EDIÇÃO

 

TÍTULO DE ARTIGO


 

AUTOR


ÍNDICE TEMÁTICO 
  
 

voltar
voltar à primeira página

Resumo
Utilizando estudos de várias disciplinas, o autor propõe a a noção de um “livro psíquico” inscrito na mente. Da aquisição da linguagem pelo bebê à absorção da experiência das gerações passadas por meio da literatura, o texto navega em torno da questão de sentido, fundamenta para a constituição do sujeito humano.


Palavras-chave
livro psí­quico; literatura; pensamento; criança


Autor(es)
Evelio Cabrejo-Parra
é psicolinguista. Docente de Linguística na Universidade Paris VII.


Abstract
Bringing to his discussion data from several areas of knowledge, the author proposes the idea of a “psychical book”. From the acquisition of language at an early age to the assimilation of the experience of past generation by the baby, the paper works through the problem of sense, a fundamental tenet in the constitution of the human subject.


Keywords
reading; psychical book; literature; thought; child.

voltar à primeira página
 TEXTO

A leitura antes dos textos escritos

Reading before meeting written texts
Evelio Cabrejo-Parra

Tradução: Leda Barone.

Evelio Cabrejo-Parra sempre se interessou pela riqueza do pensamento humano e pelo que pode colocá-lo em movimento. Neste texto ele faz uma reflexão sobre o ato da leitura, que mostra como uma modalidade necessária da atividade psíquica geral.

Existe uma leitura antes da leitura dos textos escritos. É a leitura do texto oral. Esse ato de leitura é inerente ao fato de pôr em movimento o pensamento. Sabemos que o bebê vem ao mundo com capacidades que lhe permitem tratar as informações que se encontram no mundo físico e também no vasto mundo da intersubjetividade. A voz da mãe já está inscrita no psiquismo do bebê em seu nascimento. Essa inscrição começa no final do quarto mês de gestação quando a capacidade auditiva do feto se organiza de tal maneira que as informações sonoras já estão acessíveis ao seu aparelho auditivo. Isso põe por terra todos os conceitos de tabula rasa, uma vez que o bebê é capaz de tratar as informações ligadas à voz e fazer emergir delas o sentido. Que ele consiga distinguir a voz de sua mãe das outras vozes que o rodeiam já supõe uma discriminação mental que põe a caminho o movimento do pensamento.

Essa capacidade lhe permite também se colocar como um pequeno sujeito no meio do mundo complexo e abstrato da intersubjetividade. Ele vem de fato ao mundo igualmente armado da capacidade de reconhecer seus congêneres. O rosto da mãe vai ter um papel fundamental nessa colocação em movimento de sua atividade psíquica porque um rosto não é simplesmente alguma coisa que contém uma boca, um nariz e olhos, mas é um livro que envia permanentemente informações que o bebê processa a cada instante mesmo se não nos damos conta.

Onde está a leitura nisso tudo?

Podemos falar de leitura antes da escrita porque, em todas essas capacidades para ler a voz e o rosto, coloca-se em movimento uma atividade interpretativa que permanecerá o centro da criação do sentido pelo psiquismo humano. E isso permite dizer que o ato de leitura está, de certa forma, na origem da atividade do pensamento. É a ontogênese do pensamento porque o sentido, que é uma espécie metapermanente do espírito, não está dado completamente. É preciso construí-lo a partir das informações recebidas. O ato de leitura intervém na leitura que o sujeito faz das informações que recebe e que lhe servem para pôr sua atividade psíquica em movimento. Por esse caminho ele chega a construir um sentido e essa é uma das finalidades da atividade psíquica em geral.

Dou muita importância a esse movimento precoce da atividade psíquica que já implica uma leitura e que de certa forma pode ser considerada como o ancestral necessário da leitura de um texto escrito. Sem essa primeira leitura, as outras não poderiam ter lugar. Vemos quanto o adulto tem um papel fundamental na instauração dessa atividade precoce de leitura dando permanentemente informações que a atividade psíquica do bebê pode tratar.

