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Resumo
A clínica contemporânea traz, cada vez mais, demandas que ultrapassam o modelo de atendimento tradicional (individual, no divã, várias vezes por semana). Os desafios colocados pelo campo da saúde pública e pelas formas nas quais o sofrimento psíquico é experimentado atualmente nos faz perguntar como a Psicanálise pode participar criativamente da construção de um campo clínico e ético que leve em conta as atuais condições sociais, econômicas e políticas. Acreditamos que o trabalho com grupos pode constituir um exemplo da potência psicanalítica na sua articulação com a dimensão social da saúde.


Palavras-chave
Psicanálise; grupo; solidariedade; potência; saúde pública; clínica contemporânea.


Autor(es)
Maria Lúcia de Moraes Borges Calderoni
é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e coordenadora de equipe clínica da Clínica Psicológica da mesma instituição.


Notas

1 Em 1998, publiquei na Percurso n. 20 um artigo intitulado "O ato clínico de recepção e triagem", que apresenta uma refl exão sobre essa experiência.

2 W. R. Bion, Experiências com grupos, e N. Schneider, Conversando com Bion sobre grupos.

3 D. Calderoni, O Caso Hermes, a dimensão política de uma intervenção psicológica em creche, especialmente p. 267 a 275.

4 D. Calderoni, op. cit., p. 268-269.

5 S. Freud, "Psicologia de grupo e análise do ego", ESB, v. XVIII, p. 139 apud D. Calderoni, op. cit., p. 270.

6 S. Ferenczi, "Transferência e introjeção" in Escritos psicanalíticos, p. 84 apud D. Calderoni, op. cit., p. 270.

7 D. Calderoni, op. cit., p. 270.

8 D. Anzieu, Le groupe et l'inconscient - l'imaginaire groupal, p. 67.

9 Agradeço a D. Calderoni pelo auxílio na formulação dessas ideias sobre o vazio como campo de indeterminação propiciador do trabalho com e sobre a diferença.

10 P. Fédida, A depressão, 1999.

11 Vide M.L.M.B. Calderoni, "As várias formas do resistir à perda ou de como é difícil o trabalho do luto", resenha do livro citado de Fédida, p. 124.

12 Como escreve D.Calderoni no texto de divulgação do III Colóquio de Psicopatologia e Saúde Pública ocorrido na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo de 28 a 30 nov. 2008.

13 Agradeço a Lívia Godinho Nery Gomes, cujas ideias me auxiliaram a pensar a questão da irredutibilidade da alteridade.

14 R. Kaës, "Elementos para una historia de las prácticas y de las teorias de grupo em sus relaciones com el Psicoanálisis em Francia", Revista de Psicología y Psicoterapia de Grupo, vol. VII, n. 1, Buenos Aires, 1984 apud A. M. Fernandez, O Campo grupal, notas para uma genealogia, p. 143.

15 A. M. Fernández, op. cit., p. 154-155.

16 S. Freud, "Psicologia de Grupo e a análise do eu", ESB, vol. XVIII, p. 91. As palavras literais de Freud são: "[...] apenas raramente [...] a psicologia individual se acha em posição de desprezar as relações desse indivíduo com os outros. Algo mais está invariavelmente envolvido na vida mental do indivíduo, como um modelo, um objeto, um oponente, de maneira que, desde o começo, a psicologia individual, nesse sentido ampliado, mas inteiramente justifi cável das palavras, é ao mesmo tempo, também psicologia social".

17 Esse grupo se compôs de pensadores que trouxeram contribuições especifi camente psicanalíticas para entender o acontecimento grupal.

18 R. Kaës, op. cit., p. 154.

19 Apud A. M. Fernández, op. cit., p. 143.

20 D. Anzieu, op. cit., p. 88. Em 1998, publiquei na Percurso n. 20 um artigo intitulado "O ato clínico de recepção e triagem", que apresenta uma refl exão sobre esta experiência.



Referências bibliográficas

Anzieu D. (1974). Le groupe e l'inconscient - l'imaginaire groupal. Paris: Dunod.

Calderoni D. (2004). O caso Hermes, a dimensão política de uma intervenção psicológica em creche. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Calderoni M. L. M. B. (2000). As várias formas do resistir à perda ou de como é difícil o trabalho do luto, Percurso n. 24, São Paulo.

Fédida P. (1999). A depressão. São Paulo: Escuta.

Ferenczi S. (s/d) Transferência e introjeção. In: Escritos psicanalíticos. Rio de Janeiro: Taurus Editora.

Fernandez A. M. (2006). O campo grupal, notas para uma genealogia. São Paulo: Martins Fontes.

Freud S. (1969). Psicologia de grupo e análise do ego, esb, vol. xviii. Rio de Janeiro: Imago.

Kaës R. (1984). Elementos para una historia de las prácticas y de las teorias de grupo em sus relaciones com el Psicoanálisis em Francia, Revista de Psicología y Psicoterapia de Grupo, vol. vii, n.1, Buenos Aires.

