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ÍNDICE TEMÁTICO 
46
A clínica do trauma
ano XXIII - junho de 2011
180 páginas
capa: Patricia Furlong
  
 

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 EDITORIAL

Editorial

Letter from the editors

O prazer do Conselho Editorial com a composição de um número de Percurso tem diferentes matizes. É surpreendente a transformação que este trabalho de leitura, releitura e apreciação dos textos realiza na experiência de conhecimento e apreensão dos mesmos. Fragmentada nos primeiros contatos, alcança, com o fechamento do número, uma integração capaz de promover a suposta síntese dos assuntos, base para este editorial.

O outro gosto da atividade com publicações reside no seu efeito de ativar o coletivo. Resgatar o texto da relação binária com o autor é inseri-lo na tradição do regime dialógico, permitindo, assim, o encontro com o outro, o leitor.

A reunião de artigos, algumas resenhas e a entrevista constitui, neste número 46, uma espécie de leque de temas da psicanálise que se sucedem articulados a um campo insistente: Trauma. Nos seis primeiros artigos da seção Textos, incluindo a tradução da autora húngara Judit Mészáros, encontramos teorizações sobre a psicopatologia do trauma, as condições psíquicas para sua emergência, suas múltiplas feições sintomatológicas, além de proposições clínicas para seu tratamento analítico. Ajustando-se o foco, é possível enxergar mais um ponto em comum no horizonte das formulações teórico-clínicas contidas nestes artigos: o outro, sua intromissão ou ausência retumbantes, enquanto condição de possibilidade para o surgimento do trauma. Seja na humilhação ou culpa vivida pela criança violentada sexualmente, na aberração que tinge o desejo de vingança do perverso, nos transbordamentos das crianças hiperativas ou no infanticídio, é em torno do estatuto metapsicológico da participação do outro na cena traumática que vão sendo tecidas as construções teóricas sobre o trauma e seus impasses para a clínica psicanalítica.

Os autores deste número dialogam com algumas das mais centrais teorizações de Ferenczi, Laplanche e Winnicott, além de Freud, é claro. “A teoria faz parte do tecido da transferência. Ela é para o terapeuta um lugar onde é bom estar, ela tem a ver com o familiar, com o descanso, com o hábito, com o conforto” (Heitor O’Dwyer de Macedo). Neste sentido, alguns artigos chamam a atenção do leitor para o contraponto que se opera entre as teorias sobre o trauma em Freud (a primeira e a segunda, esta última englobando a noção da ressignificação e reinstalação do trauma no tempo do a posteriori) e as formulações de Ferenczi, trinta anos depois, contidas, sobretudo, no trabalho “Confusão de línguas entre adultos e crianças – a língua da ternura e a da paixão”. Contrariamente à enunciação freudiana sobre a fantasia de sedução, estes artigos destacam a existência real de um outro que expõe o infante – em situação de dependência ou vulnerabilidade, por razões relacionadas ao momento específico do desenvolvimento psicossexual – a maus tratos, privações, humilhações, molestamento sexual, etc. Enfim, o outro pode ser traumatogênico e, para os três autores mencionados, esta é a origem do trauma e das correspondentes feições psicopatológicas a ele associadas.

Vem também fazer parte dessa discussão a resenha “O novo no velho: ruptura ou continuidade”, que, discutindo os fenômenos transgeracionais, “traz para cena a questão da realidade do trauma” e ressalta a estreita relação que há para Ferenczi entre teoria do trauma e a questão da filiação.

Quanto ao espaço analítico, os artigos em questão destacam o caráter inaugural da criação mútua analista/analisando que deve estar na fundação da relação transferencial destes casos. Isto é, não se trata aqui de buscar rememorar os traumas para compartilhá-los com o analista e, através da interpretação dos desejos inconscientes associados com a castração, obter o alívio e o grau de entendimento necessários para a resolução do conflito. Diferente disso, antes de buscar ativar representações intrapsíquicas desconhecidas do paciente, a clínica do trauma almeja criá-las! Isto porque o trauma faz furo, como dizem os lacanianos, inspirados na metáfora freudiana da vesícula. Ou instaura um sentido de terror de aniquilamento (Winnicott). Ou, ainda, uma experiência de irrealidade, urgência e solidão (Ferenczi). Oferecer a palavra plena numa comunicação autêntica que nasce de uma relação baseada na confiança e no testemunho carrega a potência de uma nova realidade “pelo contraste (que produz) entre o presente e o passado traumatogênico”.

A entrevista com Maria Cristina Kupfer vai no mesmo sentido. Fala-nos sobre seu trabalho com crianças psicóticas e autistas, desenvolvido no Lugar de Vida – Centro de Educação Terapêutica, que completou 20 anos em 2010. No entanto, nos desafia com uma questão sobre a outra face do trauma, relacionada com sua percepção acerca do aumento de crianças na atualidade que dispensam o Outro. Pergunta-se: que novas formas de subjetivação são estas, que novo narcisismo é este? Neste sentido, a resenha “Lutando por nossas reservas florestais: a clínica psicanalítica” destaca uma passagem interessante em que a autora do livro analisa os efeitos do “predomínio das imagens e seu uso pela mídia na sua função hipnótica da captura e fascinação (que) favorecem uma passivação, ao mesmo tempo que acentua a identificação especular com o apagamento das diferenças entre o eu e o outro. As imagens devoram o eu, nós devoramos os objetos”.

As novas parentalidades e formas de reprodução humana, o lugar da família, da diferença entre os sexos, a hipótese sobre o declínio da função paterna e ascenção da função fraterna são outros temas presentes neste número. E, ainda, tema do número anterior de Percurso, mas dando evidência de sua atualidade, ressurge neste 46 a questão da formação do analista, agora sob a ótica lacaniana, em uma discussão sobre o passe.

Boa leitura!

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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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