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Resumo
Este artigo parte da literatura à psicanálise e realiza uma leitura da obra do escritor paulista Raduan Nassar, sobretudo do romance Lavoura arcaica e da novela Um copo de cólera. O recurso então é a uma psicanálise implicada, considerada em sua ficcionalidade.


Palavras-chave
Literatura; Raduan Nassar; psicologia da arte; psicanálise implicada


Autor(es)
Renato Tardivo
é psicanalista e escritor. Mestre e doutor em Psicologia Social pela usp. Pós-doutorando em Psicologia da Saúde (Metodista/capes). Autor, entre outros, de Porvir que vem antes de tudo– literatura e cinema em Lavoura arcaica.


Notas
1  As informações sobre a biografia de Raduan Nas- sar constam dos Cadernos de Literatura Brasileira, n. 2, 1996.
 
2  Cadernos de Literatura Brasileira, op. cit., p. 36
 
3  N. M. Kon, A viagem: da literatura à psicanálise.

4  J. A. Frayze-Pereira, Arte, dor: inquietudes entre estética e psicanálise. 

5  M. Merleau-Ponty, Fenomenologia da percepção.

6  M. Merleau-Ponty, "A linguagem indireta e as vozes do silêncio". 

7  N. Kon, op. cit.

8  O. Ianni, Ensaios de sociologia da cultura, p. 89. 

9  R. Nassar, Um copo de cólera, p. 85.

10  Cadernos de Literatura Brasileira, op. cit., p. 29.

11  Cadernos de Literatura Brasileira, op. cit., p. 29.

12 R. Nassar, Lavoura arcaica, p. 160. 13 S. Freud. El malestar en la cultura.

 


Referências bibliográficas

Bion W. (1989). Uma memória do futuro. São Paulo: Martins Fontes.

_____. (1991). O aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Imago.

Cadernos de Literatura Brasileira: Raduan Nassar. (1996). São Paulo: Instituto Moreira Salles, n. 2.

Frayze-Pereira J. A. (2006). Arte, dor: inquietudes entre estética e psicanálise. São Paulo: Ateliê Editorial.

Freud S. (1915/2007). La transitoriedad. Buenos Aires: Amorrortu. (Sigmund Freud: obras completas, v. 14).

_____. (1930/2007). El malestar en la cultura. Buenos Aires: Amorrortu. (Sigmund Freud: obras completas, v. 21).

Ianni O. (1991). Lavoura arcaica. In: _____. Ensaios de sociologia da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

Kon N. (2003). A viagem: da literatura à psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras.

Merleau-Ponty M. (2004). A linguagem indireta e as vozes do silêncio. In: _____. O olho e o espírito. São Paulo: Cosac Naify.

_____. (2006). Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes.

Nassar R. (1975). Lavoura arcaica. Rio de Janeiro: José Olympio.

_____. (2002a). Lavoura arcaica. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras.

_____. (2002b). Menina a caminho e outros textos. São Paulo: Companhia das Letras.

_____. (2004). Um copo de cólera. São Paulo: Companhia das Letras.

Ricoeur P. (2007). A memória, a história e o esquecimento. São Paulo: Unesp.

Safatle V. (2008). Imagem não é tudo. Folha de S. Paulo, caderno Mais!, p. 8, 15 jun.





Abstract
The paper offers a psychoanalytic reading of Nassar’s novels Lavoura arcaica (Archaic tillage) and Um copo de cólera (A glass of wrath). The author proposes to change “applied Psychoanalysis” into “implied Psychoanalysis”.


Keywords
Literature; Raduan Nassar; psychology of art, “implied Psychoanalysis”.

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 TEXTO

Literatura e psicanálise: a poética de Raduan Nassar

Literature and Psychoanalysis: the poetics of Raduan Nassar
Renato Tardivo

Nascimento e morte do escritor

Raduan Nassar, filho de imigrantes libaneses, é paulista da cidade de Pindorama[1]. Na adolescência, vem com a família para São Paulo em busca de melhores oportunidades de estudo. Ingressa na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e no curso de Letras Clássicas, ambos na Universidade de São Paulo. Abandona, em seguida, o curso de Letras e começa a cursar Filosofia - única faculdade que, entre idas e vindas, viria a concluir anos mais tarde.