Schneider N. (2009). Conversando com Bion sobre grupos. Disponível em sultecdata.com.br/sbdg/material/Mini-curso -Bion.doc>.





Abstract
Increasingly, modern clinic deals with demands that go beyond traditional care (that is: individual, lying on the couch, several times a week). The challenges put forth by the public health fi eld and by the ways psychic suffering is experienced today make us ask ourselves how Psychoanalysis can creatively participate in building a clinical and ethical field that takes into account the current social, economic and political conditions. We believe that group work can constitute an example of psychoanalytic potency in articulation with the social dimension of health.


Keywords
Psychoanalysis; group; solidarity; potency; public health; contemporary clinic.

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 TEXTO

A potência singular da Psicanálise grupal

Os suportes identificatórios solidários


The peculiar power of Grupal Psychoanalysis
The mutual identifi catory holder
Maria Lúcia de Moraes Borges Calderoni

Introdução

Como pensar, nos dias de hoje, a prática psicanalítica no campo da saúde pública? Que formas de clínica a Psicanálise vem inventando para responder aos desafi os das psicopatologias contemporâneas e às maneiras pelas quais o sofrimento psíquico é experimentado nos dias de hoje? Como a complexidade de nosso cotidiano interroga a teoria e a técnica analítica? De que maneiras essa abordagem teórica pode participar criativamente na construção de um campo clínico e ético que leve em conta as atuais condições sociais, econômicas e políticas?

Parto dessas inquietações para apresentar algumas refl exões sobre um trabalho concreto que venho realizando com grupos terapêuticos no âmbito institucional e, mais raramente, no consultório. Considero que essa experiência participa de um pensamento clínico -psicopatológico ampliado e constitui um exemplo da articulação do saber psicanalítico com o campo da saúde na sua dimensão social.

A Psicanálise grupal

Os grupos não são estranhos à Psicanálise. Há mais de meio século, a psicanálise anglo -saxã iniciou o trabalho grupal pensado não somente do ponto de vista terapêutico, mas também ligado à formação e às intervenções institucionais. Na França, Lacan, Anzieu, Pontalis, Kaës, entre outros, contribuíram com a construção de conhecimentos sobre esse tema que também interessou aos argentinos, entre os quais Pichon -Rivière e Bleger são os mais conhecidos.

Porém, esse não é um campo com um corpo teórico sistematizado, e diferentes técnicas e teorias sobre as possibilidades terapêuticas do grupo pouco têm conversado entre si. Entre os psicanalistas, muitos simplesmente ignoram esse tema que, no entanto, tem sido objeto de refl exão de grandes teóricos da Psicopatologia dos séculos xix e xx, entre os quais o próprio Freud, Moreno, Kurt Lewin, teóricos da Gestalttherapie, além de pesquisadores da Psicologia Social, Organizacional e do Trabalho.

Ainda hoje, presenciamos a antiga discriminação entre o ouro da psicanálise individual, aquela do divã, do consultório particular, das muitas vezes por semana e o cobre da outra, aquela da ou na instituição, frequentemente em grupo. Aquela sobre a qual alguns pacientes me falam no início de seus atendimentos: “já que eu não posso fazer análise mesmo (em geral em função de questões fi nanceiras), topo participar do grupo”… Além disso, não são poucos os colegas que questionam o nível de aprofundamento possibilitado pelo dispositivo grupal, entendendo -se por aprofundamento o nível de regressão, o nível de contato com o desejo inconsciente, enfi m, o nível em que se busca uma psicanálise idealizada por cada um, seja como paciente ou terapeuta.

Por conta disso, em que pese o valor das contribuições psicanalíticas para a clínica grupal, vale perguntar sobre as formas possíveis de aplicar seus saberes e sua técnica na realização de grupos terapêuticos e sobre quais seriam as ferramentas conceituais necessárias para dar conta desse dispositivo.

A experiência concreta

Trabalho na Clínica Psicológica do Instituto Sedes Sapientiae há mais de 15 anos. Inicialmente, minha experiência com grupos nessa instituição foi com a recepção de pacientes que seriam encaminhados, em geral, para atendimento com outros terapeutas [1]. A partir de 97, passei a coordenar grupos psicoterápicos com formação e duração variados, normalmente grupos com 6 a 9 adultos. Nos últimos anos, tenho trabalhado com pacientes maduros (acima de 50 anos) e será um desses grupos que será tomado como objeto da presente reflexão.

Quem é interpretado em um grupo? O grupo como um todo ou cada um de seus integrantes? A história dos grupos psicanalíticos aponta para a ideia de que as interpretações devem valer para todos para que a psicanálise seja do grupo e não meramente em grupo. Para facilitar essa forma de trabalhar, tentou -se, por exemplo, unifi car o grupo ao compô -lo com pacientes de características similares quanto a sexo, idade, nível socioeconômico ou tipo de psicopatologia.

