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Resumo
Resenha de Fábio Herrmann, Introdução à Teoria dos Campos, 2.ed., São Paulo, Casa do Psicólogo, 2004, 174 p.


Autor(es)
 Grupo Vórtice
"Grupo Vórtice: Estudos Psicanalíticos da Teoria dos Campos”, fundado em 2003 e constituído por psicólogos da cidade de Uberlândia – MG. Fazem parte: Cristianne Spirandeli Marques - Daniela Rodrigues G. Gomes - Evaldo Nunes - Joana Darc dos Santos - Karen de Almeida Rodrigues - Léia Souza A. de Araújo - Maria Alzira Marçola - Maria de Lourdes P. Costa - Maria Isma F. Costantin - Rosa Eliza Zago Naves.

Cristianne Spirandeli Marques é mestre em Psicologia Aplicada e especialista em Clínica Psicanalítica pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Daniela Rodrigues Goulart Gomes é mestranda em Psicologia Aplicada pela UFU e especialista em Psicossomática pelo Sedes Sapientae. Evaldo Nunes é especialista em Clínica Psicanalítica pela UFU. Joana Darc dos Santos é mestre em Ciências da Saúde e especialista em Clínica Psicanalítica pela UFU. Karen de Almeida Rodrigues é mestre em Educação pela UFU e arteterapeuta pelo Sedes Sapientae. Léia Souza Alves de Araújo é mestre em Educação e especialista em Clínica Psicanalítica pela UFU. Maria Alzira Marçola é mestre em Psicologia Aplicada pela UFU e Especialista em Psicologia Clínica Psicanalítica. Maria de Lourdes Pereira Costa é especialista em Orientação Sexual. Maria Isma Ferreira Costantin é assistente social, psicóloga e especialista em Clínica Psicanalítica pela UFU. Rosa Eliza Zago Naves é especialista em Clínica Psicanalítica pela UFU.

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 LEITURA

O método psicanalítico em extensão

 Grupo Vórtice

Herrmann apresenta, nesta obra, os conceitos básicos da Teoria dos Campos, em uma linguagem clara, aliando-os a vinhetas clínicas que nos ajudam a elucidar e a compreender, em profundidade, nosso fazer clínico. O consultório é mostrado muito mais como um lugar/tempo da magia transferencial, onde habita o Homem Psicanalítico – nosso objeto e sujeito do conhecimento –, do que como um lugar físico e fi xo. A obra possibilita-nos ainda o acesso a roteiros de estudo mais aprofundados sobre a Teoria dos Campos, a partir de uma série de notas preparadas, minuciosamente, por Leda Herrmann.

O resgate do método psicanalítico surgiu no final dos anos 1960, quando Herrmann procurava desvendar um fundo comum nos processos conduzidos, segundo teorias e técnicas diferentes que produziam efeitos parecidos o bastante para reclamarem o nome de Psicanálise. Isso levou o autor a reflexões sobre o método criado por Freud e sobre a malha de regras que se esconde a um palmo abaixo do pensar cotidiano. Tais reflexões possibilitaram-lhe um trabalho, livre de jargão escolástico, que se constituiu como um sistema de pensamento. Neste, diferencia Psicanálise, com a letra P maiúscula, ao se referir ao método e ciência inteira, da psicanálise, com a letra p minúscula, designando aquilo que o analista faz em seu consultório.

Nos três primeiros capítulos, o autor apresenta- nos a relevância da Psicanálise frente ao trauma no século xx em relação ao que é inerentemente humano, com a perda do mundo da substância social, dos projetos deliberados pelo povo e da racionalidade discursiva.

Nesse mundo em crise, Herrmann enfatiza que a Psicanálise é convidada a entrever e a desenvolver a ciência psicanalítica, encontrando novas aplicações para seu método, o que signifi - ca refl etir com rigor a respeito da nova situação, criando formas de intervenção em contextos mais amplos. É nesse aspecto que o livro pode oferecer ao leitor idéias e inspiração para a revitalização de sua prática clínica.

