma e angústia e, finalmente, em O Eu e o Isso. Não há dúvida de que Melanie Klein leu Freud, mas, nas suas próprias palavras, ela prefere um processo mais simples e mais direto[9]. Em outros termos, é contra as pulsões destrutivas que o Supereu se edifica precocemente. A coisa toda é ainda mais inevitável na medida em que essas pulsões se voltam para fora, ou seja, contra o objeto, não podendo, em troca, senão suscitar hostilidade, por um mecanismo de origem filogenética. Em nenhum outro período da vida a oposição entre o Eu e o Supereu é tão forte quanto na primeira infância[10]. Freud ergueu-se contra essa opinião. De fato, Melanie Klein se apoia - ao contrário de Freud - exclusivamente em processos endopsíquicos. As relações do Eu com os objetos serão reproduzidas pelas relações posteriores entre Supereu e Eu: o que Freud já afirmara em 1915 em "Luto e melancolia". A interpretação de Klein não estará influenciada por seus modelos de referência: a projeção paranoica, a esquizofrenia, a hipocondria, a catatonia? Lembremos a relação privilegiada destes com o narcisismo. No que concerne à analidade, a interpretação do papel desempenhado pelos excrementos como projéteis dotados de imensas capacidades destrutivas é caricaturalmente "traduzida". Esses objetos não estão presentes sob uma forma única, mas repetem-se em muitos exemplares. A posse do interior do corpo representa a posse da mãe externa "e ao mesmo tempo simboliza o mundo externo e a realidade". Vale lembrar que Klein também menciona o papel desempenhado pela libido (erótico) e a influência da realidade. Frágil contrapeso, que está na origem do que será chamado "objeto bom". Em seguida, Melanie Klein irá reunir essas observações e descrever as duas grandes fases características da sexualidade infantil: a fase esquizoparanoide, marcada na criança por posições persecutórias e angústias profundas de aniquilamento, provocando a clivagem, a negação, a idealização e a onipotência, defesas estas contemporâneas ao surgimento de angústias paranoides que acompanham uma vivência de despedaçamento, de fragmentação e de ataques destrutivos por parte do objeto. Sucede-lhe a fase depressiva, que começa com os primórdios da unificação do objeto, quando se assiste ao aparecimento da culpa com desejos de reparação dos danos que lhe são causados, sentimento de responsabilidade pelas devastações destrutivas. A separação entre fase esquizoparanoide e fase depressiva era justificada pela evolução, a segunda dando sequência à primeira. Posteriormente, essa sucessão será contestada e a opinião dos kleinianos irá se inclinar por uma simultaneidade (que se repete várias vezes) de ambas as fases. Serão esclarecidos os papéis da introjeção e da projeção. As moções pulsionais e as fantasias inconscientes são apenas as duas faces de uma mesma realidade. As fantasias são a expressão da pulsão (Susan Isaacs). A psicopatologia kleiniana tende a recuar cada vez mais na evolução da criança para compreender as raízes do psiquismo. Em 1946 aparece um artigo importante, "Notas sobre alguns mecanismos esquizoides"[11]. Até então, embora falasse de fase esquizoparanoide, Melanie Klein na verdade tinha abordado apenas a face "paranoide", desconsiderando a face "esquizo". Trata-se, outra vez, de um movimento que obedece ao desejo de recuar cada vez mais na evolução. Ela vê nisso as marcas das primeiríssimas fixações psicóticas resultantes das primeiras relações objetais, que existiriam desde o princípio da vida. Concentra-se nas relações do primeiro vínculo e descreve os processos de clivagem (splitting) que ocasionam as fragmentações do Eu. A clivagem é simultaneamente interna e externa. Clivagem, negação e onipotência desempenham um papel comparável ao do recalque nos estágios posteriores implicados na neurose. Fixação oral e efeitos das pulsões destrutivas convergem. As projeções se dão dentro da mãe (e não apenas sobre a mãe). É quando é descrita a identificação projetiva (projeção do ódio de partes da própria pessoa, dirigido contra a mãe; identificação com as partes projetadas). A expulsão também pode incluir as partes boas, tendo por consequência o medo de ter perdido a capacidade de amar a despeito da idealização. O Eu pode experimentar o sentimento de não ter nem vida nem autonomia. Clivagem violenta e projeção excessiva colorem a tonalidade persecutória do objeto. Melanie Klein insiste - o que merece ser destacado por ser bastante raro nela - na natureza narcisista derivada dos processos introjetivos e projetivos infantis, pois o objeto nada mais faz senão refletir uma parte do sujeito. Um sentimento de artificialidade emana deles. Um narcisismo excessivo impede a elaboração da fase esquizoparanoide rumo à fase depressiva. Assim, se a posição depressiva tinha ajudado a entender a psicogênese dos estados maníaco-depressivos, o estudo dos mecanismos esquizoides lança luz sobre os estados esquizofrênicos. Uma vez mais, Melanie Klein procura teorizar o que Freud não explorou, ou só desenvolveu de modo insuficiente. Melanie Klein provocou um interesse