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Resumo
A partir da constatação do cada vez mais freqüente comparecimento de mulheres com sintomatologia obsessiva na clínica psicanalítica, a autora se propõe a refletir sobre as causas desse aumento de incidência e relacioná-las com mudanças que ocorrem na cultura.


Palavras-chave
pai; patriarcado; filiação; reconhecimento; modo de subjetivação; filha.


Autor(es)
Marli Ciriaco Vianna
é psicanalista, membro do De­par­tamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sa­pien­tiae, atuante no Grupo de Transmissão e Estudos de Psicanálise e professora do curso Psicopatologia Psicanalítica e Clínica Contemporânea no mesmo departamento.


Notas

1 M. C. Vianna, "Filho pra que te quero?", p. 181.

2 Devemos a J. Lacan o desenvolvimento do conceito de pai em psicanálise nas vertentes real, simbólico e imaginário. A vertente considerada aqui é a de pai simbólico. Remeto o leitor interessado ao verbete Pai no Dicionário introductorio de psicoanalisis lacaniano, de D. Evans, p. 145.

3 M. R. Kehl, "A necessidade da neurose obsessiva", p. 7.

4 A. Jerusalinsky, "Camille Claudel: uma neurose obsessiva feminina", p. 26.

5 A vertente considerada no texto para descrever a mulher fixada ao objetivo de completar o outro é a de falo imaginário: forma utilizada por Lacan para descrever a situação da criança identificada ao que é desejado pela mãe para fazer-se desejada por esta. Faço uso do conceito para acentuar a impossibilidade de acesso ao desejo que a identificação ao falo imaginário acarreta, ao contrário do falo simbólico que, por livrar os sujeitos de se fixarem a um objeto único, possibilita a esses o acesso ao desejo próprio. O leitor interessado poderá ler acerca do conceito no Dicionário introductorio de psicoanalisis lacaniano, p. 86-9.



Referências bibliográficas
Evans D. (1997). Dicionário introductorio de psicoanalisis lacaniano. Buenos Aires: Paidós.
Freud S. (1905/1996). "Fragmentos da análise de um caso de histeria". In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago. Vol. 7.
_____. (1913/1996). "Totem e tabu". In: Obras completas. Rio de janeiro: Imago. Vol. 12.
Jerusalinsky A. (1999). "Camille Claudel: uma neurose obsessiva feminina". Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, n. 17.
Kehl M. R. (2003). "A necessidade da neurose obsessiva". Revista da Associação Psicanalítica de Porto alegre.
Roudinesco E. (2003). A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Vianna M. C. (2002). "Filho pra que te quero?". In: Figuras clínicas do feminino no mal-estar contemporâneo. São Paulo: Escuta.
Zalcberg M. (2003). A relação mãe e filha. Rio de Janeiro: Campus.




Abstract
Women with obsessive symptoms have been more and more frequent in our consulting rooms. The author proposes to reflect on the cause of this phenomenon and correlates it with changes that are taking place in contemporary society and culture.


Keywords
father; patriarchate; filiation; modes of subjectivation; daughter.

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 TEXTO

O que o pai tem a ver com ela?