O método é a forma geral do pensamento e da ação numa disciplina e, em técnicas diferentes, o mesmo método deve estar presente. Mas como procurá-lo? O autor continua a se perguntar: “que faz um analista?”.

Para ele, o analista desrespeita completamente os limites do assunto que o paciente coloca, procurando os sentidos produzidos por aquilo que escuta, em termos emocionais, isto é, em termos da história que lhe está sendo ocultamente contada e vivida na sessão. Segundo Herrmann, a maneira de o nosso método produzir conhecimento sobre a psique humana consiste em submetê-la a uma condição que não se encontra na vida comum, senão de maneira potencialmente diluída e rara: a ruptura de campo. Ao tratar de ruptura de campo, o autor acaba deixando explícito que esta constitui o próprio método da Psicanálise, o qual cria a situação em que os fenômenos podem se dar e, até certo ponto, cria os próprios fenômenos estudados.

A situação analítica é o método em ação. Segundo Herrmann, nosso psiquismo gera e procura manter seus campos, enquanto a situação analítica sistematicamente os desmancha. Por isso, se diz que o método psicanalítico é dotado de espessura ontológica, que é uma forma de conhecimento sui generis que produz aquilo que estuda, sem que deixem de ser corretas suas descobertas. A espessura ontológica do método é dada por seu estatuto híbrido de operação do analista e estrutura psíquica do paciente.

Na obra, mais uma vez, são retomados os conceitos de campo, ruptura de campo, campo transferencial. Herrmann diferencia interpretações de sentenças interpretativas; descreve expectativa de trânsito, vórtice, homem psicanalítico, zona intermediária, contágio, identidade, real e realidade, crença, rotina e sentido de imanência.

O autor deixa entrever que conceitos psicanalíticos, tais como interpretação, fantasia, cultura, são repensados com rigor metodológico, visando a maior mobilidade e articulação com as diversas áreas do conhecimento e da cultura humana, o que, a nosso ver, resulta na produção de novos saberes. Ressalta a necessidade de avançarmos na concepção da Psicanálise como uma ciência geral da psique, capaz de sustentar uma gama ampla de práticas e um pensamento mais efi caz sobre o homem.

Outra contribuição importante de Herr mann é a investigação da zona intermediária que se situa, de modo virtual, entre a superfície de representações e a manifestação inconsciente, alimentando, constantemente, a produção de qualquer novo conhecimento. Parece-nos que aí reinventa o estatuto da fantasia na constituição do psíquico e, dessa forma, evita a tendência a traduções simbólicas ou simultâneas, tais como aquelas dos dicionários de sonhos. Apresentanos sua concepção de inconsciente como uma espécie fi nal de vários inconscientes constitutivos de nossa psique, denominando-os inconscientes relativos. Mas não se satisfaz com essa solução apenas e passa a designar por campo os inconscientes que não são restritos ao sujeito, mas, também, sociais, por terem, em sua origem, a cultura.

Herrmann preocupa-se também em examinar o sentido geral da técnica como o de um dos derivados do método. Descreve o que ocorre no processo psicanalítico e sugere alguns recursos práticos. Para ele, o analista não é livre para fazer o que quer, não inventa sentidos, mas apreende os sentidos que surgem, realizando o que o método o conduz a fazer, deixando que o trabalho de parto psíquico siga seu ritmo próprio. Tal ocorrência necessita da atitude de disponibilidade receptiva por parte do analista de deixar que surja, para depois tomar em consideração, o que signifi ca ter em mente o diagnóstico transferencial. Portanto, propõe um cuidado vigoroso para com os instrumentos técnicos que permitem que o método se ponha em movimento harmonioso e que o analista consiga acompanhar seus efeitos.

