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Resumo
O desejo é o que possibilita a articulação da cadeia significante. Trabalhar com o desejo é trabalhar com a imagem enquanto raiz do verbal.


Autor(es)
Miriam Chnaiderman Chnaiderman
é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise, doutora em artes, documentarista.


Notas
* Conferência proferida em Paris, no dia 19 de fevereiro de 1988, a convite da Association Freudienne de Paris, e a 11 de maio de 1988, no Instituto Sedes Sapientiae, a convite do Departamento de Psicanálise.


Referências bibliográficas

1. Ch. S. Peirce, Semiótica, São Paulo, Perspectiva, 1987.

2. J. Lacan, O seminário livro 20, mais ainda..., Rio de Janeiro, Zahar Ed., 1982.

3. “Lituraterra” in Littérature, nº 3, octobre 71, Larousse.

4. O. Lévi-Strauss, Anthropologie structurale, Paris, Plon, 1958.

5. R. Jakobson, “À procura da essência da linguagem”, Lingüística e comunicação, São Paulo, Cultrix, 1969.

6. V. I. Propp, Morfologia do conto maravilhoso, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1984 (org. Boris Schnaiderman).





Abstract
The author comments on similarities between vanguard literature and Psychoanalysis, and moves on to a discussion of what language means for Jacques Lacan. Charles Sanders Peirce offers her good instruments to analyze the nature of the image as sign and icon. These, in turn, open the way for a discussion of the analyst as a sort of “everyday poet”, because his way of listening transforms discourse into image.

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 TEXTO

Narrativa e imagem: movimentos do desejo [*]


Narrative and image: movements of desire (1988)
Miriam Chnaiderman Chnaiderman


Começo citando um diálogo entre Guilherme e Adso, personagens de O nome da rosa de Umberto Eco:

“Diante de alguns fatos inexplicáveis deves tentar imaginar muitas leis gerais, em que não vês ainda a conexão com os fatos de que estás te ocupando e de repente na conexão imprevista de um resultado, um caso e uma lei, esboça-se um raciocínio que te parece mais convincente do que os outros. Experimentas aplicá-lo a todos os casos similares, usá-lo para daí obter previsões, e descobres que adivinhaste. Mas até o fim não ficarás nunca sabendo quais predicados introduzir no teu raciocínio e quais deixar de fora. E assim faço eu agora. Alinho muitos elementos desconexos e imagino as hipóteses. Mas preciso imaginar muitas delas, e numerosas delas tão absurdas que me envergonharia de contá-las.”

Reflete Adso então:
“Entendi naquele momento qual era o modo de raciocinar do meu mestre, e pareceu-me demasiado diferente daquele do filósofo que raciocina sobre os princípios primeiros, tanto que o seu intelecto assume quase os modos do intelecto divino. Compreendi que, quando não tem uma resposta, Guilherme se propunha muitas delas e muito diferentes entre si. Fiquei perplexo.
‘Mas então’, ousei perguntar, ‘estais ainda longe da solução...’
‘Estou pertíssimo’, disse Guilherme, ‘mas não sei de qual.’
‘Então não tendes uma única resposta para vossas perguntas.’
‘Adso, se a tivesse ensinaria teologia em Paris’ (ou Londres, acrescento eu).
‘Em Paris’ (ou Londres) ‘eles têm sempre a resposta verdadeira?’
‘Nunca’, disse Guilherme, ‘mas são muito seguros de seus erros.’
‘E vós’, disse eu com impertinência infantil, ‘nunca cometeis erros?’
‘Freqüentemente’, respondeu. ‘Mas ao invés de conceber um único erro imagino muitos, assim não me torno escravo de nenhum.’

Tive a impressão de que Guilherme não estava realmente interessado na verdade, que outra coisa não é senão a adequação entre a coisa e o intelecto. Ele, ao contrário, divertia-se imaginando a maior quantidade possível de possíveis” (p. 350, 351).

