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ÍNDICE TEMÁTICO 
44
O bem- e o mal-estar
ano XXIII - junho de 2010
240 páginas
capa: Paulo Pasta
  
 

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Resumo
Resenha de Abigail Aparecida de Paiva Franco e Magda Jorge Ribeiro Melão (orgs. tec.), Diálogos interdisciplinares: a psicologia e o serviço social nas práticas judiciárias, São Paulo, Casa do Psicólogo, 2007, 280 p.


Autor(es)
Maria Antonieta Pisano Motta

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 LEITURA

Ações interdisciplinares no Judiciário

aprimoramento em prol da família, da infância e da juventude


Interdisciplinary actions in the administration of justice
Maria Antonieta Pisano Motta

Diálogos interdisciplinares é uma coletânea de trabalhos selecionados dentre os concorrentes ao i Prêmio Serviço Social e Psicologia – Perspectiva Interdisciplinar, promovido pela Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

É um livro que sistematiza experiências profissionais desenvolvidas no contexto do Judiciário e que tem o mérito de gerar conhecimento de amplo valor e de aplicabilidade cotidiana para todos os que, de algum modo, vislumbram na prática da interdisciplinaridade um caminho para a solução de problemas que atingem a infância e/ ou as famílias às quais prestamos atendimento.

Seus capítulos compõem uma colcha de retalhos que tem a uni-los uma costura bem feita, firmada pelo nó que une todas as temáticas abordadas: a busca de boas práticas. Ganham com o livro os beneficiários dos serviços, bem como os próprios servidores, que, na busca do aprimoramento, produziram conhecimentos que se refletem em suas práticas e na daqueles que possam vir a compartilhar, por meio desta obra, do relato dessas experiências.

As intervenções, tão bem desenhadas em cada retalho desta colcha interdisciplinar de temática variada, mostram o esforço na busca do melhor desempenho profissional em temas de difícil manejo.

Os três primeiros capítulos versam sobre a adoção e, mais especificamente, sobre o trabalho de preparação para a adoção e os entraves encontrados para a realização das chamadas “adoções difíceis”. Práticas necessárias e sempre tão bemvindas por todos que se preocupam pela infância abandonada em nossas instituições de abrigo.

O interesse em conhecer ações que preparem os pais para a adoção de crianças maiores, grupos de irmãos ou crianças com necessidades especiais tem uma origem que fica clara quando vislumbramos as estatísticas.

Nos abrigos brasileiros temos a trágica soma de cerca de 80.000 crianças internadas. No Cadastro Nacional de adoção, recém-criado, temos por volta de 22.500 pretendentes à adoção. Paradoxo de difícil compreensão e de tristes consequências.

A cultura brasileira de adoção, carregada de mitos, falsas impressões, medos e distorções do real sentido e significado desta prática, contribui para a recusa de muitas famílias potencialmente capazes de concretizá-la. Repensar a questão do abandono e da adoção de crianças e adolescentes hoje significa dar passos no sentido de ressignificar valores, desmistificar crenças limitantes e reconsiderar, acima de tudo, o interesse da criança e do adolescente que, conforme prescreve o eca – Estatuto da Criança e do Adolescente (Cap. iii, Art. 19), “tem o direito de ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta”.

Uma mudança na atual cultura de adoção tornará possível a realização de inúmeros ideais, presentes tanto no imaginário das crianças e adolescentes como no dos adultos candidatos à adoção. Nesse sentido, as autoras do Capítulo I – “Abordagem Grupal Interdisciplinar: a Adoção nas varas de infância e juventude” apresentam uma alternativa enriquecedora para o trabalho com pretendentes, atuando interdisciplinarmente e sofisticando seu instrumental para, entre outros objetivos, aproximar as expectativas dos pretendentes à adoção às características das crianças e adolescentes disponíveis. O acolhimento, sugerido como iniciativa anterior às próprias entrevistas avaliativas, tem o poder de tranquilizar os participantes e torná-los mais espontâneos na expressão de seus desejos e conflitos, de suas dúvidas e ansiedades. Desse modo, contrariando as expectativas geradas no início do capítulo, as autoras revelam uma tentativa de abordagem da complexa problemática psicológica que envolve as questões relativas ao processo adotivo.