Creio que toda mãe antes do parto se preparou para um encontro com um sujeito em construção, em nascimento, para poder alimentá-lo de uma maneira bem específica adaptada às competências do bebê. A mãe faz uma espécie de regressão linguageira para começar um diálogo particular com o bebê que por sua vez lhe reenvia ecos das informações que ela lhe dá e aos quais ela é extremamente sensível. Esse diálogo se passa tanto no nível do corpo quanto da voz. Quando pegamos um bebê, constatamos que ele participa desse ato endurecendo seu corpo. Se o bebê fica como uma espécie de boneca de pano, isto quer dizer que ele não dialoga e que o pegar no colo não é tão fácil.

Podemos então definir a capacidade de linguagem como uma capacidade específica da nossa espécie de tratar e reenviar em eco as informações que vêm do outro.

O livro psíquico

O que se passa na construção psíquica da criança no momento em que a leitura acontece? Constatamos que o destino da atividade psíquica se realiza em três movimentos que fazem parte da atividade de ler.

Trata-se em primeiro lugar de ler permanentemente informações que vêm do mundo da intersubjetividade, esse mundo tão difícil, no qual se realiza nossa vida e se desenvolvem o amor, o ódio, o reconhecimento, a mentira etc. Em segundo lugar, ler, utilizando todos os nossos sentidos, as informações do mundo físico, quer dizer, do mundo exterior. Em último lugar, ler também as informações do mundo interno, o que cada um sente no fundo de si mesmo. Cada pessoa, sem o saber, está então, sem cessar, lendo três livros: o livro da intersubjetividade, o livro do mundo e um livro interno. A intersubjetividade participa evidentemente da construção do livro interno. Todas as paixões de uma alma, todos os fantasmas de nosso espírito fazem parte de nosso livro psíquico e nós poderíamos dizer que cada ser humano, desde seu nascimento, ao longo de todo seu desenvolvimento psíquico, está escrevendo seu próprio livro que ficará sempre inacabado. Falo de livro de maneira metafórica, pois creio que o homem não inventou o livro por acaso, mas porque ele tem um livro nele. É, sem dúvida, em razão desse livro enraizado na psique de cada ser humano que entendemos mais tarde todos os outros livros.

Esse primeiro livro simbólico no fundo de cada um de nós, esse livro psíquico, está escondido, mas sempre presente. Ele não se apaga. O outro, o livro que nós podemos segurar em nossas mãos, é enfim uma espécie de eco do livro que portamos dentro de nós. Não é um acaso se todos os pesquisadores que se interessam pela teorização da psique utilizam metáforas do livro e falam sobre “primeira inscrição” (Freud), de “segunda inscrição”, de “a letra” (Lacan). É preciso obrigatoriamente ressuscitar o livro psíquico, esse grande esquecido da leitura, para poder entrar ou fazer entrar um leitor no livro físico, aquele que conhecemos como objeto e que contém todas as culturas do mundo.

Poderíamos dizer que a literatura é a leitura da leitura porque o escritor, afinal, escreve lendo seu livro psíquico. O ato de escrever não vem do nada, ele vem de algum lugar que poderia ser o livro psíquico do autor lendo o seu livro psíquico enquanto escreve. Quando lemos seu texto escrito, não fazemos outra coisa que a leitura que ele mesmo fez de seu próprio livro psíquico. E colocamos logo em movimento nosso próprio livro psíquico que contém forçadamente passagens que não gostaríamos de ler, passagens que gostaríamos de apagar e páginas que preferiríamos saltar. Podemos virar as páginas do livro físico, mas não as do livro psíquico que, como todo bom livro de literatura, é profundamente condensado e oferece leituras inesgotáveis. Todas as nossas experiências de intersubjetividade, todos os nossos fantasmas psíquicos, toda a nossa experiência do mundo físico ali estão consignados, inscritos. A leitura de um livro condensado é, enfim, o eco da condensação do livro psíquico do ser humano.