Também se considerou que a técnica interpretativa deveria ser estritamente centrada na transferência (só interpretar o aqui e agora do grupo) para que este não fosse apenas o lugar de diversas análises individuais. Pensou -se que interpretações individuais fariam com que os outros pacientes, por se sentirem excluídos, se distanciassem e entrassem em rivalidade com a pessoa interpretada. Minha experiência não confi rma essa hipótese e me pergunto o que seria analisar o grupo sem interpretar os conteúdos trazidos por cada um dos seus membros. Além disso, cabe pensar os determinantes sociais, políticos, econômicos e éticos em jogo nessa opção. Por que atender em grupo? Quando escolher esse dispositivo como preferencial? No que o atendimento em grupo difere da análise individual? Existem pacientes para os quais o grupo é mais ou menos indicado?

Ao contrário do que nos diz Bion [2], tenho experienciado o espaço grupal menos como lugar de ameaça da integridade egoica e rivalidade e mais como lugar de suporte identifi catório e solidário. Dentre as questões que acabei de colocar, essa é uma das que mais me interessam e sobre a qual quero refletir a partir das vinhetas que apresento a seguir.

Essas vinhetas são partes de sessões semanais que ocorreram no terceiro ano de um grupo composto somente de homens; o grupo é aberto (pacientes novos podem entrar até o limite do número de vagas) e o número de vagas é 8. O relato foi distorcido para guardar o sigilo necessário.

1ª vinheta

A sessão começou há pouco. Pedro está contando de sua relação com a mulher. Tem estado impotente e considera que este é o motivo da irritação da esposa que, nas suas palavras, “está no auge da vida sexual e tem um marido que não está dando a ela o que ela merece”.

Pedro, 69 anos, está casado há mais de 40 com uma mulher dois anos mais nova que ele e a quem ele se refere com muita amorosidade; é alcoólatra e está desempregado há muito tempo. Tem três fi lhos adultos. Há muito tempo faz tratamento psiquiátrico para o alcoolismo sem grandes resultados. Diminuiu a quantidade de bebida ingerida ao longo do processo terapêutico grupal. Tem vivências de pânico (no momento também muito diminuídas) e uma história de alcoolismo familiar (pai e irmão, já falecidos). Sua queixa inicial se refere ao desemprego. Está no grupo desde o seu início.

Não é a primeira vez que Pedro traz a questão de sua impotência sexual. João diz: “será que é por isso mesmo que sua mulher está irritada? Não será porque você continua bebendo?”

João, 68 anos, ingressou no grupo com a queixa inicial de impotência sexual e depressão desde que descobriu ser portador do vírus HIV; vive sozinho; nesse momento tem trazido como questões principais a sua solidão e a vergonha de seus desejos homossexuais. Também está no grupo desde o seu início.

Júlio acrescenta: “minha ex -mulher bebia e eu não aguentei”, tocando em um dos grandes medos de Pedro: ser abandonado pela esposa. Pedro concorda que talvez seja mesmo a bebida a grande questão.

Digo a Pedro: “como já conversarmos antes, a bebida e a impotência podem estar relacionadas, mas o que você está nos contando é que é muito difícil para você constatar que está impotente”. Pedro concorda. Juvenal diz: “e não é só a impotência sexual, é a gente se sentir impotente por não dar conta do trabalho, por não ganhar dinheiro sufi ciente, por não cuidar direito dos filhos”.

Juvenal, 53 anos, é empresário. Chegou ao grupo em um momento de grave crise conjugal e no início da recuperação de uma falência. Está, no momento, indo bem nos negócios e sua relação com a mulher também melhorou. Tem dois filhos de outro casamento com os quais tem problemas de relação desde que se casou com a segunda mulher. Iniciou a terapia com a queixa de estar perdido e ter querido se matar por ocasião de uma briga com a esposa. Está no grupo há dois anos e meio.

Todos concordam com seu comentário. Essa é mais uma sessão onde a protagonista principal é a impotência. Impotência sob variadas formas, da qual esses homens vêm falando há muito tempo.

Pedro diz, repetindo um discurso que já apareceu: “isso (a impotência referida ao trabalho) é o pior de tudo; eu não estou ganhando nem para pôr gasolina. Não aguento mais ser sustentado”.

João responde: “Pedro, parece que você não escuta o que a Maria Lúcia vem te dizendo há mais de um ano: que você não é totalmente dependente já que sua família continua usando o patrimônio que você construiu durante a vida. Não foi você que sustentou todos por muitos anos e que comprou a sua casa, a casa na praia e a casa de campo?” Pedro fala: “é verdade, mas é uma vergonha eu não pôr mais comida dentro de casa”. Joaquim interfere para concordar: “a gente sente vergonha mesmo. Só agora que eu comecei a ganhar mais é que não me sinto tão humilhado”.