Lacan, em seu artigo “Lituraterra”, afirma que a crítica literária não recebeu nada da psicanálise e que esta não conduz nela mesma a qualquer juízo literário. Lacan busca onde a psicanálise “faz buraco”, e é isso que constitui seu método. Assim, ele justifica o fato de abrir seus “Escritos” com um estudo que tem como base o conto de Edgar Allan Poe: “Minha crítica, se acontece de ser tomada como literária, não saberia basear-se, eu espero, a não ser sobre o fato de que Poe, sendo escritor, faz uma tal mensagem sobre a letra.” Lacan busca a letra do texto de Poe, sua literalidade.

Hoje, a literatura bem como a psicanálise se misturam: há vários textos escritos por não-analistas onde conceitos analíticos são utilizados para fazer crítica literária. Da mesma forma, várias coletâneas, escritas por analistas, abordam questões literárias. Quando Lacan coloca em questão a psicanálise em suas bases ideológicas, no momento em que estabelece uma clivagem entre o saber e a verdade, coloca o problema, a questão dos dois domínios fica mais clara. Ficção, verdade ou saber: o problema fica mais claro, mas não a resolução do problema.

Para Lacan, escritores e psicanalistas são homens que mudam a linguagem. O que é que isso quer dizer? Mudar a linguagem...

A literatura de vanguarda surge da busca do encontro entre saber e verdade. Sabe-se que há aí uma inevitável convergência entre a literatura contemporânea e a psicanálise. Lacan fala-nos de tudo isso.

É sobre essas questões que gostaria de pensar, sobre a convergência entre literatura e psicanálise. Pois penso que, ao nível do que é específico da escuta psicanalítica, há algo que tem a ver com a produção literária em geral. Se assim for, a literatura poderia esclarecer-nos sobre o que constitui a escuta psicanalítica.

No seminário “Encore” quando Lacan homenageia Jakobson, afirma: “Meu dizer que o inconsciente é estruturado como uma linguagem não é do campo da lingüística” (p. 25). E funda o campo da lingüisteria. Qual é o significante que é do campo da lingüisteria? Para que significante deve voltar-se nossa escuta?

A questão relativa ao conceito de “linguagem” é um ponto polêmico ainda hoje. Buscando explicar com qual conceito de linguagem Lacan trabalha, chegamos à já velha briga entre a semiótica e a semiologia: a noção de “linguagem” pode ou não concernir somente ao verbal, ao discursivo.

Mesmo em Jakobson esta questão é de difícil resolução. Este gênio, ao mesmo tempo que assume a proposta de Saussure, considerando a lingüística como um ramo da ciência geral do signo, em outros momentos aproxima-se de Barthes, que chegou a propor uma inversão, passando a pensar a semiologia como parte da lingüística.

Mas o ensaio de Jakobson “À procura da essência da linguagem” parece não deixar tão limpidamente estabelecida a prioridade verbal no conceito de linguagem. Nesse ensaio, Jakobson procura pensar a questão relativa à arbitrariedade do signo tal como é afirmada por Saussure no Curso de lingüística geral. Propõe-se a examinar a “estrutura lingüística sob seu aspecto icônico” buscando os caminhos que fazem com que todo símbolo tenha algum grau de iconicidade (imagética ou diagramática), tal fato contendo em si a possibilidade de estudo e descoberta de estruturas universais na linguagem. Jakobson insiste sobre a importância da obra de Peirce, servindo-se de seus conceitos. A Semiótica, fundada por Peirce, vai além do discursivo.

Quando Lacan instaura o domínio da Lingüisteria, instaura um domínio de trabalho com o desejo, ele introduz a histeria ao nível da língua, isto é, instaura o trabalho com o que liga a cadeia de significantes. O desejo é o que mexe, é o que torna possível a articulação da cadeia significante.

O que vou tentar desenvolver e propor é que trabalhar com o desejo é trabalhar com a imagem enquanto raiz do que é verbal. Para que possamos compreender o que isso quer dizer, é preciso que se esclareça algo sobre a noção peirceana de imagem.

Em Peirce, a imagem é um ícone degenerado. O que quer dizer isso?

É preciso refletir sobre esse conceito de ícone, pois ele pode contribuir muito na compreensão de como fica a questão da verdade no trabalho psicanalítico. O ícone está ligado ao que Peirce denominava como “categoria da Primeiridade”. Peirce considerava a existência de três categorias: a Primeiridade, a Secundidade, a Terceiridade.