 

Nos anos 1960, decidido a se dedicar à literatura, Raduan se divide entre a produção rural - chega a presidir a Associação Brasileira de Criadores de Coelho - e as atividades no Jornal do Bairro, semanário fundado pelos irmãos Nassar, do qual foi redator-chefe.

 

Deixa em 1974 a direção do Jornal do Bairro e leva a cabo o projeto cujas primeiras anotações datavam de alguns anos: em poucos meses, trabalhando dez horas por dia, conclui o romance Lavoura arcaica - sua obra de estreia -, publicado (com ajuda financeira do autor) em 1975.

 

"Quando fiz minha estreia com o Lavoura", diz o escritor, "já tinha escrito minha obra completa"[2]. É que a primeira versão de Um copo de cólera, novela publicada em 1978, fora escrita no início da década de 1970; os contos que compõem o livro Menina a caminho e outros textos, publicado em 1997, datam dos anos 1960 - exceção feita a "Mãozinhas de seda" (produzido na década de 1990). E foi só.
 

Poucos anos após ter estreado, mais precisamente em 1984, ele anuncia o abandono da literatura para se dedicar exclusivamente à produção rural. Ora, já estava tudo escrito - antes mesmo da estreia.

 

Apesar de pouco extensa, entretanto, sua produção é bastante farta. Poucas vezes na literatura das últimas décadas o rigor formal e o engajamento político encontraram o simples em um universo tão poético. A obra de Raduan Nassar confirma a máxima de que um escritor escreve para morrer: não há outro destino às suas palavras senão o retorno à terra da qual brotaram.

 

Neste artigo, realizo uma leitura da obra de Nassar, especialmente de Lavoura arcaica e Um copo de cólera, partindo da literatura à psicanálise[3] - de modo que o recurso seja a uma psicanálise implicada[4]. Ou seja, as noções psicanalíticas aqui trabalhadas decorrem de um encontro demorado com a obra do autor.

 

 

Assim, este texto não se presta a uma aplicação a priori de conceitos psicanalíticos à literatura. Em vez disso, trata-se de um trabalho em que o foco é a interpretação, entendida enquanto um olhar que inaugura perspectiva[5]. Dessa forma, o compromisso deste artigo é com a poética de Raduan Nassar; poética imbricada à psicanálise que se desenha no encontro com a literatura.

 

Enquanto potencialidade de sentido alojada no texto literário[6], a teoria psicanalítica a que se recorre - já conhecida, portanto - é ao mesmo tempo emblema do novo, uma vez que, fertilizados pela literatura, os conceitos encarnam-se. Assim, a psicanálise também é ressignificada, reatualizada - o que aponta para sua dimensão ficcional[7], sua potência poética, disruptiva, e a aproxima da expressividade própria à obra de arte.

 

A literatura

Em Lavoura arcaica, André rememora (reconstrói) a tragédia que assolou sua família. Sufocado entre as leis rígidas do pai e o excesso de afeto da mãe, ele reivindica os seus direitos no incesto consumado com a irmã, Ana. E, depois disso, não vislumbra outra alternativa a não ser deixar a casa.

 

O romance, cuja estrutura é parabólica, divide-se em duas partes: "A partida" e "O retorno". Na primeira, Pedro, o primogênito, cumpre sua missão e resgata o irmão mais novo do exílio (um quarto de pensão interiorana). Contudo, "a fuga de André mudara tudo, na aparência de nada mudar"[8]. Mudanças irreversíveis abalaram a estrutura familiar. "O retorno", então, é mais curto e arrebatador: marca a dissolução da família.

 

Consumada a tragédia, André, que assiste a tudo na condição de protagonista, não consegue se desvencilhar daquela estrutura. E, assim, transforma-se em narrador-personagem do texto que ele mesmo costura a partir dos estilhaços de memória dispersados pelo tempo irremediavelmente trágico.