Interfiro novamente: “Pedro, os colegas apontaram para você muitas coisas que podem ser importantes. O que te parece?” Pedro diz: “é verdade, eu continuo mantendo todas as casas. Eu poderia alugar pelo menos uma e fi car mais tranquilo, mas minha mulher não quer, ela prefere pagar tudo com o dinheiro dela”.

João fala: “você se sente culpado de beber e aí não se dá o direito de desobedecer a sua mulher. E mulher sempre quer mandar”. Todos riem. E concordam.

Joaquim aproveita para falar do namorado. Diz que este também quer mandar nele e controlar tudo. Relata mais uma briga, mas dessa vez diz, orgulhosamente, que não se submeteu.

Joaquim, 48 anos, é o mais jovem dos pacientes. Homossexual, reside com seu companheiro. Deprimiu quando foi expulso de casa pelo pai. Isso ocorreu quando o pai descobriu sua orientação sexual. Parou de trabalhar e passou a depender economicamente do namorado. Fez muitas dívidas. Atualmente está trabalhando e vem conseguindo se reestruturar financeiramente. Sua queixa inicial foi de estar deprimido e inconformado com a ruptura com seu pai. Está no grupo há pouco mais de dois anos.

Júlio diz: “eu estou ouvindo essa história de controle e percebo que estou novamente tentando controlar minha fi lha. Ela saiu com o namorado e voltou tarde. Eu deixei, mas passei mal de ansiedade: é muito difícil ‘não controlar’”. Dirigindo -se diretamente a mim, Júlio segue: “você sabe que eu já melhorei muito desde que comecei a terapia, mas tem vezes que eu não aguento. Você acredita que eu fi quei tão nervoso que comi um bolo inteiro?”

Júlio, 59 anos, é separado da mulher e mora com a fi lha que ele descreve como psicótica. Já foi um obeso mórbido e fez operação para reduzir o estômago. Chegou ao grupo se dizendo deprimido depois dessa operação. No momento, não se considera deprimido, mas alguém que quer aprender mais sobre si mesmo e melhorar a relação com a fi - lha. Está no grupo desde seu início.

Aponto as relações entre as várias falas, articulando as impotências, os medos, as vergonhas, as compulsões (por bebida, por comida, por controle). Nessa articulação, considero que simultaneamente interpreto o grupo e cada um de seus componentes, ainda que nem sempre as interpretações sejam cabíveis para todos. Constato que esses pacientes – e dos outros grupos, em geral – suportam bem não serem incluídos em todas as articulações interpretativas. Essa sessão segue com a participação de todos e com a disposição de escuta do outro que caracteriza esse grupo e que, em minha experiência clínica, é bastante frequente. A possibilidade deste acontecimento que estou chamando de intercâmbio solidário pressupõe uma disponibilidade para compreender o outro enquanto diferente, para suportar uma reciprocidade que não seja calculada ou estrita e também a abertura de um espaço de indefi nição ou indeterminação.

Considero essencial esse lugar da solidariedade na cura do sofrimento psíquico. O conceito de identifi cação enriquecedora presente no livro O Caso Hermes, a dimensão política de uma intervenção psicológica em creche [3] de David Calderoni me parece precioso para compreender a predominância dessa disponibilidade para a alteridade que está na base do intercâmbio solidário. Partindo de ideias sobre o “fundamento econômico -afetivo da abertura à liberdade”, o autor considera que “identifi cação enriquecedora é o fenômeno no qual o investimento de um objeto”, portanto, do outro, “é acompanhado por um investimento (e não por um desinvestimento) do ego com ampliação de suas propriedades”, sendo que “essas propriedades que enriquecem o ego se referem ao aumento da sua potência de amar e trabalhar” [4]. Portanto, estamos em um regime diverso daquele no qual as propriedades adquiridas por alguém são as propriedades perdidas ou retiradas de outro, ou seja, não estamos, ainda nas palavras do autor, “em uma relação objetal ou intersubjetiva sob regime concorrencial entre propriedades privadas”. O fundamento é outro: trata -se do “reconhecimento da posse de uma propriedade comum que parte de outro paradigma econômico sugerido por Freud” [5] para pensar as situações em que “o ego enriqueceu -se com as propriedades do objeto”, ou seja, nas palavras de Ferenczi, “introjetou o objeto em si próprio” [6]. Portanto, passar de uma identifi cação empobrecedora na qual a lógica é a da rivalidade e ameaça de perda à outra enriquecedora (introjetiva) implica, no plano das relações com o outro, “a passagem de um regime concorrencial de propriedades privadas para um regime cooperativo de propriedades comuns” que, por sua vez, permite “o aumento da potência de amar e trabalhar” [7].

Em outras palavras, quando a disponibilidade para o outro nos enriquece, estamos em regime potencializador de intercâmbios solidários. Os desafi os contidos no modo de produção desses processos psíquicos em jogo na solidariedade grupal são, para mim, simultaneamente uma questão e uma das razões de meu entusiasmo com esse tipo de prática clínica.