So, what about the father?
Marli Ciriaco Vianna

Há algum tempo compartilho com colegas psicanalistas uma certa surpresa em relação ao cada vez mais freqüente comparecimento na clínica de mulheres com sintomatologia obsessiva. Pergunto-me, no entanto: por que a surpresa em se tratando da psicanálise? Ora parece que são as mulheres que ficam fora de lugar ao se fazerem obsessivas, ora é a própria questão que parece impertinente. Estamos tão habituados a pensar as mulheres como histéricas e os homens como obsessivos que não questionamos o quanto há de consistência imaginária na correspondência que fazemos entre mulher e histeria por um lado e homem e neurose obsessiva por outro. Mas a equação não se sustenta apenas imaginariamente. Ela se mantém confirmada num empirismo de que a clínica continua a dar provas. Freud, embora tenha feito um movimento importante na direção de desfazê-la com o gesto teórico de afirmar que os homens também sofrem de histeria, ainda assim contribuiu para sua manutenção, já que ela compareceu inúmeras vezes sob sua pena. Sabemos bem que foi do encontro de Freud com a mulher histérica que nasceu a psicanálise e que foi ela, a histérica, que lhe indicou o caminho do inconsciente, uma vez que o sintoma histérico foi a primeira manifestação do inconsciente de que ele se ocupou. Embora não desconheçamos a contingência histórica do encontro entre Freud, a histeria e a mulher, vale mesmo assim reafirmar que para a psicanálise não existe qualquer natureza masculina ou feminina, que não se nasce homem ou mulher: torna-se. E que, para isso, um longo caminho, marcado por contingências e vicissitudes da história de cada um, precisa ser percorrido. São tais as vicissitudes históricas que marcam as subjetividades as quais pretendo interrogar para pensar nas causas do aumento da incidência de mulheres sofrendo de sintomas obsessivos na clínica atual.
 

Não me ocuparei por ora da questão de elas serem ou não estruturalmente obsessivas, mas dos fenômenos que se apresentam na nossa clínica cotidiana. Posiciono melhor a questão: existiriam injunções a que as mulheres estariam expostas atualmente, às quais o sintoma obsessivo se presta melhor a responder do que o sintoma histérico? E haveria algo na sintomatologia obsessiva apresentada pelas mulheres que estaria relacionado a mudanças ocorridas na esfera do pai na nossa cultura?

 

Para trabalhar, recuarei um pouco mais aos tempos de Freud, a fim de relembrar o tipo de injunção mais freqüente a que as mulheres respondiam com o sintoma conversivo, para então procurar chegar às vicissitudes a que a mulher contemporânea estaria submetida e a maneira pela qual contribuiriam para o tipo de resposta que ela vem dando na forma de manifestações obsessivas. Seria essa outra forma de responder à mesma pergunta de que se ocupava Freud? Resposta nova à velha pergunta sobre o que é uma mulher? Se for, a quais fatores da ordem social contemporânea essa forma de responder estaria condicionada?

 

À época de Freud, dores e conflitos das mulheres encontraram na conversão histérica um modo de ser dito, visto e escutado. Antes, à histeria, conhecida desde tempos imemoriais, não se atribuía qualquer mecanismo psíquico. Foi a partir dele que a sexualidade recalcada adquiriu lugar preponderante na constituição do sintoma histérico. Momento inaugural de uma teorização que para se escrever convocou a histérica a falar - afinal não eram as mulheres histéricas as que mais padeciam e denunciavam, com seu sintoma, os efeitos da moral sexual civilizada da época? Nada mais justo, portanto, do que serem elas as protagonistas de uma história que se reescrevia, sobretudo por causa delas. Não terão sido essas as causas princeps a levá-las, mais do que em qualquer outro tempo, a fazer do corpo o palco para encenação do inconformismo com o destino que a sociedade da época lhes reservava? Não terá sido também o que contribuiu decisivamente para que a histeria tenha se reafirmado, naquele momento, como o modo privilegiado de subjetivação das mulheres?

 