 

Já na novela Um copo de cólera, há o embate entre as personagens "ele" e "ela". Um acontecimento corriqueiro dispara a discussão acalorada entre o casal - um chacareiro e uma jovem jornalista. Diferentemente do romance, no qual a temática mítica confere ao texto uma temporalidade arcaica, na novela o tempo é curto, decisivo.

 

Enquanto Lavoura arcaica empreende um mergulho nas profundezas daquela família, desde as rememorações mais arcaicas até as (im)possibilidades para que ocorram mudanças, Um copo de cólera é um instantâneo. A linguagem colérica e teatralizada engolfa as personagens, chegando ao extremo de, numa espécie de nascimento às avessas, abrir-se "inteira e prematura pra receber de volta aquele enorme feto"[9].

 

Todavia, há diversos pontos de contato entre as duas obras: o refinamento da linguagem, os períodos longos, as metáforas sensíveis, a teatralidade, a circularidade.

 

Os textos são intensos, as palavras duelam entre si - mantêm uma "camaradagem com o Anjo do Mal", confessa o escritor. "Impossível deixá-lo de fora quando eu pensava em fazer literatura. Não se pode esquecer que ele é parte do Divino, a parte que justamente promove as mudanças"[10].

 

A força do seu verbo, portanto, não mantém pacto exclusivo com o "Anjo do Mal". Suas narrativas também escoam entre a outra margem: a "luz porosa da infância" de Lavoura arcaica, o gozo da "fantasia de se sentir embalado pelo mundo" do belíssimo conto "Aí pelas três da tarde", os pés comparados a "dois lírios brancos" em Um copo de cólera. Sagrado e profano encontram-se em "mistura insólita", para utilizar uma expressão do narrador de Lavoura arcaica.

 

Implicações: ordem e desordem

"Seja como for, talvez a gente concorde nisso: nenhum grupo, familiar ou social, se organiza sem valores; como de resto, não há valores que não gerem excluídos. Na brecha larga desse desajuste é que o capeta deita e rola"[11]. Esse comentário de Raduan sobre Lavoura arcaica é sugestivo, e, ao que parece, estende-se a toda sua obra.

 

O acontecimento corriqueiro que em Um copo de cólera precipita a discussão entre "ele" e "ela" é o rombo feito por uma comunidade de saúvas na "cerca-viva" - feita de plantas - da chácara. As formigas, "tão ordeiras", violam a ordem da propriedade. É o suficiente para "o esporro" da personagem "ele". O chacareiro não é senhor da própria chácara.

 

Não há cerca que não gere excluídos. "Toda ordem traz uma semente de desordem"[12], diz ao pai o filho pródigo, em Lavoura arcaica. Com efeito, os contornos de André perdem-se nos (des)contornos dos "corredores confusos" da casa da família. Uma vez mais, há o desajuste de que fala Raduan Nassar. Ora, a imagem do corpo de André coberto de folhas é alusiva de um retorno à natureza, além e aquém da vida. Brecha larga, híbrida, onde continente e conteúdo se confundem.

 

A psicanálise de raiz freudiana trabalha com a hipótese segundo a qual o homem precisa ceder algum grau de satisfação para que haja civilização. No célebre texto O mal-estar na cultura[13], Freud contrapõe a satisfação pulsional às exigências da cultura. Grosso modo, é sobre a brecha marcada pelo conflito entre satisfação pulsional e cultura que a psicanálise vai se debruçar.

 

Nessa medida, a psicanálise pode se deixar fertilizar pela literatura de Raduan Nassar. Tome-se o narrador-personagem de Lavoura arcaica. Ao voltar o olhar para a história que assolou sua família e organizar os estilhaços de memória em um texto - daí a força da narrativa.

