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Resumo
Resenha de Emilio e Geneviève Rodrigué, El contexto del proceso analitico, Buenos Aires, Paidós, 1966, 245 p.


Autor(es)
Maria Thereza Ávila Dantas Coelho
é psicanalista, professora titular da UNIFACS, doutora em Saúde Coletiva pela UFBa.

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 LEITURA

Contribuições ao estudo do processo analítico

Contributions to the study of the analytical process
Maria Thereza Ávila Dantas Coelho


Resenha de Emilio e Geneviève Rodrigué, El contexto del proceso analitico, Buenos Aires, Paidós, 1966, 245 p.

Em 1966, Emilio e Geneviève Rodrigué publicam, pela editora Paidós, de Buenos Aires, o livro El contexto del proceso analitico. Trata-se de um marco importante na literatura psicanalítica, pois, nesse livro, os autores defendem que os analistas argentinos têm contribuições originais ao estudo do processo analítico, ou seja, à forma de ver o que acontece no curso de uma análise. Eles destacam dois analistas que consideram um marco de referência para o grupo argentino: Enrique Racker e Enrique Pichon Rivière. Apoiados na expressão conceitual numerosidade da relação, de Susanne Langer, eles sublinham como muito importante o número de elementos que entram na relação analista-analisante.

Para os autores, a posição reclinada do paciente, o “anonimato” do analista, a diminuição de estímulos que origina uma situação de ligeira privação sensorial e a estabilidade espaço-temporal do contrato analítico criam uma situação quase-experimental na análise, na medida em que, como em todo experimento científico, há na sessão analítica uma diminuição do número de variáveis intervenientes. O exame sistemático do que ocorre nessa situação é a única via de validação do conhecimento próprio da psicanálise. Os autores destacam que o tempo cronológico de uma sessão não é um critério de tal validação e postulam que a análise tem um tempo onírico. Eles defendem que, na sessão, se produz, então, um fenômeno de condensação e de intensificação de conteúdos, que atualiza certos ciclos básicos da biografia do paciente.

Diferenciando-se da posição de Kris e de outros analistas da escola americana, para Emilio e Geneviève uma boa sessão não é aquela na qual o próprio paciente é capaz de fazer uma síntese e tirar suas próprias conclusões, mas sim a que faz surgir um conteúdo a mais, a ser interpretado pelo analista. Consonante às idéias de Pichon-Rivière, os autores consideram que o material do paciente, a interpretação do analista e o novo material que emerge na sessão constituem três momentos visíveis de uma espiral que se desenvolve permanentemente.

Neste livro, os Rodrigué chamam a atenção para a importância do enquadre no processo analítico. Eles definem o enquadre como o conjunto de atividades não interpretativas que tem por finalidade manter a marcha ordenada do processo analítico. O enquadre é considerado por eles “correto” quando proporciona um mínimo de interferência na atividade associativa do paciente e interpretativa do analista. A interação associação-interpretação constitui, portanto, o cerne da relação analítica.

Segundo Emilio e Geneviève, a regularidade e o pagamento dos honorários, a obediência e a mudança de horário, a situação de começo e de final de sessão não fazem parte da relação analítica propriamente dita, mas de uma relação perianalítica que se mantém relativamente constante. Ou seja, “não são o jogo, mas as regras do jogo”. Um índice de que o tratamento marcha adequadamente é dado quando o paciente reage com grande sensibilidade a pequenas mudanças que se produzem no enquadre.

Os autores consideram a interpretação, então, como o instrumento principal de intervenção do psicanalista. No que diz respeito à análise de criança, revelam que o analista adota, inconscientemente, um outro estado de ânimo e de disposição perceptiva, a que denominam de atenção lúdica. Esse tipo de atenção requer um estado mais ativo do analista, que lhe possibilita rastrear as diferentes áreas de expressividade da criança, criando uma disposição para jogar. Emilio e Geneviève ressaltam que a atenção, seja ela flutuante (na análise do adulto) ou lúdica (na análise de criança), é parte constituinte da interpretação, já que o que se diz ao paciente está determinado pelo modo como o analista reúne o material escutado. Por isso, à atenção lúdica eles fazem corresponder uma outra modalidade de intervenção, que chamam de interpretação lúdica.

Emilio e Geneviève salientam que tal tipo de interpretação é constituído de dois tempos superpostos. No primeiro tempo, o analista imita o jogo da criança e, no segundo, transmite-lhe o sentido do jogo, fazendo uso dos meios não-verbais que a criança empregou. A interpretação funciona, então, como um possível estímulo para o próximo emergente do jogo. Os autores destacam que pouco se tem investigado sobre as diferenças entre a expressão verbal do adulto e a não-verbal da criança. Apesar das dessemelhanças entre a análise de criança e a análise de adulto, o trabalho com as crianças exerce influências significativas no trabalho com os adultos, sobretudo no que diz respeito à significação extra-verbal do que o paciente expressa. Partindo da noção de contra-identificação projetiva de Grinberg, eles acrescentam que a interpretação mutativa é aquela em que se inverte o processo de indução projetiva, fazendo com que o paciente experimente aqueles aspectos seus que nega e que projeta em seu analista.

Este recorte do conteúdo do livro El contexto del proceso analitico revela que o trabalho de Emilio e Geneviève faz jus ao seu propósito de mostrar as contribuições que consideram originais ao estudo do processo analítico, na medida em que eles utilizam expressões conceituais inovadoras, que traduzem a forma pela qual o grupo argentino lida com os diferentes aspectos deste processo, na década de 1960. As noções de enquadre, tempo onírico, atenção e interpretação lúdica são algumas dessas inovações que, dentre outras, podem ser melhor investigadas a partir da leitura do próprio texto. O livro, mais do que relato histórico, nos faz repensar as questões concernentes ao processo analítico e nos faz relançar a busca de sinais de uma nova práxis.


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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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