No capítulo II – “Grupo de orientação à adoção: uma experiência interdisciplinar”, é abordado outro ponto nevrálgico da adoção: o despreparo das famílias que buscam, por este meio, sanar carências e conflitos pessoais e interpessoais, resultando em sérios problemas na condução da criação do filho e culminando, muitas vezes, na cruel repetição do abandono, na devolução das crianças que seriam adotadas. Criando um espaço de discussão e orientação referentes aos questionamentos e temores que envolvem a adoção, as autoras pretenderam lidar com o despreparo frequentemente presente nos pretendentes ou naqueles que já haviam concretizado suas adoções. Este trabalho incluiu a tratativa de aspectos importantes, tais como as motivações dos pais, as necessidades dos filhos, características das diferentes fases do desenvolvimento da criança e do adolescente, preconceitos e situações do cotidiano, valendo-se sempre de depoimentos enriquecedores do processo. O capítulo apresenta interessante descrição das fases do trabalho desenvolvido, o que permite que seja replicado. Ademais, as autoras ampliam sua colaboração com aportes teóricos e teóricopráticos para que se compreenda a importância do preparo dos pretendentes à adoção, bem como dos pais adotivos. O desenvolvimento do trabalho envolve desde a aplicação de questionário até a dramatização de papéis. Fica despertada no leitor a vontade de conhecer o questionário, que não está incluído no capítulo, e de discutir algumas posturas sobre qual verdade deve ser revelada ao filho adotivo. A questão é polêmica e parece não haver ainda resposta unívoca para ela: o filho tem direito de saber tudo sobre a adoção? O que deve ser revelado? De qualquer modo, acertadamente, as autoras apontam para os efeitos deletérios sobre a vinculação e o estabelecimento de uma relação sadia e permeada pela confiança entre pais e filhos, se segredos tão importantes quanto o da filiação adotiva estiverem presentes.

Muitas são as polêmicas quando o tema é adoção. No atendimento aos pretendentes, há uma que deixamos para reflexão: serão as equipes do Judiciário as mais indicadas para esse atendimento, considerando que são as mesmas equipes que irão avaliar os pretendentes e definir sua aptidão para a adoção? Certamente o Judiciário tem importantes tarefas a cumprir. No entanto, a aproximação e o intercâmbio entre o Judiciário e os Grupos de Apoio à Adoção (gaas) são necessários e não podem ser delegados a um segundo plano, uma vez que são atividades complementares. As atividades dos gaas são também desenvolvidas por pessoas especializadas e livres do rótulo de avaliadores, o que as coloca em posição mais confortável, bem como àqueles que necessitam de ajuda neste processo.

No capítulo III – “Apresentação de um caso de adoção: como trabalhar com as várias descrições”, as autoras propõem uma ousada mudança no Judiciário, por meio da criação de equipes interdisciplinares no trabalho dos temas, visando à melhoria no atendimento ao usuário, bem como à redução do estresse dos profissionais, que quase sempre precisam desdobrar-se para atender a demandas extensas e variadas.

As autoras descrevem seu trabalho rotineiro com o processo adotivo nos Fóruns, incluindo aquele ligado à criação de Grupos de Acolhimento, além de iniciarem algumas ações alternativas para a adoção como o Apadrinhamento Afetivo.

Como pano de fundo, abandonam o paradigma cartesiano e adotam o pensamento pós-moderno, identificando uma interdependência entre o sujeito que conhece e o objeto de seu conhecimento. Enfatizam a interdisciplinaridade como a oportunidade para o enriquecimento mútuo e a horizontalização das relações, especialmente por uma recombinação dos elementos e não por uma simples adição.