2ª vinheta (meses depois)

João havia deixado um recado que não viria, mas veio. Após o término da penúltima sessão, João havia dito que iria precisar interromper a sua participação no grupo por algum tempo. Eu havia respondido a ele que esse era um assunto para ser conversado dentro da sessão e não depois e solicitado que ele viesse na semana seguinte. Ele concordou, mas acabou faltando na sessão seguinte, alegando compromissos profi ssionais.

Abordo a questão do seu desejo de interromper a análise e aponto que havia recebido o recado de que ele não viria na sessão de hoje. Ele conta que o seu tempo está completamente tomado pelos compromissos que assumiu. Conta também que, mesmo assim, resolveu vir porque concordava que não podia deixar o grupo sem conversar. Fala com detalhes da atribulação de sua vida. Aponto que, sem desconsiderar a sua falta de tempo, me parece que existem outros motivos para o seu desejo de interromper a análise. Ele retruca que não pretende parar, mas só deixar de vir por um período e insiste que o único motivo é mesmo a falta de tempo.

Digo que a questão do tempo da terapia era algo que devia ser refl etido pelo grupo. Retomo o nosso contrato feito há mais de dois anos, explicitando -o novamente: o grupo funcionaria a princípio por um ano e faríamos uma avaliação sobre o trabalho para decidir juntos, se era o caso de prosseguirmos por mais um. Lembro que, na época, não somente havíamos decidido prosseguir o trabalho, como, ao fi nal do segundo ano, havíamos novamente conversado e resolvido estender o contrato por um tempo maior. Digo que estamos nos aproximando do fi nal do terceiro ano de terapia para a maioria dos pacientes presentes e que terapia não é para sempre, assim como não é algo que se interrompe e depois se retoma automaticamente. É preciso conversar sobre o sentido de uma interrupção e também sobre o sentido de continuar. Todos concordam. Juvenal diz a João que considera que ele quer fugir dos assuntos da terapia. João sorri e diz que talvez seja isso mesmo. Conta de um homem que parece estar interessado nele.

Como foi relatado na primeira vinheta, João vem trabalhando os seus desejos homossexuais.

Diz: “talvez eu não queira vir para não ter que falar disso”.

Pedro segue dizendo que é mesmo muito difícil falar de certas coisas e se recorda de algo que falou na sessão passada e que depois se sentiu muito envergonhado por ter falado (havia se referido a desejos e impulsos violentos com relação à esposa). Segue dizendo que estava muito feliz porque havia tido um fi nal de semana ótimo e conseguido se relacionar sexualmente com a mulher. Considera que aquilo que ele falou na sessão anterior pode ter ajudado na relação com a esposa.

O assunto passa a girar em torno da coragem de falar de coisas difíceis. João diz: “o grupo é como um espelho e às vezes não é fácil se olhar”.

Didier Anzieu [8], no livro Le groupe e l’inconnscient, fala que “o grupo é experimentado por cada um como um espelho de múltiplas faces […]”. Acrescento, que, por vezes, esse é um espelho vazio, vazio signifi cando aqui o campo de indeterminação propiciador dos deslocamentos, desincorporações e desidentifi cações necessários à experiência e ao trabalho da diferença [9], o mesmo lugar que Pierre Fédida, no seu livro A depressão [10], vai identifi car, a partir do conceito fenomenológico de vazio à própria psique. Não caberá, nesse texto, aprofundar essas ideias. Acrescento, somente, a título de anunciar a direção dessas elaborações, que o conceito de vazio, com o qual Fédida trabalha, pode ser traduzido como a essência do continente ou o continente como forma ideal pura para aquém de qualquer conteúdo [11].

João segue: “eu já contei para vocês que teve uma época em que eu não tinha coragem de me olhar no espelho? Isso porque eu tinha medo de ver quem eu era. E de que a resposta fosse: eu sou um que tem medo”.

Falo que é preciso coragem para admitir o próprio medo e falo que terapia muitas vezes não é fácil nem gostosa.

Fábio concorda e começa a contar uma história de sua vida que foi difícil, mas que ele pôde enfrentar. Porém, ainda assim, conclui que hoje ele tem muito medo. Pergunto do que ele tem medo e ele diz que é da solidão, como João.

Pedro diz que tem mesmo é medo da morte. Fábio admite que é dela (da morte) o seu maior medo. João diz que não. Tem medo de sofrer, mas não de morrer.

Fábio tem 70 anos e sua esposa está gravemente doente. Ele também tem uma saúde frágil. Consegue formular a sua demanda de forma precária: quer fazer terapia para voltar a trabalhar e ter outra companheira. Está assustado com a provável viuvez que se aproxima. Em geral, queixa -se do azar de não ter dado certo profi ssionalmente e do azar de a esposa ter adoecido. Está neste grupo há pouco tempo.

Nessa sessão, é a primeira vez que Fábio fala dos seus medos. O grupo continua falando da morte, personagem presente nas piadas e brincadeiras sobre a idade, mas que raramente comparece explicitamente nas sessões. Pedro diz que acha que João está se esquivando ao querer interromper a terapia.