O feminino foi, durante séculos, excluído da cultura da razão e tratado como derivado do masculino. Foi a partir de Freud que adquiriu o estatuto de enigma e passou a trazer inquietações a homens e mulheres. O caminho indicado pela cultura e trilhado pelas mulheres para responder a ele foi a maternidade. Ser mãe, portanto, foi a resposta predominantemente dada pela mulher às inquietantes perguntas sobre a identidade feminina, como uma espécie de segunda natureza que lhe dava nome e lugar. Freud, em algum momento de sua trajetória teórica, também sucumbiu ao canto da sereia, como se pode deduzir no caso Dora, ao tentar dar ao enigma uma resposta única e totalizante. Pagou as conseqüências de se deixar prender na armadilha fácil de fazer equivalência entre mulher e mãe. Mas, como já afirmei em trabalho anterior [1], Freud não ficou preso a esse equívoco; ele não deixou de manter um lugar para o enigma feminino. Não confinou a mulher toda no lugar da mãe. Essa seria a meu ver uma contradição em que Freud teria incorrido, uma vez que ele mesmo fez ver que a mulher encontrou na histeria, mais do que em qualquer outra formação neurótica, um modo de expressão do desejo e de satisfação da pulsão. O filho com objeto único do desejo feminino, além de restringir as possibilidades do destino da mulher, contradiz um dos maiores construtos teóricos da psicanálise, que afirma a contingência do objeto da pulsão e do desejo. Então: ser mãe, sem dúvida, foi uma resposta tranqüilizadora encontrada e dada por muitas mulheres para a pergunta sobre o que é uma mulher. E é claro que a identificação da mulher com a mãe não respondia apenas aos anseios destas, respondia também aos anseios de uma sociedade construída sobre os pilares do patriarcado que encontrava na família as bases de sua sobrevivência. Elizabeth Roudinesco, no livro A família em desordem, aponta a coincidência do momento do surgimento da psicanálise com o declínio da sociedade patriarcal. A psicanálise, de acordo com essa leitura, deve seu surgimento ao enfraquecimento do pai [2], já que foi graças a isso que os filhos, ainda que de maneira sintomática, puderam começar a expressar seus desejos fora do espaço privado da família, e que as mulheres, ao encontrarem em Freud a disposição para escutá-las, puderam se pôr a falar. A mulher histérica, mais do que em nenhuma outra época, deu a ver com seus sintomas os efeitos da queda do pai, ao mesmo tempo que também expressou, através deles, a esperança de manter o pai, no lugar daquele que lhe sustentasse a posse do falo.

 

Maria Rita Kehl [3], em versão concordante com a de Elizabeth Roudinesco, entende que nesse momento - séc. xix e início do séc. xx - nem Deus, abalado e enfraquecido pelas conseqüências da Reforma da Igreja e pelo Iluminismo, nem o monarca, destituído pelas revoluções burguesas, eram capazes de ser os ordenadores do laço social. É ao pai de família que é dado esse lugar. Para ela, o pai de família ter sido instituído como o delegado de um poder abstrato teve fortes conseqüências na direção da emancipação e do desamparo do homem moderno. Em suas palavras: "que o pobre diabo que nos concebeu, ainda que revestido de autoridade legal, tenha sido nos séculos xviii e xix o que restou das grandes formações tradicionais, foi a condição inicial tanto de liberdade, quanto de alienação características da subjetividade moderna".

 

Em outra passagem desse mesmo texto, nos lembra que Freud, em seu trabalho Totem e tabu, afirma que nas sociedades estáveis ou pré-modernas os sujeitos estavam dispensados de organizarem qualquer resposta neurótica aos conflitos, uma vez que a própria organização social se encarregava, por um lado, de formular as proibições e tabus a que todos estavam submetidos, e, por outro, de prescrever as conseqüências e sanções para as transgressões, de maneira clara e ao alcance de todos. Tais montagens sociais acarretavam um tipo de subjetividade diferente da subjetividade moderna - esta na qual o sujeito está comprometido com a tarefa de encontrar sozinho e à sua maneira o sentido de sua existência.

 

Não há, portanto, modo de subjetivação mais característico do que a neurose para o sujeito moderno, que nela encontrou um modo de responder aos imperativos de uma ordem social que o lançou ao deus dará da própria filiação, já que esta deixou de ser sustentada pelo sangue ou pelo pertencimento a uma casta.