É com esta perspectiva que as autoras narram um interessante caso de preparação para a adoção de um grupo de cinco irmãos, que bem ilustra a forma como a equipe desenvolve seu trabalho. A adoção é internacional, pois não foram encontrados pretendentes para estas crianças em nosso país.

O grande problema que o Juizado da Infância e Juventude enfrenta atualmente é que o perfil das crianças e adolescentes disponíveis para adoção é diametralmente oposto ao perfil da criança desejada pela grande maioria dos casais ou pessoas interessados em adoção. Isso torna muito difícil a tarefa de colocar essas crianças/adolescentes em famílias substitutas.

Por outro lado, a falta de investimento na reintegração familiar de crianças e adolescentes fica evidente ao se observar que 77% deles, mesmo possuindo vínculos com a família de origem, permanecem abrigados. O período de permanência no abrigo é longo: 42% das crianças e dos adolescentes ficam em abrigos por um período de 2 a 5 anos.

O capítulo IV, por sua vez, trata da aproximação entre as Varas da Infância e Juventude (vijs) e Conselhos Tutelares, propondo-se especialmente a intervenção junto às famílias com filhos em situação de risco ou de abandono. Trata- se de mais uma iniciativa relevante, pois tem um cunho profilático e abarca uma intervenção que pretende atingir a origem do problema: o trabalho com as famílias. Além disso, a intervenção junto aos Conselhos Tutelares é um bom começo para a agilização das ações e sua efetividade, além de fortalecer um órgão muito próximo à comunidade. Mostram os autores uma preocupação em construir conhecimento, uma vez que propõem um maior aprofundamento teórico a partir de suas práticas, com o objetivo de fazer frente à diversidade das composições familiares encontradas. Iniciativa importante e necessária, uma vez que o arranjo familiar tradicional não é mais característico da realidade brasileira, especialmente em determinadas classes sociais menos favorecidas.

Já no capítulo V, trazem os autores suas reflexões sobre as teorias e perspectivas que tratam do estabelecimento e da ruptura de vínculos, decorrentes de estudos realizados pela equipe interdisciplinar das Varas.

Seu foco se mantém sobre os efeitos das rupturas de vínculos no contexto da institucionalização de crianças e adolescentes. Transitam entre autores cujas concepções são mais deterministas, vislumbrando consequências danosas e permanentes sobre aqueles que sofreram rupturas em vínculos importantes, e outros autores que asseveram haver caminhos e possibilidades de recuperação. Apoiando-se na linha mais organicista ou mais contextualista, a preocupação dos autores deste capítulo se firma nas crianças que vivenciaram, de algum modo, a ruptura de seus vínculos.

É interessante a discussão sobre quais influências os deterministas estariam sofrendo e se estariam sendo influenciados por mitos acerca da maternidade, da filiação biológica e da composição familiar. Discussão importante e necessária se desejamos evoluir neste campo, onde os mitos e preconceitos grassam e são determinantes da impossibilidade de muitas crianças verem atendido seu direito de viver em família. O grande mérito deste capítulo está não apenas na postura adotada pelos autores, que deixam a visão fatalista para trás e abraçam os referencias mais próximos de uma visão sistêmica, circular e não linear, de causa e efeitos imutáveis. Maior mérito reside na preocupação em desenvolver procedimentos que garantam formas de adaptação e bem-estar, seja no abrigo, seja em família substituta, à criança que viveu rupturas. A postura adotada tem caráter profilático, o que vai ao encontro da defesa do maior interesse das crianças. Nesta mesma linha, apontam para a necessidade de reestruturação dos abrigos segundo o professado pelo eca e elencam uma série de recursos paralelos que podem ser mobilizados no atendimento às crianças, às famílias e às instituições de atendimento. A manutenção dos vínculos originais familiares é valorizada, bem como a importância do trabalho em rede para que as intervenções sejam ágeis e efetivas. Não se excluem da necessidade de revisão pessoal no que se refere a mitos e preconceitos, que, se não abordados e devidamente elaborados, podem conduzir à paralisia de ações tão necessárias.