 

Mas não é André senão Ana, a irmã, quem ao final vai colocar-se com contundência diante do impasse - o que precipita a tragédia. Nessa mesma medida, em Um copo de cólera, narrado quase até o fim por "ele", é a personagem "ela" quem, no último capítulo, assume as rédeas da narrativa e encaminha o seu desfecho. Nos dois livros, as mudanças são levadas a cabo pelas mulheres; os homens, que vivem/narram o impasse, confundem-se com ele: enredam-se.

 

A partir do impensado

Enredam-se em meio à lavoura; dentro do copo. A escrita de Nassar é opaca: continente e conteúdo alimentam-se um do outro. Se o continente acolhe e acrescenta sentido aos desajustes, estes só existem enquanto extensão daquele.

 

Essa metáfora, no campo da psicanálise, aparece na obra O aprender com a experiência, de 1962, do psicanalista inglês Wilfred Bion[14]. De acordo com o psicanalista, a mãe funciona como um continente mental que acolhe e acrescenta sentido àquilo que não tem sentido, proporcionando ao seu bebê a conquista de contornos às experiências mais assombrosas e inominadas.

 

Para Bion, o bebê tem uma pré-concepção inata do seio, concepção que o faz procurá-lo. Em parte, ele o encontra; mas não encontra de modo completo o seio desejado. O pensar, o mundo interno, a realidade psíquica, a introdução da vida mental, enfim, ocorrem se e quando o bebê tolera a dor da frustração de não encontrar o seio tal qual desejou. Isso se dá porque a distância entre o seio real e seu desejo o força a tolerar a ausência de posse de um objeto concreto.

 

Quer dizer, caminha-se do impensado a um possível nível de pensamento, do não sentido ao sentido, em um processo que se dá a fim de que a pessoa se torne mais ela mesma: aquilo que se é. O caminho é poético e paradoxal. Como definiu brilhantemente o próprio Bion, a busca se dá em direção a uma memória do futuro[15].

 

A imagem da cerca, em Um copo de cólera, é emblemática da busca por acolhimento, proteção, pertencimento. Ou, ainda, as saúvas, que expandem os limites do formigueiro - e tanto irritam o chacareiro - reinauguram a temática ordem/desordem na qual continente e conteúdo estabelecem entre si uma relação dialética: a narrativa, então, engravida de significados.

 

Em Lavoura arcaica a questão também está presente. Sufocado pelas forças familiares que o oprimem, André reivindica seus direitos, paradoxalmente, em um mergulho na própria tessitura da família. A união com a irmã, nessa direção, aponta para um retorno à unidade ancestral perdida. Ocorre que, sem ter mais como dar vazão ao investimento libidinoso, voltado à família e concretizado no encontro com o corpo da irmã, a permanência de André na casa não se sustenta. Ele tem de se haver com a solidão: "pela primeira vez eu me senti sozinho nesse mundo"[16].

 

Contudo, fora de casa ele tampouco tem projeto. A estrutura de que André não consegue se desvencilhar é a mesma contra a qual ele se insurge. Eis o paradoxo que o narrador-personagem vive ao limite: ele é o filho que parte, mas volta; desafia o pai, mas cede; escancara o discurso endogâmico da família, mas reclama os seus direitos no incesto concretizado com a irmã. E, finalmente, sofre a dor de um tempo impiedoso, mas se reencontra com tudo aquilo ao costurar os estilhaços do que restou em um depoimento.

 

Em suma, as narrativas caminham ritmadas pelas relações de pertencimento e recusa, ordem e desordem. Essas dualidades trazem consigo toda uma potencialidade criativa e reflexiva; potencialidade que continua nas possibilidades múltiplas de leitura.

 

Memória do futuro

"O tempo, o tempo, o tempo e suas águas inflamáveis, esse rio largo que não cansa de correr, lento e sinuoso, ele próprio conhecendo seus caminhos"[17]. A temporalidade aparece com destaque em todos os textos de Raduan Nassar, mas é no romance que ela é levada às últimas consequências. Debrucemo-nos sobre essa questão.