Falo que ocupar todo o tempo pode mesmo ser um jeito de se esquivar.

João concorda e, mais para o final da sessão, comunica ao grupo que mudou de ideia e vai dar um jeito para vir. Parece aliviado. É provável que o recente ingresso de Fábio tenha sido difícil para João, que se sentiu inibido de seguir colocando as suas questões referentes à homossexualidade.

Reflexões teóricas

Atendi muitos grupos potencializadores de solidariedade e suporte recíproco entre os seus integrantes. Essa disposição transferencial é determinante para que esse dispositivo seja bem sucedido e, por isso, venho apostando no estímulo para que os pacientes não somente se envolvam com as questões uns dos outros, mas exerçam um papel interpretante de uns para com os outros. Penso que o grupo possui uma potência analítica própria que não é inferior à psicanálise individual. É diferente e pode se constituir em uma forma singular de cooperação para a construção de redes “potenciais e potentes de resistência à dominação e de construção dos múltiplos sentidos da liberdade” [12].

O que torna essa ação analítica possível? Sem desconsiderar que a alteridade [13] – para que se mantenha enquanto tal – traz consigo de forma incontornável um estranhamento, um enigma que faz com que sempre esteja presente uma tensão agonística nas relações intersubjetivas, isto é, uma tensão ligada a uma lógica afetiva do combate e da guerra, aposto na possibilidade de um diálogo que nasça daí mesmo e se realiza quando essa tensão é sustentada sem que se tente resolvê -la pela rivalidade, dominação ou submissão ou, então, mais grave ainda, pela aparente supressão das diferenças. Em minha experiência, uma das formas possíveis dessa sustentação se relaciona à capacidade do analista de ser continente das agressões e ódios que surgem nessa tensão intragrupal sem projetá -los ou devolvê -los imediatamente ao grupo. Isso requer do terapeuta de grupos uma capacidade razoável de suportar a angústia mantendo -se íntegro e integrado sem precisar reagir defensivamente aos movimentos afetivos destrutivos do grupo. Um exemplo:

Pedro me telefonou pouco tempo depois da entrada de Joaquim no grupo para me dizer que tinha tido impulsos de bater em Joaquim, pois sentiu muito ódio de sabê -lo potente e de saber que ele usava essa potência com homens, enquanto ele, que não era homossexual, estava impotente. Acrescentou que resolveu me ligar porque não se sentia em condições de dizer isso no grupo. Respondi a ele que talvez mais adiante fosse possível conversar sobre isso nas sessões e que eu compreendia que dava mesmo muito ódio se sentir impotente. Em uma sessão aproximadamente um ano depois, Júlio comentou com Joaquim que estava grato por tê -lo conhecido porque havia podido aprender com ele a ter menos preconceitos contra homossexuais. Joaquim respondeu: “mais preconceito do que eu mesmo tive quando me dei conta de minhas inclinações, impossível”, e concluiu dizendo que compreendia muito bem os sentimentos de Júlio (que, por sinal, eram análogos aos sentimentos do pai de Joaquim). Nesse momento, Pedro conseguiu falar para o grupo sobre o seu impulso agressivo sentido um ano antes e, nessas alturas, já transformado. Mais ainda, acrescentou que percebeu que um homem pode amar outro homem e que talvez fosse algo assim que ele sentia pelo irmão que já faleceu.

Essa continência do ódio não signifi ca, porém, se deixar agredir. No exemplo citado, Pedro, apesar de angustiado com seu ódio, não me acusou de ter convidado um homossexual para o grupo. Se fosse este o caso, eu precisaria apontar a Pedro que ele teria que lidar com seu preconceito, ainda que tivesse o direito de não falar sobre isso no grupo e sustentar que Joaquim faria parte desse grupo. É claro que não haveria garantia alguma de que Pedro suportasse essa situação.

Em grupo, ou individualmente, creio ser o mesmo inconsciente escutado segundo a mesma regra da associação livre dentro de um campo transferencial – esse sim, com a especifi cidade de ser mais complexo no contexto grupal. É exatamente essa complexidade que exige do analista uma delicada articulação do aqui/agora do grupo com a história singular de cada um e pede grande capacidade de continência das próprias angústias e das angústias do grupo.

Em grupo, as transferências são múltiplas, complexas, cruzadas e o jogo de identifi cações e projeções se multiplica exponencialmente. Para Kaës, a situação grupal propicia que seus integrantes sirvam uns para os outros “ora como pontos de identifi cações, ora como suportes projetivos para sua tópica subjetiva e suas pulsões” [14].