O capítulo VI, por sua vez, trata de tema polêmico e atual – o rebaixamento da idade penal. Entendem os autores que a subsidiar tal postura está a lógica da retaliação, a qual não apresenta solução real para as situações de violências praticadas por adolescentes. Defendem, acertadamente, que as sanções bem aplicadas estão na base da educação e da vida social e apontam a existência de graves hiatos normativos. Entendem corretamente que a função da sanção seria de preservar a ordem pública e não de “fazer justiça”, o que se daria por meio de um sistema ressocializante eficiente. Interessante e já tradicional entre os estudiosos da intersecção entre o Direito e a Psicologia é incursão destinada a tentar articular a função da Lei Jurídica com a formação da Lei Psíquica, constitutiva do homem “civilizado”.

Apresentam os autores uma instituição que denominam “ilha de sanidade”, na qual membros de uma equipe multidisciplinar enfrentam o desafio de criar um sistema socioeducativo cuja proposta está apoiada na oferta de oportunidades de desenvolvimento pessoal dos internos. Nessa experiência as iniciativas humanistas ressocializantes são tão necessárias quanto possíveis.

Somos conduzidos neste capítulo ao seguinte questionamento: se a lei psíquica se instaura pelo temor ao pai, se da sanção advém a castração e o limite, se não houver sanção o que impedirá as ações antissociais? O percurso da humanização, a libidinização seguida da castração civilizatória parece ser o percurso a ser seguido com resultados a longo prazo. Os autores propõem um reordenamento do modelo vigente de atendimento, que apresentará resultados nada imediatos. Resta saber o que fazer com o aqui e o agora.

O capítulo VII trata do enfrentamento à violência doméstica. Como romper o ciclo de violência contra crianças e adolescentes foi o desafio que os profissionais da Equipe Técnica do Judiciário de Orlândia se colocaram. Os autores percorrem o caminho histórico da violência contra a criança, chegando até a violência doméstica presente em nosso cotidiano, e defendem sua divulgação para que se rompa seu ciclo e ela possa ser combatida. Ao chegar ao Judiciário, mais uma vez mostra-se necessária a aplicação do trabalho interdisciplinar em função da variedade da prática da violência, bem como da multiplicidade de seus indicadores. A violência física é tida como a mais facilmente identificável e a mais comum e pertence ao nosso imaginário. A violência sexual é a que mais aversão causa, por atacar tabus e interdições fundantes de nosso psiquismo. A psicológica é a mais dificilmente identificável, pois suas consequências se dão no nível do emocional, do impalpável.

Os questionamentos apresentados pelos autores são os de praxe, e são unânimes em apontar a necessidade de proteção à criança vítima de violência. Resta buscar respostas sobre como romper o ciclo violento, que medidas tomar em relação ao agressor e outras ainda que dependem de que a nossa sociedade alcance medidas, quer legislativas, quer terapêuticas, capazes de mudar efetivamente as situações de violência no âmbito familiar. Urge buscar aquelas de caráter profilático, preventivo. Os autores fazem sua proposta: a de uma intervenção interdisciplinar acompanhada de uma outra, de ordem pluri-institucional, na qual as instituições envolvidas na defesa aos Direitos da Infância e Juventude ajam conjuntamente.