Construir sentido, função essencial da atividade psíquica

Essas reflexões encontram certamente ressonância no ato de ler tal como concebemos praticálo na a.c.c.e.s.. Por que, de fato, lemos para as crianças? Por que gastamos tanta energia humana e mesmo econômica em torno do ato de ler com crianças pequenas? Não lemos assim para que as crianças se tornem no final muito bons leitores, mas porque sabemos que essas leituras permitem instalar alguma coisa de fundamental para uma criança: a descoberta de que os textos são coisas que têm um sentido, muitos sentidos, e que cada sujeito deve trabalhar um pouco para chegar a construir sentido na sua mente. É a retomada daquilo que se passou no começo com a língua estritamente oral. O bebê compreende rapidamente que o que dizem os adultos, o movimento de sua boca, o som têm um sentido que ele interpreta. Essa função interpretativa já é colocada quando começamos a ler para as crianças os textos, e se elas são tão sensíveis à voz e aos nossos rostos é porque leem permanentemente. Não sabemos o que elas compreendem, mas sabemos que compreenderam alguma coisa e que uma espécie de movimento psíquico aconteceu. Cada criança constrói coisas diferentes que não são também as mesmas que as dos adultos, exatamente como na leitura do mundo em que sabemos que o bebê não analisa as informações como o adulto.

É preciso respeitar o pequeno sentido que ele elabora para lhe permitir se construir enquanto sujeito, para que essa elaboração possa ser fonte de pensamento e de atividade linguageira. Se não respeitamos essa atividade psíquica, se não a alimentamos, convidamos então a criança a se colocar simplesmente no mundo da injunção, isto é, no mundo das ordens que damos. Nesse caso, ela está submetida permanentemente aos desejos do outro e não pode emergir enquanto sujeito. A relação com a linguagem não será jamais a mesma na criança a quem o adulto terá imposto seu pensamento e sua interpretação das coisas e na criança cuja atividade psíquica terá sido de antemão reconhecida. É a diferença entre uma linguagem contada que apenas repete o discurso do outro e uma linguagem criada pelo sujeito.

Um reconhecimento recíproco e permanente

O papel do adulto é de permitir então à criança que essa atividade própria de pensamento possa emergir na sua mente, de acompanhá-lo e de lhe enviar ecos permanentemente. A criança se apega a sua própria atividade psíquica e começa a gostar da leitura de seu mundo psíquico, como o prova a aparição das primeiras sílabas. Instaura-se, então, um primeiro diálogo entre o bebê que pronuncia as sílabas e o adulto que as repete. Essa troca envia ao bebê um eco de sua atividade psíquica, lhe mostra que sua pequena sílaba colocou em movimento a atividade de pensamento daquele que o escuta. Ela lhe envia um índice novo, lhe dá um espelho simbólico de sua atividade psíquica. Esse reconhecimento recíproco e permanente da intersubjetividade funda a linguagem, cada um está presente simbolicamente no discurso do outro e nós sabemos que o bebê precisa desse reconhecimento de sua atividade psíquica quando ele está em companhia de adultos.

A intersubjetividade supõe um longo percurso de instalação da organização psíquica. Já aparece na distinção das vozes e na diferenciação dos rostos. Quando, por volta dos seis meses, as crianças ficam surpresas de ver rostos que não conhecem, podemos considerar isso como uma boa notícia, visto que é a prova de que a representação do rosto da mãe está bem instalada. A criança que esperava ver um rosto vê outro, e acontece então uma espécie de pequeno pânico psíquico necessário à organização da intersubjetividade. Vai ser preciso que o bebê possa aprender a olhar através do rosto de sua mãe todos os outros rostos que ele vai ver durante toda a sua vida. Todas as culturas inventaram, aliás, brinquedos, ditos de triangulação, como o chocalho, que favorecem essa necessária organização psíquica. Colocamos assim dentro do berço um pequeno objeto que olhamos a dois numa visão conjunta, bem longe dos olhares narcísicos diretos, já que se trata de olhar alguma coisa que não é nem eu nem você, mas outra coisa pela qual nos interessamos juntos. É uma espécie de objeto transicional da mesma ordem que as primeiras sílabas. Assim, nos interessando pelas sílabas da criança, nos interessamos simplesmente por sua atividade psíquica, introduzimos a triangulação e lhe permitimos criar as diferenças psíquicas necessárias à viagem do pensamento.