Ouvir, identifi car e orquestrar essa complexa rede transferencial para que cada um dos integrantes possa se reconhecer como escutado e considerado na sua singularidade me parece uma das funções do analista de grupo. E, talvez, a sua especifi cidade. Essa especifi cidade, porém, não suprime o lugar indispensável do fazer analítico tradicional: ouvir cada um dos integrantes do grupo, interpretar, pedir associações, pontuar repetições…

Uso a palavra orquestrar propositalmente, pensando na analogia com o regente de uma orquestra no sentido de sua função de fazer com que as falas dos diversos instrumentos produzam uma música audível para todos. Essas falas, sempre complexas, podem estar afi nadas, adequadas, no timing correto, mas também podem se repetir indefi nidamente, estar fora do tom, fora de hora, impedindo o diálogo produtivo com os outros. Por vezes, é dia de solo e os outros precisam escutar. Por vezes, é um dueto ou um trio que protagoniza a cena. Por vezes, a orquestra toda toca junto. Mais precisamente, a analogia seria com um ensaio da orquestra, trabalho sempre incompleto, sempre tentando vir a ser. Ao fi nal, para que é mesmo esse ensaio?

Essa orquestração das transferências trabalha, sobretudo, com as identifi cações e projeções produzidas nas sessões grupais. É sua tarefa apontar para o grupo, a partir das falas de seus membros – seja quando falam de si mesmos, seja quando falam dos outros –, aquilo que é comum, aquilo que contém a possibilidade – por sua identidade, pelo seu sentido – de auxiliar a compreensão do que está sendo trazido e também apontar o que diverge, o que aparece como fala sobre o outro, mas é essencialmente projeção que não pode ver no outro mais do que o refl exo do próprio sofrimento. No limite, as falas sempre contêm essa dupla possibilidade e o trabalho com a identidade e a diferença está presente o tempo todo. Ana Maria Fernández [15], no seu livro sobre o campo grupal, diz que “o outro – enquanto semelhante e diferente – está ali para tornar possível que no laço social o sujeito se recrie como tal”. É essa potência subjetivante do outro que tento estimular ou propiciar no trabalho grupal.

Penso que para alguns pacientes é mais produtivo estar no grupo. Como se pudessem ouvir com menos resistência aquilo que é apontado para o colega e entrar em contato mais rápida e profundamente com sua própria questão; como se pudessem, por vezes, emprestar das outras falas sentidos dos quais estão alienados e que, quando apontados diretamente pelo analista, encontram obstáculos insuperáveis.

Como se o jogo identifi catório estimulasse a associação livre, as lembranças do primeiro grupo – a família de origem. Irmanados, podem se tornar uma espécie de nova família onde os dramas edípicos singulares se encenam… E onde se pode aprender a compartilhar, a ouvir, a esperar a sua vez… Onde amores e ódios, rivalidades e possibilidades de reparação são colocados em jogo. Não é pouco. Um antigo paciente disse que o grupo foi sua primeira experiência de escutar os outros… E que isso mudou signifi cativamente suas relações.

Em que nível os grupos terapêuticos reproduzem, reencenam o grupo familiar? O coordenador seria algo como um pai -mãe adequado e propiciador de fraternidade em vez de fratricídio? A ideia de que o grupo psicanalítico é ambiente propício para a reprodução dos dramas familiares remete à origem da palavra grupo. Conforme o texto já citado de Fernández, este vocábulo signifi ca um pequeno coletivo humano que compartilha um objetivo comum. Sua origem é recente e se relaciona com a formação da subjetividade moderna e com a constituição do grupo familiar restrito – a família nuclear moderna. Ganha importância no século xviii, junto com o aparecimento do amor materno, do amor conjugal e do sentimento doméstico de intimidade. Portanto, faz sentido trabalhar psicanaliticamente com a ideia de que o grupo é especialmente propenso a reproduzir os variados matizes da cena edípica originária de cada um.

Como trabalhar produtivamente com isso, eis a questão! O psicanalista não está isento do perigo de ignorar a singularidade complexa das participações de cada paciente. E a potência grupal não se resume à capacidade de reproduzir jogos edípicos. Relações de solidariedade, vivências de pertencer a, sentimentos de que se está menos sozinho compõem o conjunto de experiências relatadas com frequência pelos integrantes dos grupos e que, ainda quando não sejam explicitadas, são intensamente vividas.

Creio que todas as faixas etárias usufruem dessa dimensão da experiência grupal. Para os adultos mais velhos, essas vivências são essenciais. Talvez, por terem uma consciência mais aguda do desamparo e da solidão humanas. Será que a segunda metade da vida permite questionar a individualidade onipotente do mais jovem? Ou será, fundamentalmente, uma questão social, já que os mais velhos tendem a ser descartados do mercado de trabalho e do mercado das relações? E que, quando grupalizados, identifi cam -se facilmente nesse lugar de exclusão? Ou se poderia dizer que, juntos, podem se solidarizar e, por isso, enfrentar de forma mais potente essa exclusão social?

As perdas inevitáveis acumuladas em muitas décadas de vida trazem consigo uma fragilidade que talvez peça esse amparo grupal. Sabe -se que a clínica grupal mostrou a importância da socialização do paciente e, talvez, aí estejam algumas das razões pelas quais o tratamento é, por vezes, mais efi caz com pacientes agrupados.

