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| | EDITORIALEditorialLetter from the editors
Ao terminarmos a jornada de trabalho no consultório, ou em outra instituição, se pretende mos nos dar conta do mundo circundante, encaramos com formidável esforço as imagens de tortura que nos últimos tempos nos chegam do Iraque. Quarenta anos após o golpe militar que deu início às atrocidades da ditadura brasileira, este quotidiano.
Um dos nossos colaboradores aproximou-se da psicanálise para abordar o estado de crueldade na ditadura escancarada que vivemos, depois de constatar insuficiência na produção acadêmica de ciências sociais quanto à investigação do fenômeno da tortura. Indaga acerca das motivações inconscientes para esse gozo perverso.
A pergunta a respeito de para que serve a psicanálise em relação à crueldade repete-se e não nos deixa. Para o vasto mundo, a psicanálise não tem rima nem solução, apenas método para um tipo muito peculiar de cura e investigações. Apenas prática, que produz teoria, às vezes fundamental.
Com diferenças específicas da mídia indutora de opiniões, a arte, com a qual desde sempre se entretecem os escritos psicanalíticos, não deixa de apresentar fatos que calcinam a vida psíquica. Num artigo que nos transporta a mil patamares de sentidos de Vaghe stelle dell’Orsa, filme de 1964, reencontramos a sombra sinistra de Auschwitz sobre as personagens, cuja ambigüidade também se abisma na violência de loucas acusações familiares – tintas de racismo. Vale destacar a forma pela qual estas se relacionam com a violência sexual e suas conseqüências.
O Prelúdio de César Franck integra a trama inesgotável do filme de Luchino Visconti. Também favorecendo nossas possibilidades em relação à escuta musical, o texto que a propõe como paradigma para a escuta analítica empresta-nos recursos para melhor nos aproximarmos da “representação sonora de movimentos da alma”. Guianos, em certo momento, à violência operística, à embriaguez pela glória conquistada numa luta de vida e morte. Vamos escutando o modo pelo qual a desmedida tem como contraponto a sobriedade, o medo. Na clínica, o autor analista se defronta com duas vozes de uma analisanda, a destrutiva e a aplacadora. Durante o processo, ela o ataca; para ele, a experiência é bem-sucedida se o analista é capaz de sobreviver sem retaliar, sem atender à convocação aniquiladora que lhe é dirigida.
Quarenta anos depois do golpe militar, que não nos deixa a memória, descobrimos as travessias do pior, tema este do artigo que nos lembra: “de novo, voltar ao pior, mas aí não ficar, passar”.
Em face do extremo é a expressão que figura no título da obra de Todorov apresentada em Leituras. Ela também serve para designar o psicanalista em situação, com que Percurso tem de se haver. Não, sem considerar que a prática psicanalítica pode se dar num campo de esperança, se entendemos esta palavra como designando a possibilidade do sujeito, não sujeitado e sobrevivente da avalanche destrutiva, de criar futuro.
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