 

A lavoura cuja colheita remete ao antigo permanece. Ao escoar de uma margem à outra, André acaba por confundir-se com elas. Suas lembranças perpetuam-se e, ao mesmo tempo, ratificam a dimensão trágica da existência, o caráter irrecuperável do tempo. André é o novo e o velho: o passado que rói o futuro e infla ao avançar e que, justamente em função da permanência do que fica para trás, jamais poderá se repetir em sua plenitude. André e, por extensão, a narrativa trazem ao limite as marcas da ambiguidade: "o jogo alegre e suave de sombra e luz"[18]. Visível e invisível intrincados no corpo do texto.

 

Isso implica considerar que há sempre a possibilidade para novas articulações entre as inscrições do vivido. A temporalidade que rege o "teatro interno"[19] de André não é, portanto, a cronológica. O texto é escrito em après-coup; o tempo do "só depois", marcado pela mistura de tempos, pelas constantes ressignificações[20]. O testemunho, sua narrativa autobiográfica, é puxado do fosso pelo guardião zeloso das coisas da família - e, assim, reativado. Sua empreitada parece caminhar nessa direção: espécie de teatro interno em que, com efeito, as inscrições do passado são constantemente ressignificadas e revividas. André vive pela primeira vez de novo a sua história.

 

Mas "é diante de alguém que a testemunha atesta a realidade de uma cena à qual diz ter assistido"[21]. Cabe, portanto, a pergunta: a quem André dirige o seu testemunho?

 

Dentre todos os membros da família, a única figura de quem André não consegue se aproximar é o pai. Não há contato de fato entre ambos. Nessa relação, os afetos não são postos em dia; estrangulam-se. À superfície, trata-se de dois pontos de vista radicalmente opostos. Mas André sempre retorna à família, no invisível: a casa velha, os corredores confusos, a copa das árvores. Assim, manter-se atrelado àquela estrutura significa empreender o diálogo - ou prosseguir tentando fazê-lo - que, quando ainda era tempo, não teve lugar. Não é à toa que a voz seja dada ao pai em tantas passagens do romance.

 

André parece buscar continuamente a referência paterna de que não pôde se valer. Olhar para a história que "com olhos amenos" ele irá (re)construir é olhar para a sua origem, o arcaico: olhar para o olhar. Terminar o texto "em memória" do pai é (re)começar tudo de novo a partir dessa "tábua solene" (já incendiada). É para o pai que André escreve seu testemunho.

 

 

Retorno que, em Um copo de cólera, se dá ao ventre da personagem "ela" - retorno análogo, aliás, ao do conto "Um ventre seco", no qual o narrador dispara um discurso violento endereçado à ex-mulher. Diferentemente das camadas de memória acessadas pelo narrador-personagem de Lavoura arcaica, em Um copo de cólera e "Um ventre seco", a dimensão temporal é da ordem de um instantâneo.

 

Tendo o copo como continente, a temporalidade contida em Um copo de cólera tende à circularidade. Podemos pensar, nessa direção, o retorno ao ventre da mulher (mãe) - retorno que em Lavoura arcaica está sempre presente como potencialidade, e jamais se realiza. Tendo a lavoura como continente, a temporalidade contida em Lavoura arcaica tende a ser espiralada: o retorno nunca se realiza no mesmo ponto de partida.

 

Ora mais colérica, ora mais lírica, a poética nassariana fala eminentemente dos contrastes, empreende retornos, questiona as (im)possibilidades para que ocorram mudanças. A linguagem, arduamente trabalhada, dá muitos frutos - às vezes um tanto secos, é verdade. Mas a questão da ressignificação daquilo que se vive - daquilo que se é - está sempre presente.

 

Finalmente, pensemos o título da obra mais significativa do autor. "Lavoura" remete àquilo que será colhido, ao futuro, ao porvir; "arcaica", ao passado, àquilo que vem antes de tudo. Podemos traduzir Lavoura arcaica por "porvir que vem antes de tudo". Por sinal, Lavoura arcaica é o primeiro livro de Raduan a ser publicado, e o último a ser escrito: marcas das questões, tais quais memória do futuro, que a sua literatura - a "safrinha", diria Raduan - nos daria a ver.  

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