Na Primeiridade reina a sensação, distinta da percepção, da vontade, bem como do pensamento. A Primeiridade busca a pura qualidade (suchness) e a qualidade em si mesma é um poder ser, ela não deve acontecer necessariamente. Uma qualidade de sensação pode ser simplesmente imaginada. Por exemplo, a branquitude pode ou não realizar-se como branco. Quando sentamo-nos diante de nossa escrivaninha sobre a qual está colocada uma folha branca, e não pensamos em nada para escrever, e o branco da folha invade-nos, este primeiro instante é um momento de apreensão de puras qualidades. A página branca é uma possibilidade de escritura. Quando, por fim, conseguimos escrever, já estamos na Secundidade. O ícone tem como qualidade representativa sua Primeiridade: não tem necessidade de ser articulado numa organização discursiva, linear. No universo dos possíveis, a lógica da simultaneidade rege um outro tempo onde o “sim” e o “não” coexistem.

O ícone é um signo independentemente da existência do objeto ao qual se liga – são suas características que o transformam em um signo.

Para Peirce, a fotografia seria um índice e não um ícone, pois ela só pode ser produzida no momento em que a semelhança se opera na impressão física que leva a corresponder ponto por ponto à natureza.

Podemos exemplificar como o ícone russo. O que faz com que seja um ícone é seu caráter sagrado – se ele representa o sagrado, a semelhança com a pessoa que aí está representada não tem qualquer importância. É diferente quando vemos cartazes com fotos de Maluf nas ruas de São Paulo: representam a direita porque as pessoas sabem que é Maluf que está nos cartazes; e Maluf é de direita.

O que faz o ícone diferente de outros signos é que, no ícone, a existência física do objeto não o determina. O ícone é um signo que faz signo.

Vejamos isso, por exemplo, em um poema de Haroldo de Campos:

rev35pg51.jpg

Aqui o significado branco é colocado em questão pelo seu signo “branco”, e é exatamente isso que faz o poema. O papel é branco e o signo é negro. Há qualquer coisa que deve se estancar e o espelho é invertido, o espelho do imaginário, o espelho que faria com que o significado fosse especular de seu significante. São as relações especulares na própria língua que são questionadas. E é isto que a poesia em geral deve fazer. Toma o signo como signo e disso tira as conseqüências. No poema, a qualidade, a branquitude ganha uma forma negra. O que faz que um significado esteja ligado a um significante torna-se da ordem do possível, cessando, pois, de corresponder ao referente. Estamos sempre ao lado do referente.

A noção lacaniana da verdade como sendo da ordem da ficção ganha uma possibilidade operatória com todos estes conceitos.

Trabalhar com o icônico é trabalhar com a palavra tornada imagem de palavra.

Vejamos um outro poema concreto:
rev35pg52.jpg

Através da imagem da palavra exploramos a palavra. O único referente possível é a palavra em si mesma. Primeiro desenhamos a palavra e depois escutamos o significante.

No sonho, é Freud que nos mostra, a excitação toma um caminho regressivo: em lugar de avançar em direção à extremidade motora do aparelho, ela se expande em direção à extremidade sensível, terminando por chegar ao sistema de percepção. Ou seja, o desejo articula-se como imagem.

Para escutar o desejo, é preciso transformar o discurso em imagem, é preciso ter uma escuta que olha.

Se o desejo é o que torna possível a articulação da cadeia significante, trabalhar com o desejo é trabalhar com a imagem enquanto raiz do que é verbal. Para escutar o significante é preciso desenhar a palavra.

Na escuta psicanalítica, transformamos o discurso em imagem. É preciso ter uma escuta que olha. É preciso ter um ser de poesia.

Lacan disse uma vez: “Não sou um poeta, sou um poema que se escreve, apesar de parecer ser sujeito”.

Este ser de poesia que nos constitui torna-se nosso cotidiano na clínica psicanalítica. No relato de cada tratamento psicanalítico, há um ser de poesia.

É na busca do que constitui este ser de poesia que W. Propp pode fornecer-nos uma forma de escuta da estrutura.