Discute também a posição da teoria diante do método, de forma semelhante à adotada em relação aos movimentos técnicos, e as implicações de o conceito psicanalítico de inconsciente ter sido criado juntamente com a invenção da Psicanálise. O inconsciente freudiano é apontado como diverso de tudo que lhe precedeu. Uma das raízes da Teoria dos Campos é a constatação de que a Psicanálise levada a cabo por Freud, mesmo no plano puramente clínico, como também no da cultura e no da teoria, aponta sempre para o inconsciente, mas não necessariamente para um mesmo inconsciente. A cada movimento analítico descobre-se um inconsciente ligado ao tema e ao modo utilizado de exploração interpretativa.

A noção de campo é entendida como um inconsciente relativo de uma determinada análise ou relação. Oferece movimento à teoria um, torna- a mais dinâmica, propiciando, a cada encontro analítico, novas teorizações, o que Herrmann chama de prototeorias.

A leitura de Freud é tratada pelo autor como uma refl exão a respeito do método, da clínica, das teorias e da investigação psicanalítica. Ele acrescenta que, para quem quiser conhecer Psicanálise, é indispensável ler Freud e, sobretudo, saber lê-lo. Entendemos que, dentro da Teoria dos Campos, a refl exão metodológica nos leva a certas considerações sobre a leitura de Freud sem, no entanto, ter um padrão a propor.

Herrmann assinala que há um grau ideal de focagem que não se pretende vago, pois, assim, correr-se-ia o risco de realizar um trabalho clínico às cegas; não devendo, também, ser exageradamente minuciosa, pois isso poderia levar a uma miopia conceitual. Ele aponta o problema da leitura que é uma espécie de abstração generalizadora e acena para o perigo de se universalizarem e reifi carem os conceitos psicanalíticos, em vez de se partir do método. Apresenta Freud como o autor de um extenso romance científi - co que vingou no mundo real, cujo personagem principal é o próprio psicanalista. Assim, o que podemos e devemos fazer é ler a obra da qual somos personagens.

Nessa perspectiva, Herrmann retoma, de seu pensamento fundamental – o método psicanalítico – tanto o valor interpretativo, quanto o valor científi co que este produz, identifi candoo com a forma de escrita de seu principal mestre, Freud. Pensa que a escrita freudiana deixa à vista de onde e como surge a refl exão psicanalítica, ou seja, acaba por revelar o ponto de vista que o psicanalista tem do mundo, o qual determina os contornos e limites de seu ato de conhecimento sobre a realidade, a fantasia, a verdade versus a mentira, o fato versus o equívoco. E são esses produtos investigados por ele sobre a refl exão psicanalítica que promovem sua noção de real. O autor nos faz caminhar pelo método em condição de ruptura de sentidos, considerando a lógica que costuma permear as relações humanas.

Este livro nos mostra com clareza que retraçar as origens do psiquismo é uma tarefa bastante complexa e nos conduz inevitavelmente para fora da Psicanálise, pois perguntar pela origem absoluta do psiquismo seria como perguntar pela origem da matéria. Para Herrmann, a polêmica a respeito de ser a psique um fenômeno individual ou social não importa, pois o que é fundamental, e o bastante, é que seu sentido se faz no mundo humano.

Buscando abordar a questão pela ótica da Psicanálise, pergunta: Onde exatamente começa a ter cabimento psicanalítico a pergunta que interroga o psiquismo individual? Para responder, tem por base a transmissão da forma humana para um novo ente singular e, desse modo, cria um modelo teórico ou fi ccional para explicar a constituição do psiquismo infantil e, de forma instigante, ressalta que o infante, inicialmente, está preso ao cerco das coisas. A partir daí, apresenta conceitos como mentira original, fantasia de autobastância, luto primordial e, fi nalmente, a complexa constituição do desejo. Amplia essas formulações para o contexto da humanidade que, com o desenvolvimento da cultura, ascendeu à condição de psique humana.

Partindo dessas proposições, Herrmann assinala a importância de um espaço social microscópico, a situação analítica, que possibilita, mesmo no adulto, a abertura de novos espaços de humanidade no psiquismo. Considera o desejo e o objeto do desejo como permeados pela questão fundamental do ser humano, articulando- os com a falta que nos constitui. Relacionado com esta concepção de desejo, apresenta-nos o ponto de vista da Teoria dos Campos sobre o eu, concebido como uma posição ocupada sucessivamente por representantes de diversas tendências internas. Afi rma que, em qualquer ação intrapsíquica, há, pelo menos, dois eus em interação, havendo uma espécie de circulação de eus a ocupar a posição de sujeito psíquico.