No capítulo VIII, os autores se impõem a tarefa de refletir sobre a possibilidade de trabalho interdisciplinar numa situação típica vivida pelos técnicos do Tribunal de Justiça, que é a da sobrecarga de trabalho, aliada à redução do quadro de profissionais e aos problemas trazidos pela clientela. Diante do dilema paralisar-se ou dar um salto qualitativo, optaram pela segunda alternativa, baseada novamente na troca interdisciplinar que caracteriza os atendimentos na vij de Campinas e que lá encontra aplicabilidade maior no Setor de Adoção, especificamente na avaliação dos pretendentes à adoção. Um dos grandes méritos deste capítulo é a demonstração da possibilidade de atuação interdisciplinar generalizada dos técnicos do tj do Estado de São Paulo. Os autores propõem-se uma análise do contexto sócio-político- cultural dos usuários do serviço. Criticam o pensamento e o método cartesiano como forma de atingir o conhecimento e apresentam as chamadas Ciências Sociais como as novas formas de pensar o homem, que desembocam na Psicologia e Serviço Social. Apresentam a evolução do pensamento, passando pelo Positivismo e pela Psicanálise, que criaram novas formas de buscar o conhecimento, especialmente a última, ao introduzir a noção de Inconsciente, fazendo com que a Razão fosse deslocada do lugar central que ocupava até então. Impõe-se a partir daí a necessidade de uma redefinição do modo de atuação das diferentes disciplinas, surgindo a perspectiva interdisciplinar como forma de enfrentamento dos dilemas que o homem moderno vive na sociedade urbana industrial. Neste quadro, a Psicologia e o Serviço Social são saberes a serem compartilhados para que surjam novas formas de ação e intervenção nas microssociedades tal como é a família. Finalmente, tomam a interdisciplinaridade como propiciadora de uma maneira especial e nova de intervir nas questões postas pela sociedade.

É verdade que a construção de uma nova teoria geral a partir da contribuição de diferentes disciplinas se caracterizaria como um passo além da interdisciplinaridade, que já não é tão nova nem tão fora de nossas práticas cotidianas. Caracterizar- se-ia como uma forma de intervenção verdadeiramente nova, a transdisciplinaridade. É certo, porém, que a proposta vai além da simples multidisciplinaridade na qual os saberes se justapõem. O capítulo pressupõe, em seu lugar, uma reciprocidade, um regime de copropriedade que possibilita o diálogo equilibrado. Com esta postura “filosófica” lança um projeto de avaliação interdisciplinar dos pretendentes à adoção.

É uma proposta que tem suas limitações, já que pretende ser mais informativa que formativa. Embora superficial em termos de uma conscientização mais aprofundada dos pretendentes em relação ao ato de adotar, ela tem seu mérito: o de propor uma ação que vai além do caráter avaliativo característico das intervenções das vij neste tema.

Qualquer intervenção que faça com que os pretendentes possam ir além do “instante de olhar” e chegar ao “tempo de compreender” fará com que o “momento de concluir” se concretize em ações mais integradas e elaboradas por parte dos pretendentes, levando à adoção (quando for este o caso) cujo sucesso terá maiores garantias.

Com este objetivo, o método passa a ser mero detalhe.

Apresentar um trabalho que aborda a técnica de entrevista como meio de atuação nos casos atendidos nas Varas Cíveis é a meta do Capítulo ix, sendo esta especialmente voltada para a entrevista conjunta dos ex-cônjuges. Novamente, a proposta do atendimento conjunto de psicólogo e assistente social se apresenta neste capítulo, desta vez para a avaliação pericial de casos de disputa de guarda ou regulamentação de visitas. Essa ideia se funda na observação de que o casal litigante ouvido em separado tem uma “intensificação das fantasias inconscientes associadas a ansiedades e defesas decorrentes de um relacionamento conjugal conturbado”.

A compreensão da dinâmica relacional alcançada por este método certamente restará melhorada. Restam entretanto as idiossincrasias pessoais, aquelas características que, quando identificadas, dizem ao perito qual dos dois genitores é o mais capaz de exercer a guarda naquele momento. A relação transferencial do casal permite, a meu ver, o acesso a um certo tipo de conhecimento que, no entanto, não se confunde com aquele que só é passível de ser apreendido pelo contato individual e aprofundado, no qual a transferência e a contratransferência, o setting e as transgressões ao mesmo nos darão indicações valiosas para a compreensão de cada indivíduo examinado.