Propp publicou pela primeira vez a “Morfologia do conto maravilhoso” em 1928. A segunda edição só apareceria em 1969, seguida de importante ensaio de Méletinski (que também está traduzido para o português em recente edição). As atividades desse folclorista russo foram marcadas, por um lado, por sua proximidade com o formalismo russo e, de outro, por sua aceitação das teorias do lingüista N. I. Marr. Sabemos que este foi duramente criticado por Stalin, que não acreditava na determinação da linguagem pela infra-estrutura.

É em 1958, quando acontece a tradução desse livro para o inglês, que sentimos seu impacto no Ocidente, através de uma polêmica que se instaura entre Propp e Lévi-Strauss.

Em seu trabalho Morfologia do conto maravilhoso, Propp buscou classificar os contos e, nessa pesquisa, chegou a um protoconto. Observou que as ações desses contos são sempre as mesmas e inventariou 31 funções. E todas essas funções são articulações possíveis do desejo tal como o concebemos em psicanálise. Seria o processo psicanalítico regido por uma lógica da fábula?

Propp debruça-se, em seu primeiro livro, sobre um tipo particular de conto, o de magia. Ou seja, esboça claramente o objeto de sua pesquisa: quer chegar ao que caracteriza tais contos a partir de uma comparação entre eles, pesquisando as constantes.

Para esta pesquisa, é preciso decompor os contos nas partes que o constituem. Estamos aqui diante das questões relativas às partes do discurso. Sabemos que o debate relativo às unidades mínimas de trabalho é interminável. Lacan, ao menos em seus primeiros textos, buscou resolver esta questão considerando os significantes como unidades – talvez daí a confusão entre lei / nome / significante. Derrida opôs-se a Lacan pensando em termos de movimentos. Se assumimos que o trabalho psicanalítico busca as articulações governadas pelos movimentos do desejo, talvez essas questões sejam ultrapassadas.

Mas, voltando a Propp, em sua pesquisa foi preciso decompor o conto nas partes do discurso que o constituem. E assim é que toma as ações como unidade de trabalho, pois observa que é próprio do conto maravilhoso atribuir ações semelhantes a personagens diferentes. Propp submete o texto a duas operações: a primeira consiste no fracionamento e segmentação de uma série de ações sucessivas; na segunda operação, as frases são tomadas em um sentido mais geral e reunidas em feixes que constituiriam as funções, cujo nome representaria a designação abreviada e generalizada de uma ação na forma de um nome.

Freud, no capítulo sobre “O método de interpretação dos sonhos” da Traumdeutung, depois de ter exposto a primeira forma de interpretação profana, que designa como “simbólica” (o sonho é tomado em sua totalidade e substituído por um outro conteúdo), fala-nos do “método decifrador” onde o sonho é visto como uma espécie de escrita secreta na qual cada signo pode ser traduzido através de uma chave pré-fixada. Freud sublinha que o essencial do método decifrador seria trabalhar separadamente com cada um dos componentes de seu conteúdo, pois cada fragmento teria uma determinação específica. Seria inútil tentar trabalhar com o sonho como um todo, mesmo após ter pedido ao paciente para intensificar sua atenção sobre suas percepções psíquicas e excluir a crítica que habitualmente ordena suas idéias. É preciso, diz Freud, que o sonho seja fragmentado para que o paciente possa associar. Esta é a primeira operação. O que vai permitir o trabalho de interpretação do sonho vai ser o que corresponderia à segunda operação de Propp, ou seja, reunir as diferentes associações do paciente em feixes e dar uma ordem, um sentido. Mas, no sonho, os critérios para fragmentação, não sendo dados pela comparação com outros sonhos, são menos claros.

Propp busca as leis da construção do conto. É nessa pesquisa que chega ao conceito de função – grandezas constantes repetidas nos contos maravilhosos; trabalha sempre com um sintagma narrativo.

Vemos que Freud procede com o sonho como se estivesse diante de uma estrutura narrativa. A pesquisa do sentido, em Freud, faz do sonho uma unidade com uma estrutura particular cuja pesquisa se torna absolutamente necessária. Todo o capítulo “A elaboração onírica” da Traumdeutung procura esclarecer esta estrutura onírica; mas, conforme vimos, antes desse encontro e pesquisa do sentido, reflete sobre o método para trabalhar o sonho. Freud coloca a questão da escuta analítica. E, nesse método, propõe a fragmentação do conteúdo do sonho.