Todos esses movimentos do pensamento vão em seguida se condensar no ato de mostrar. Quando um bebê, antes de dizer suas primeiras palavras, começa a apontar os objetos aos outros, podemos dizer que toda a linguagem já está lá. De fato, mostrar alguma coisa a alguém quer dizer que a representação do outro já está inscrita na mente daquele que mostra com o dedo. O ato de mostrar é absolutamente necessário à aparição das primeiras palavras: é nesse movimento que a criança vai poder captar a designação sonora que o adulto diz em resposta ao que ela lhe mostrou. O outro está presente nos próprios sons porque as palavras vêm dos outros, daqueles que já possuem a língua. Tudo isso faz parte da intersubjetividade, que vai em seguida tomar contorno na língua sob a forma dos pronomes, por exemplo. Ao se nomear a si mesmo quando fala, o sujeito coloca o outro. É possível que, se a criança não pudesse fazer esse percurso que consiste em mostrar um objeto a outro, ela não pudesse aprender os pronomes. Compreendemos até que ponto o funcionamento da atividade psíquica é tão sofisticado quanto mais é silencioso. Ele constitui uma espécie de cadeia interna, uma área psíquica que se constrói permanentemente, que não esqueceu as construções do passado e que sempre se integra em movimentos novos. O protótipo da intersubjetividade não é nada mais que o discurso, o diálogo dos adultos que consiste finalmente em reenviar ao outro o eco semântico do que ele acabou de enunciar, eco que vai ao mesmo tempo modificar e talvez mudar o discurso de um e de outro. É uma espécie de transferência natural, quer dizer que cada um serve de espelho à atividade psíquica do outro e vice-versa. É preciso que a criança aprenda a se olhar nos seus espelhos e olhar os espelhos dos outros.

Os espelhos dos contos

O que se passa naquele momento na língua oral se passa também nos contos e a literatura em geral. Eles oferecem uma quantidade de espelhos suscetíveis de permitir à criança se olhar através do espelho da atividade de pensamento dos autores dos contos. Tanto que os contos põem em cena momentos fundamentais da atividade psíquica, da construção arquitetônica psíquica. O livro de Martin Waddell, Bebês corujas, testemunha isso. Os bebês corujas colocam alguma coisa fundamental que podemos chamar de a espera, o que nos bebês ocorre geralmente por volta dos seis meses. Então ele é capaz de se lembrar das relações que teve com alguém e espera, às vezes, uma espécie de repetição daquelas relações. Essa espera introduz uma ocorrência da organização da temporalidade psíquica na medida em que, como os bebês corujas, a criança deseja alguma coisa, quer dizer, ela cria um futuro psíquico ao se lembrar de alguma coisa do passado. Todas as estruturas verbais da língua são contidas nessa “espera alegre”, para retomar os termos de René Diatkine, esse momento em que a criança não está desorganizada na sua temporalidade psíquica, mas espera o retorno da mãe. Os bebês corujas realizam isso, eles esperam e nesse meio tempo essa espera produziu de repente uma espécie de pequeno pânico, o pânico da voz, dos contos, da literatura que faz trabalhar psiquicamente e permite ao mesmo tempo introduzir desconhecidos, esperas e inesperados. Vemos que as histórias não são nada mais que a encenação dos movimentos psíquicos inerentes à espécie humana. Elas utilizam um psicodrama da humanidade no qual cada indivíduo vai poder encenar seu próprio psicodrama. E se todas as culturas inventaram contos é porque eles são da ordem da necessidade. Não podemos imaginar uma língua sem literatura.

Quanto mais a humanidade avança, mais constrói contos e obras literárias que criam uma condensação cultural. Uma espécie de experiência humana se transmite dessa forma de geração em geração, permitindo a cada vez que cada geração possa ter um teatro no qual se aliviar apoiando-se sobre a experiência dos mais velhos.

Mas a encenação da literatura tem um ancestral, na fonte da linguagem também, é mais uma vez a atividade dêitica, o ato de mostrar. O ato de mostrar é uma encenação que responde a alguma coisa fundamental na atividade psíquica da criança. É preciso sublinhar que o ato de mostrar não toca o objeto, mas o mostra a certa distância. Pode ser o pássaro que passa e que a criança vê, a pomba que chega à sacada e que a criança viu através da janela, e que ela mostra dizendo ao outro “o quê?”. Ela mostra, sobretudo pelo objeto, que esse elemento produziu nela um acontecimento psíquico. Em outras palavras, ela o utiliza como suporte para fazer ver ao outro o inexprimível do que ocorreu em sua mente. É o que chamamos teatro, a encenação, e cada um se serve dela para fazer ver por meio de certas materialidades o inexprimível da mente. Achar suporte para fazer ver ao outro o que se passa na sua mente constitui a encenação fundamental. A palavra em si é uma espécie de teatro universal. Como o livro, o teatro está inscrito na psique humana, faz parte das atividades humanas. Somos todos atores sem saber, como o bebê é um linguista que se ignora.