 

A tese sustentada por muitos autores de que a neurose obsessiva seria o paradigma da subjetividade moderna obtém força nas evidências de que o sujeito moderno radicalizou o centramento sobre si mesmo, como forma de responder aos impasses a que se viu lançado pela perda das referências tradicionais. A neurose obsessiva foi, de acordo com esta tese, o modo normal de subjetivação na época de Freud. Ego sintônicos, os obsessivos não destoavam do pano de fundo social em que se moviam. Apenas uns poucos buscavam a escuta de Freud. Já a histeria, esta se destacava, fazia barulho com o estardalhaço de seu sintoma, numa sociedade que prescrevia o comedimento e o autocentramento para responder aos imperativos do individualismo moderno; modo de subjetivação que começava a ganhar lugar de ideal na sociedade vitoriana. Se a histeria foi, como já dissemos, a forma preferencialmente escolhida pelas mulheres na época do nascimento da psicanálise para expressarem seus conflitos e desejos recalcados, foi porque dessa forma elas se fizeram ouvir, por destoarem do universo monocromático da neurose obsessiva. Cabe ressaltar, ainda que sob risco de redundância, que se à histeria antes da psicanálise não era atribuído nenhum mecanismo psíquico, à neurose obsessiva nem sequer era dado o estatuto de neurose. Toda e qualquer manifestação obsessiva era tratada como loucura. Coube mais uma vez a Freud a repetição do gesto de retirar das manifestações do sujeito a carga psicopatológica de que eram portadoras, antes da sua escuta, para traçar a linha de continuidade entre doença e normalidade.

 

Retomo aqui o tema de meu trabalho, que é o de procurar saber quais seriam as causas do maior comparecimento de mulheres obsessivas na clínica atual.

 

Hoje, sabemos, as mulheres respondem cada vez mais a exigências que não lhes eram feitas antes. A demanda social de sucesso é cada dia mais e mais endereçada à mulher. E ela responde sem pestanejar, sedenta que está de obter o reconhecimento que lhe foi negado. Reconhecimento que, aliás, é a questão-chave da neurose obsessiva de que sofre Camille Claudel de acordo com o que propõe Alfredo Jerusalinsky em um belo e instigante trabalho a respeito da artista [4]. Ele a considera uma neurótica obsessiva, a despeito de inúmeras evidências contrárias, inclusive do internamento pelo período de 30 anos a que foi condenada. Sua tese é de que ela, marcada por sua condição de artista, fez do reconhecimento que esperava do pai a questão crucial da sua existência. Reconhecimento que não equivalia ao reconhecimento amoroso, demandado pela mulher histérica, que visa saber-se desejada pelo pai. Tratava-se, no caso de Camille Claudel, de um reconhecimento que só seria obtido a partir da produção da obra de exceção que o pai demandava dela, como condição de lhe dar o reconhecimento esperado. Lanço mão desse ensaio, menos para concordar com o diagnóstico do autor a respeito de Camille, e mais para me valer de algumas de suas argumentações para pensar certa posição da mulher no cenário contemporâneo. A idéia apresentada por ele, no referido texto, de que o neurótico obsessivo é aquele que recebe o nome do pai numa espécie de hipoteca, que ele terá que saldar no tempo devido, ou de que o significante filiatório recebido do pai como modo de separá-lo da mãe terá que ser validado posteriormente, parece-me valiosa para pensar a posição dessas mulheres às quais me refiro. Falo principalmente de mulheres que fazem do reconhecimento de seu trabalho e de sua produção a condição de suas existências.

 

Malvine Zalcberg, no livro A relação mãe e filha, ajuda a prosseguir: apoiada na leitura das obras de Freud e Lacan, lembra que ambos, menina e menino, recebem do pai o mesmo traço de identificação. O menino, ao longo do seu percurso de tornar-se homem, terá diante de si a tarefa de comprovar a posse do falo, a que o significante mínimo recebido do pai lhe dá direito. A menina terá a tarefa mais árdua de inventar uma feminilidade para si, já que, nessa operação de separação entre ela e a mãe efetuada pelo pai, recebeu o mesmo significante fálico que o menino, com a diferença de que, no seu caso, este não lhe dá indício algum a respeito da especificidade de seu sexo. Para Freud, o destino feminino se resolvia a partir da identificação da menina com a mãe, e na disposição dela para encontrar, primeiro junto do pai, depois junto a um outro homem, o substituto do falo perdido, simbolizado primordialmente na forma do filho. Desse modo, na fórmula freudiana, caberia ao pai uma outra função na trajetória da filha para tornar-se mulher: entregá-la a um homem de outra linhagem, para permitir a este abrigar e usufruir de sua filha, como mulher e mãe de sua prole. Reencontramos aqui a solução clássica da mulher-mãe como destino feminino. Sabemos o quanto as histéricas se rebelaram contra ele e o quanto os movimentos feministas trouxeram de ganho e liberdade a mulheres e homens, ainda que ao preço de outras demandas e exigências.