fulgurante na British Society. Juntaram-se a ela Joan Rivière, Susan Isaacs, Hanna Segal, John Sutherland, Paula Heimann (que em seguida se afastaria dela) e Herbert Rosenfeld. Não cabe fazer o recenseamento dos membros da escola kleiniana. Devido ao interesse deles pelas psicoses, campo em que as ideias kleinianas se impuseram, todos esses autores tornaram-se representantes da escola kleiniana clássica, mantendo-se bastante próximos às teses propostas por Melanie Klein. Bion, embora viesse dessa linha, logo iria se distinguir pela originalidade de suas contribuições. Rosenfeld foi sem dúvida o melhor clínico do grupo kleiniano. Ganhou reputação como especialista nos estados psicóticos. Uma de suas contribuições mais originais concerne aos estados narcisistas. A tendência kleiniana de pôr o acento sobretudo nas relações de objeto tinha levado a desconsiderar a patologia narcísica. Rosenfeld descreveu um narcisismo destrutivo que, tal como eu mesmo já propus anteriormente, é apenas uma das expressões da pulsão de morte. Ele também aprofundou a identificação projetiva, os estados de despersonalização e confusionais. Esmiuçou a noção de psicose de transferência. A toxicomania e o alcoolismo também foram objeto de seus estudos. Que dizer, a título de conclusão, desta breve revisão das ideias de Melanie Klein? Se elas despertaram entusiasmo e fervor, também deram origem a objeções e críticas radicais. Sem voltar até Edward Glover[12], exporemos algumas delas: i. A ênfase muito predominante no papel das pulsões destrutivas mais desnatura do que prolonga a teoria freudiana. Para Freud, o que importava era a intricação e desintricação das pulsões de amor e de vida com a libido. Em Melanie Klein, já não se respeita nenhum equilíbrio; o campo fica todo ocupado pelas pulsões destrutivas. ii. Para muitos analistas, os kleinianos ignoram a noção de inconsciente, pois apenas traduzem para os termos de sua teoria os efeitos conscientemente percebidos da destrutividade. III. A insistência exagerada nos estados precoces desemboca numa teoria em que o anterior sempre explica o posterior e leva a recuar constantemente os pontos de fixação para a oralidade e até mesmo antes. IV. A realidade externa não desempenha nenhum papel por si só. Depende exclusivamente da aceitação da realidade interna. Isso será objeto da contestação winnicottiana. V. O édipo desaparece, pois não pode se resumir ao que dele diz Melanie Klein, e o pai é algo mais que sua representação enquanto "pênis do pai no ventre da mãe". VI. Existe um Supereu precoce antes do édipo, ponto contestado pelo próprio Freud. VII. O Eu fica reduzido a seus mecanismos primitivos. A clivagem tal como concebida por Freud desaparece em prol de uma interpretação kleiniana desse conceito; a cisão separa essencialmente os aspectos subjetivos do objeto mau daqueles relativos ao objeto bom. VIII. As relações de objeto estão presentes desde o começo. A evolução das relações entre Eu e objeto praticamente não desempenha nenhum papel. IX. Os kleinianos apenas leem, citam e levam em conta o que escrevem os outros kleinianos. As bibliografias de seus artigos são de um sectarismo caricatural. O tempo não corrigirá esse estado de coisas, que se resolverá sozinho por um quase cisma com o pensamento de Bion. Ademais, uma oposição aberta às ideias de Klein surgirá sob a pena de Winnicott. Ao reler Melanie Klein nos dias de hoje, a comunidade dos analistas se divide entre a admiração dessa nova visão, invenção que não hesita em levar a hipótese das pulsões de morte até um ponto frente ao qual o próprio Freud teria recuado, e aqueles que resistem a essa visão infernal, apocalíptica, difícil de reconhecer se considerarmos o que nos ensina a experiência com a criança, que parece, em Klein, ter afogado sua libido de amor no banho de sangue das pulsões destrutivas. É sabido que os próprios kleinianos posteriores se viram tentados a transigir com essa concepção extremista que suscita muitas reservas. Formulações alternativas surgiram no seio do movimento kleiniano sob a pena de Bion ou pelo lado de seus companheiros de estrada como Winnicott. Todos aqueles que se relacionaram diretamente com Klein destacaram seu grande rigor, sua prudência antes de propor uma interpretação e seu conhecimento do mundo infantil. Por outro lado, com o passar do tempo, reconhece-se que não era uma grande teórica, e que não deveria ser avaliada nesse terreno. Resta dizer que ela marcou a evolução da psicanálise de modo decisivo, embora tenha provocado ataques virulentos e sido muito combatida. Na IPA, foi posta de escanteio antes de conseguir ser reconhecida. Ainda que conserve muitos opositores, já não se pode ignorar quem foi ela. O mais interessante, porém, foi o fato de ter possibilitado a eclosão de obras como as de Wilfred R. Bion e Donald W. Winnicott. A França, que tem em Jacques Lacan sua menina dos olhos, passou ao largo dessa influência por muito tempo. Intuição precoce de uma verdade por descobrir, ou trágico engano?
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