Encenações inesgotáveis

A linguagem é então um meio que está permanentemente a nossa disposição para realizar nossas encenações. Se os contos e os livros de literatura são encenações do que se passa na psique, o sujeito que lê encena as modalidades de interpretação daqueles contos. O mesmo livro suporta interpretações, isto é, encenações inesgotáveis. A pessoa que lê contos para as crianças faz a cada vez uma encenação diferente do mesmo livro. Todos esses contos têm em comum, como eu o dizia, o que podemos chamar os fantasmas psíquicos, o amor, o ódio, o ciúme… Quem não tem uma experiência de ódio? Quem não tem uma experiência de amor? Quem não tem uma experiência de ciúme? Quem não tem uma experiência de mentira? Esses pequenos fantasmas psíquicos são inerentes à espécie humana. Os contos os encenam. Permitem dizer à criança, não diretamente, que aqueles fantasmas são um problema que pertence a todos e que não há razão de se preocupar.

Como essa encenação é simbólica, ela traz a criança a outro espaço psíquico, a um outro tempo, retomando assim as temporalidades da língua escrita e da língua oral. Na língua oral, toda a organização do tempo é identificada em relação ao momento da enunciação, o passado e o futuro têm sentido em relação ao agora. A temporalidade da língua escrita se constrói dentro do texto: “a semana passada” em um texto não significa a mesma coisa que “a semana passada” na oral. Aprender a escrever, a ler e compreender a escrita é aprender uma nova modalidade do tempo. Os contos deslizam uma temporalidade muito particular reportando a história, pela simples forma “era uma vez”, a um tempo muito longínquo. Se houver uma quantidade de temporalidade (tempo histórico, tempo dos contos, tempo físico, tempo mítico, tempo psíquico, tempo da memória e tempo biológico), só o tempo da língua é o mesmo para todos.

O próprio da leitura é relacionar as informações da intersubjetividade às informações que vêm do mundo interno e as que o pensamento do autor pôs em cena no texto. Se a intersubjetividade da qual falamos no começo não se faz, a leitura não poderá se fazer, pois a intersubjetividade é inerente à leitura. De fato, o pensamento do autor, a atividade psíquica do outro, põe em movimento o meu. Qualquer leitura é um ato de amor, já que coloco em movimento o pensamento de um autor ao mesmo tempo que coloco em movimento minha própria atividade psíquica. Pôr em movimento o pensamento de um autor ausente é algo importante, uma espécie de compromisso dos viventes, uma forma de dizer que o pensamento é imortal e se põe em movimento quando outro pensamento o solicita. Interessar às crianças ler o mundo psíquico lhes permite se interessar na leitura do livro. É porque se interessa pela leitura de seu próprio livro psíquico, e pelo dos outros, que o destino humano toma toda a sua forma.

A leitura está no centro do movimento do pensamento tanto no bebê como no adulto. A leitura dá sempre pensamentos novos. Podemos passar a vida tentando compreender o que se passa dentro de nós mesmos e teremos sempre a possibilidade de ler as coisas de outra forma. A leitura de seu livro psíquico introduz cada vez à dúvida, um “talvez” permanente.

A meta da leitura é então também, por meio da instauração de todos esses fantasmas, pelos contos de crianças, levar cada pessoa a se interessar pelo seu próprio livro. Creio que a leitura desse mundo psíquico é da ordem de um reflexo antropológico. Esse mundo é povoado de fantasmas que dão medo, mas que podemos pôr em cena ao nos servirmos da encenação dos outros. Naquele momento nos fazemos acompanhar simbolicamente. Creio que essa é a meta da leitura.

topovoltar ao topovoltar à primeira páginatopo
 
 

     
Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
Sociedade Civil Percurso
Tel: (11) 3081-4851
assinepercurso@uol.com.br
© Copyright 2011
Todos os direitos reservados