Freud [16] escreveu em “Psicologia de grupo e análise do eu” que o outro é, para cada um de nós, não somente adversário ou objeto, mas também suporte e modelo. Todos esses papéis estão presentes imaginariamente nos grupos. Creio que a potência do dispositivo depende da possibilidade de que o outro seja, preponderantemente, vivido como aliado e suporte identificatório.

Conclusão

Acompanho agora, para concluir, algumas ideias do grupo francês liderado por Anzieu e depois por Kaës [17] – do qual fi zeram parte Pontalis, Missenard, Bejarano entre outros –, numa brevíssima tentativa de pensar um dos aspectos da potência grupal como viabilizadora de um trabalho analítico.

Para esses autores, o vínculo primário entre as pessoas é a circulação fantasmática defi nida como atividade pré -consciente que articula representações de coisa e de palavra – em suma, a atividade de fantasiar. Ainda que só existam fantasmas individuais, como o fantasma é uma cena imaginária que se desenvolve entre vários personagens, Anzieu conclui que o fantasma possui uma organização grupal interna. Kaës parte dessa ideia e aproxima essa organização fantasmática grupal interna e a situação vivenciada em um grupo.

Em outras palavras, é porque o fantasma se organiza grupalmente que é possível, no grupo terapêutico, essa ressonância fantasmática que se defi ne pelo reagrupamento de alguns participantes do grupo em torno do fantasma de um deles. Esse reagrupamento, ainda segundo Kaës, se relaciona a “interesse, convergência, eco, estimulação mútua” [18]. Penso que essa ideia é útil para explicar o intercâmbio solidário presente, por exemplo, nas vinhetas apresentadas. Tentei mostrar o quanto esses pacientes, de fato, interessam -se uns pelos outros, estimulam -se mutuamente e o quanto há uma convergência dos conteúdos trazidos que permite com que as falas ecoem sentidos. Creio que faz parte do papel do analista facilitar a emergência dessas ressonâncias e, a partir daí, propiciar a passagem de identifi cações empobrecedoras (onde o outro é vivenciado como ladrão potencial do que nos pertence ou poderíamos ganhar) para uma nova possibilidade: a de se enriquecer com o enriquecimento do outro.

Pode -se dizer que o fantasma individual é encenado no grupo e seus integrantes interagem nessa cena, ocupando diferentes posições ou papéis. Os intercâmbios ocorrem quando os participantes conseguem ocupar algum lugar no cenário fantasmático dos outros. Missenard considera que é por isso que “um fantasma individual inconsciente se transforma em organizador do comportamento do grupo” [19]. Anzieu dirá que há outros dois organizadores grupais importantes: as imagos e os fantasmas originários  [20] que todos compartilhamos.

Em suma, é absolutamente essencial que o analista atente para o que se pode chamar de atividade fantasmática do grupo. Porque o fantasma é portador de um desejo recalcado, ele pode trazer, ao se revelar, horror, fascínio ou indiferença dependendo como se enlace aos fantasmas dos outros. Pode provocar desejos semelhantes e suscitar o aparecimento de mecanismos de defesa variados. Isso faz com que seja fundamental a escolha criteriosa dos integrantes possíveis de um grupo. Certamente não são quaisquer pessoas que, colocadas juntas, são capazes de participar dessa ressonância fantasmática no sentido apontado por Kaës (a possibilidade de que haja interesse recíproco, estimulação mútua etc.). Creio que a constatação desses limites coloca questões e obstáculos importantes para a abrangência do dispositivo grupal psicanalítico e coloca o desafi o de pensar as formas possíveis de sua superação.

Essas ideias mereceriam mais tempo de refl exão. No entanto, ainda que sua riqueza seja inegável, isso não signifi ca que a dinâmica grupal possa ser totalizada nesse tipo de explicação. Seja porque nos grupos existem sempre outros determinantes presentes além dos psicológicos (econômicos, sociológicos, históricos etc.), seja porque a complexidade das circulações e trocas psíquicas não se restringe à dimensão da fantasia.

Na contramão dos limites apontados, o fato de que, em minha prática clínica, esta aposta no dispositivo grupal vem sendo bem sucedida – por mais de dez anos e com muita gente –, me leva a pensar que as forças de vida que caminham na direção de um regime cooperativo e não destrutivo do outro talvez estejam mais presentes em nós do que seria possível imaginar a partir da violência e da injustiça que participam de nosso cotidiano.

Em suma, creio que é desta potência solidária inerente ao humano que se nutre essa maneira de pensar e fazer a Psicanálise. A experiência singular que esse trabalho tem me proporcionado me é muito cara e tem me instigado a formular questões, seja sobre a potencialidade desse dispositivo clínico, seja sobre as suas articulações possíveis com o campo de uma psicopatologia aberta, inventiva e democrática.

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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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