O autor atribui ao trabalho analítico a função de dar voz aos eus deslocados, evitando o predomínio prolongado de qualquer dos eus, ou sua ditadura psíquica. Para argumentar sobre a idéia de identidade, ele segue duas vertentes. A primeira refere-se à garantia identitária ou ao sentido de imanência. A outra diz respeito propriamente ao eu. Nesta vertente, intervêm duas noções muito importantes para a Teoria dos Campos: mentira original e paixão do disfarce. Quando o analista considera o eu múltiplo e o eu como disfarce, tem a possibilidade de duas decorrências: dirigir as interpretações ao endereço certo e não confundir levantamento de um disfarce com a verdade.

Quanto ao temário da sexualidade, o autor também recupera o papel central que este ocupa na Psicanálise, alertando para a existência do que oportunamente denomina repressão teórica da sexualidade. Nessa perspectiva, desenvolve a idéia freudiana de uma continuidade entre perversão e sexualidade normal, afi rmando que o perverso é a extrema especialização, mesmo a especialização em sexualidade normal. Considera, também, o voyeurismo e o exibicionismo, pondo em evidência as qualidades do apelo sádico que o objeto exerce. Para o autor, a perversão descobre algo no mundo, mas interpreta-o mal, por radicalizar a diferença.

Herrmann toma em consideração as categorias tradicionais da psicopatologia, tais como neurose, psicose e perversão, sendo que os aspectos psicopatológicos são tomados por ele como um pensamento e um olhar constante para a lógica psíquica interna, buscando investigar formas de ser mais específi cas, analisando sentimentos, estruturas vitais características, modos sintomáticos, sem os reduzir a formas nosográfi cas. Aponta ainda dois aspectos fundamentais do diagnóstico psicanalítico: o histórico e o transferencial, pois o que se procura é discernir o sentido da história do paciente. Por meio deste, estabelecem-se estratégias de intervenção que rompem o jogo circular do sintoma, sendo a análise composta por três dimensões temporais simultâneas. Diagnóstico e cura se entrelaçam à medida que a psicopatologia pode ser interpretada, rompendo campos que obstruem a cura.

Embora o autor não se estenda, neste livro, sobre conceitos da psicanálise do quotidiano, visto já ter escrito um dos volumes de Andaimes do real obre o tema, deixa clara a importância para a Teoria dos Campos, ao apontar a função que têm as noções de real e realidade na prospecção realizada no mundo quotidiano que, como psique do real, determina para seu homem peculiaridades de pensamento e ato.

Acreditamos que ler este e tantos outros livros de Fabio Herrmann conduz à busca de aprofundamento da formação teórica, ao reconhecimento do ganho que podemos ter ao tomar em consideração os enunciados – às vezes difíceis – da teoria, sem distorcê-los ou reifi cá-los, mas, sim, para ampliar o espectro de nossa escuta e de nossa capacidade para gerar novos conhecimentos advindos da prática em Psicanálise.

Fabio Herrmann (1944-2006) foi psicanalista, criador da Teoria dos Campos, presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (1985-1986) e da fepal (1986-1988), fundador do Centro de Estudos da Teoria dos Campos (cetec) do Programa de Estudos Pós- Graduados em Psicologia Clínica da pucsp, no qual lecionou de 1984 até seu falecimento. Publicou 105 artigos científi cos e 30 capítulos de livros, além de vários livros, entre os quais os três volumes de Andaimes do Real, Clínica Psicanalítica: A Arte da Interpretação (traduzido na Argentina),O que é Psicanálise – para iniciantes ou não..., A Psique e o Eu, Introdução à Teoria dos Campos, O Divã a Passeio: À procura da psicanálise onde não parece estar, A Infância de Adão e outras fi cções psicanalíticas..

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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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