 

As mulheres disputam palmo a palmo o mundo executivo com os homens e, na tarefa de conquistar e se fazer reconhecidas nesse universo masculino, se afastam da exteriorização de qualquer sinal de fragilidade atribuída ao sexo feminino com que possam ser identificadas e de que possam ser acusadas. Fizeram-se obsessivas, ainda que continuem histéricas, para responder ao que lhes é demandado nesse mundo masculino no qual elas precisam marcar presença.

 

Filhas da revolução, elas parecem ter tomado para si a missão de não contentar-se com um destino antes admitido às mulheres. Fizeram-se herdeiras de um legado, que as proíbe de gozar de fazer-se falo para um homem. Demandadas a assinarem a própria obra e imbuídas da tarefa de continuar o trabalho iniciado por suas mães, de consolidar o lugar da mulher na cena social, não se permitem descansar dessa tarefa. Ocupam cada vez mais uma posição subjetiva, que outrora parecia mais conforme ao destino masculino, de precisar ratificar o direito ao nome recebido como metáfora do falo.

 

O pai, por sua vez, já não deixa barato o nome dado às filhas. Não permite tão facilmente que o nome de outro homem - ainda que não haja troca de nome - venha a se inscrever no lugar do seu. Não se deixa perder, para que um outro venha a substituí-lo, no nome da filha. Para isso ele precisaria admitir a própria morte - ou sua simbolização - o que dá no mesmo.

 

O pai - o pobre diabo de que fala Maria Rita Kehl -, atordoado diante de tantas destituições que tem sofrido, não parece disposto a perder qualquer oportunidade de obtenção de brilho fálico, ainda quando este lhe chegue pela via da prole. As mulheres, à maneira de Camille Claudel, precisam cada vez mais dar provas de seu direito ao nome como forma de manter vivo um pai que não se dispõe a morrer - ou que não sabe. Jerusalinsky, no trabalho citado, traz uma interessante e apropriada reflexão acerca da posição do artista na cultura, que possibilita a este captar um significante em estado pré-simbólico para fazê-lo entrar no discurso e na cultura. É dessa maneira que ele entende o comparecimento do tema da morte e da guerra no trabalho de Camille Claudel: como antecipação do que ainda não se fazia notar em outras produções culturais e artísticas da época. Ainda me valendo da hipótese do autor, proponho pensar se o artista não estaria em seu drama pessoal pondo em cena e antecipando essa posição adotada pelas mulheres a que me refiro e à qual estamos nos acostumando no cotidiano da clínica. Mulheres com a mesma obsessão de fazer-se reconhecer por uma obra de exceção, com o mesmo objetivo desesperado de obter reconhecimento no mundo corporativo. Pergunto-me se não estarão essas mulheres, através de sua sintomatologia obsessiva, dando a ver o massacre a que estão se submetendo na ânsia de um reconhecimento que cobra o preço de deixarem de fora qualquer traço de femini­lidade. Pergunto-me também se não estariam se fazendo veículos do modelo e porta-vozes da denúncia do excesso a que estariam respondendo. Mas cabe aqui dizer que vítimas elas não são, a não ser do desejo de ser o falo completante do Outro [5], e penso que por quererem ocupar essa posição é que elas vão além do limite, impedindo que a metáfora paterna venha a incidir sobre elas para nomeá-las, marcando-lhes a origem e a filiação.

 

Isto, a meu ver, é o que lhes abriria a possibilidade de acesso a uma posição feminina, pela instauração de um vazio por onde o desejo possa circular, ao deixarem de fazer do nome um objeto fálico.


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