Ao apontarem o trabalho em equipe dentro de uma instituição, os autores alertam para as dificuldades em sua concretização, quase sempre da ordem das emoções e dos sentimentos dos membros componentes da equipe. As entrevistas conjuntas são apresentadas não apenas como método de avaliação das situações e das pessoas, mas também contribuindo para um repensar sobre as relações interpessoais, o que pode conduzir a desfechos mais favoráveis do processo judicial. Para tanto, o processo avaliativo é complementado por situações terapêuticas que tendem, essas sim, a descontinuar o ciclo de perpetuação de conflitos.

Temos no capítulo X, como meta condutora, a atuação conjunta dos profissionais que trabalham no Tribunal de Justiça. Refere à importância dos Grupos de Estudos para estes profissionais, tanto na construção do conhecimento conjunto como da prática cotidiana. Apontam os autores o efeito terapêutico desses grupos como reguladores da ansiedade profissional, favorecendo a busca das melhores práticas. Questionam eles a operatividade desses grupos e concluem que ela se dá num esquema de trabalho interdisciplinar e que tem como objetivo primeiro a capacitação e qualificação dos profissionais, objetivando o aperfeiçoamento da prática. Por envolver diferentes comarcas do Estado, o texto propicia ainda um conhecimento das diferentes formas de atuação com o enriquecimento de todos os participantes. Concluem os autores no sentido de que, aliado ao objetivo didático desses grupos de estudo, surge sua operatividade na medida em que possibilitam a cada profissional elaborar e traduzir sistemas de conflito difíceis de serem trabalhados em outro contexto.

Partindo dos usuários do Judiciário, chegase no capítulo XI ao trabalho que tem por sujeitos os operadores do Direito. Aborda-se a atuação do assistente social e do psicólogo judiciários no Serviço Psicossocial Vocacional do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a partir da ótica de seus autores.

Criado em 1998, é onde atualmente se realiza a avaliação psicossocial dos candidatos à Magistratura e Delegação dos Cartórios Extrajudiciais e dos juízes vitaliciandos em estágio probatório. Propõe-se também a orientação vocacional dos filhos e netos dos servidores do tjsp.

Este pretende ser um trabalho com metas profiláticas, uma vez que, por meio da abordagem interdisciplinar, pretende-se alcançar uma compreensão mais aprofundada dos usuários do serviço e possibilitar a identificação de implicações sociais e psicológicas presentes na escolha profissional, com a finalidade de prevenir desadaptações no desempenho da carreira.

É um serviço que permite o trabalho da escolha profissional em três momentos da vida: na adolescência, quando se escolhe o curso superior; na escolha de um caminho mais especializado, quando do concurso para a Magistratura e, finalmente, após a escolha profissional, quando se assume a carreira judicante.

Os autores apresentam uma conceituação abrangente do que seja “vocação”, relacionando- a a fatores emocionais, sociais, econômicos, culturais e ideológicos. Ao seguir o modelo bohoslavkyano, fazem o sujeito organizar suas escolhas fundado na compreensão de si mesmo e não meramente no resultado de testes. Para a compreensão de tal complexidade, lançam mão da abordagem interdisciplinar, com resultados benéficos que favorecem desenvolvimento do indivíduo em termos globais, tanto em seus aspectos profissionais como nos pessoais. A contribuição social de tal prática é evidente na medida em que bons profissionais trabalham bem com suas equipes e atendem melhor sua clientela.

Diálogos interdisciplinares é um livro que – ao propor novas práticas, novas conceituações, novos saberes – pretende construir o futuro. São práticas a serem experimentadas, testadas, eventualmente modificadas e aprimoradas.

Afinal, como dizia o poeta, “Caminhante, tuas pegadas são o caminho, nada mais. Caminhante, não há caminhos, faz-se o caminho ao andar”.


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