O que guia Freud na fragmentação de cada sonho? Qual é a escuta que permite essa fragmentação?

Tomemos o sonho de Irma e vejamos como ele o fragmenta. Quando observamos o fragmento que trabalha, vemos que opera com dados externos ao sonho, aquilo que nomeia como informações preliminares. Conta como foi seu contato com Irma e com Otto. E para cada fragmento há uma lembrança, um fato qualquer que apresenta uma relação com o que é contado. Cada fragmento é colocado em seu contexto.

Na crítica severa que Lévi-Strauss dirige a Propp, fala da necessidade de um exame minucioso do contexto: a variação dos conteúdos não teria sido explorada por Propp devido ao fato de não dispor de um contexto etnográfico.

Propp, à medida que busca a especificidade enquanto gênero do conto de magia, analisa, inicialmente, o desenvolvimento cronológico linear. Por outro lado, Lévi-Strauss, que tem interesse na lógica mítica, parte do mito: as funções estariam ligadas verticalmente – está buscando uma paradigmática.

Quando Lacan afirma que a metonímia é a operação fundamental do inconsciente, faz-nos pensar em um modelo estrutural linear. Em sua crítica, Lévi-Strauss afirma que Propp teria elaborado uma gramática sem léxico, esquecendo que não há “língua na qual se possa deduzir o vocabulário da sintaxe”. Para Lévi-Strauss, haveria em Propp um desconhecimento da complementaridade entre significante e significado.

É interessante notar como as críticas que Lévi-Strauss dirige a Propp são freqüentemente dirigidas a Lacan. Este último é bastante claro a respeito: não quer saber nada do léxico, interessa-se pela sintaxe.

Para Freud, na Traumdeutung, é através de uma longa enumeração de sonhos e a partir de suas interpretações que chega a uma concepção do que é um processo onírico, e do que está subjacente ao que denominamos sonho. Freud parte do sintagma narrativo. É através da fragmentação do sonho de Irma que pode concluir que o conteúdo do sonho é a realização do desejo, isto é, a realização de uma ação, a encenação do verbo.

Função em Propp e desejo em Freud – na interpretação do sonho chegaríamos à classificação de algumas funções que seriam importantes no trabalho de elaboração onírica, articuladas nos sintagmas que constituem o relato de um sonho.

Todo sonho possui, Freud nos diz, além de sua ligação com o que foi recentemente vivido, seu conteúdo manifesto, uma relação em seu conteúdo latente com o vivido em épocas mais distantes na existência do sujeito. O sonho associa uma função mítica com a estrutura do conto. Em seu ensaio “A eficácia simbólica”, Lévis-Strauss declara:

“(...) muitos psicanalistas se recusarão a admitir que as constelações psíquicas que reaparecem na consciência do doente possam constituir um mito.”

Acreditamos que se trata exatamente disso, constituem um mito. Mas a transferência, condição da situação psicanalítica, não sendo apenas repetição, introduz o conto. a invenção. A transferência é produtora do analítico. Analisar um conto pode supor operar, de um lado, com as funções de Propp, e de outro lado, com os esquemas propostos por Lévi-Strauss: em cada sonho, experiências as mais significativas e primitivas são selecionadas e arranjadas em um sintagma narrativo.

A função seria pois um outro nome do desejo – o desejo como verbo, a imagem do verbo que é verbo em imagem, encenação do desejo.

O desejo articulado como imagem, a imagem como apreensão de pura qualidade, o psicanalítico como escuta da imagem. As relações entre os diferentes significantes formam um movimento interminável que constitui a imagem. O que apreendemos são esses movimentos. É o fim da dicotomia composta por significante-significado. Aceitando a disseminação, o espaçamento, como o que nos constitui, tornamos possível o trabalho com os movimentos dos significantes sem que estes se tornem essências imutáveis.

E, como sempre, infinita deriva, no começo era o Verbo.
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