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Resumo
O texto parte da diferenciação entre o representável e o irrepresentável, conceitos presentes em Revelações do inacabado (1994), e da diferença entre tempo em movimento e o assassinato do tempo, do livro O tempo fragmentado (2001), ambos de André Green. A partir disto, o trabalho se dirige à conceitualização da relação com o objeto e a construção da estrutura enquadrante na obra de Green, mostrando como, para o autor, será da instauração ou fracasso desta estrutura enquadrante que se desprendem dois territórios diferentes na clínica que demandam do analista formas distintas de trabalho.


Palavras-chave
irrepresentável; objeto; estrutura enquadrante; pensamento clínico; espelho.


Autor(es)
Silvia Leonor Alonso
é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise e professora do Curso de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, onde coordena o grupo de trabalho e pesquisa “O feminino e o imaginário cultural contemporâneo”.


Notas

1.        Texto apresentado no evento "André Green: diálogos", em 26 out. 2013, organizado pela revista Percurso no Instituto Sedes Sapientiae.

2.        A. Green, El pensamiento clinico, p. 33.

3.        S. Alonso, Considerações sobre a realidade e a temporalidade a partir de "Uma lembrança infantil de Leonardo da Vinci", in Freud: Um ciclo de leituras.

4.        A. Green, Revelações do inacabado: sobre o cartão de Londres de Leonardo da Vinci.

5.        A. Green, op. cit., p. 30.

6.        A. Green, op. cit., p. 92.

7.        A. Green, op. cit., p. 94.

8.        S. Alonso, O tempo, a escuta, o feminino.

9.        A. Green, El tiempo fragmentado.

10.     A. Green, op. cit., p. 103.

11.     A. Green, op. cit., p. 143.

12.     A. Green, op. cit., p. 112.

13.     A. Green, Narcisismo de vida, narcisismo de morte, p. 274.

14.     A. Green, op. cit., p. 274.

15.     A. Green, Orientações para uma psicanálise contemporânea, p. 140.

16.     A. Green, El tiempo fragmentado, p. 135.

17.     A. Green, De locuras privadas, p. 68.

18.     A. Green, op. cit., p. 69.

19.     A. Green, op. cit., p. 84.

20.     A. Green, El pensamiento clinico, p. 12.



Referências bibliográficas

Alonso S.L. (1997). Considerações sobre a realidade e a temporalidade a partir de "Uma lembrança infantil de Leonardo da Vinci". In: Freud: Um ciclo de leituras. São Paulo: Escuta.

____. (2011). O tempo, a escuta, o feminino. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Freud S. (1895/1989). Proyecto de psicología. Freud, S. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu, v. 1.

____. (1900/1989). La interpretación de los sueños. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu, v. 5.

____. (1920/1989). Trabajos sobre metapsicologia. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu, v. 14.

____. (1920/1989). Más allá del principio de placer. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu, v. 18.

____. (1925/1989). La pizarra mágica. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu, v. 19.

____. (1939/1989). Moisés y la religión monoteísta. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu, v. 23.

Green A. (1988). Narcisismo de vida, narcisismo de morte. São Paulo: Escuta.

____. (1990). De locuras privadas. Buenos Aires: Amorrortu.

____. (1994). Revelações do inacabado: sobre o cartão de Londres de Leonardo da Vinci. Rio de Janeiro: Imago.

____. (1995). El trabajo de lo negativo. Buenos Aires: Amorrortu.

____. (2001). El tiempo fragmentado. Buenos Aires: Amorrortu.

____. (2008). Orientações para uma psicanálise contemporânea. Rio de Janeiro: Imago.

____. (2010). El pensamiento clinico. Buenos Aires: Amorrortu.

____. (2012). A clínica contemporânea e o enquadre interno do analista. Entrevista realizada por Fernando Uribarri. Revista Brasileira de Psicanálise, vol. 46, n. 3, p. 215-225.





Abstract
This article starts with the distinction between the representable and the unrepresentable, concepts that are present in Unfinished Revelations (1994), and the difference between time in movement and time assassination, from the book The fragmented time (2001), both from André Green. From this, the work goes to conceptualize the object relation and the construction of the framing structure on Green´s work, showing how, to the author, it will be from the establishment or the failure of this framing structure that two different territories are detached on the clinic, demanding from the analyst different ways of work.


Keywords
unrepresentable; object; framing structure; clinical thought; mirror.

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 TEXTO

“Bons encontros” com o pensamento de André Green

“Good meetings” with the thought of André Green
Silvia Leonor Alonso

[...] um analista não pode prescindir de ser clínico, mas um clínico que possa pensar como pensa a clínica. Mais além dessa viagem com o analisando, na qual ele tem às vezes a sorte de voltá-lo à vida, precisa contar a odisseia e transmitir aos outros o que esse pensamento clínico, único no seu gênero terá lhe permitido entender.

André Green, O pensamento clínico[1]

 

No longo percurso que cada um de nós faz como analista, neste trânsito permanente entre aquilo que na experiência clínica ressoa em nós - a partir da qual vamos formulando algumas questões -, e o movimento da busca de palavras, de metáforas, de conceitos que possam ir construindo alguma racionalidade sobre o que fazemos, bebemos daquilo que alguns autores já foram tecendo do "pensamento clínico" e nos ofereceram através dos seus escritos. Mas toda busca na psicanálise se faz a partir de algo que fisga o analista e que certamente o implica em algo de suas marcas, do seu desejo, de sua história.

 

Ao longo do meu percurso, no processo de reflexão sobre a clínica, vários foram os momentos nos quais encontrei nos escritos de André Green desenvolvimentos conceituais que me foram extremamente proveitosos e dos quais retirei muita água para meu moinho, podendo assim avançar na reflexão. Escolhi dois desses encontros para começar minha fala de hoje.

 

Em 1995, estava trabalhando o tema das inscrições psíquicas e escrevendo um texto sobre a lembrança infantil de Leonardo Da Vinci[2], quando chegou às minhas mãos um livro de André Green intitulado Revelações do inacabado[3] (1994), publicado originalmente em 1992. Belíssimo texto cuja prazerosa leitura me deixara ressonâncias significativas. Trata-se da análise de uma obra de Leonardo da Vinci, "O cartão de Londres" (desenho a carvão da Virgem, o menino, Sant' Ana e São João Batista) exposto na National Gallery. No seu livro, Green faz uma análise a partir do deslumbramento que viveu ao contemplar o quadro e aquilo que ao contemplá-lo ofereceu-se a ele como revelação. Segundo reconhece o autor, seriam as marcas deixadas nele no momento da contemplação que animam a análise, assim como algo haveria de análise na emoção estética sentida. Trata-se, portanto, do fio de ligação que se tece entre a marca e o pensamento.

 

O texto de Green estende-se na análise da obra, assim como na comparação com outras obras de Leonardo e do lugar deste entre os historiadores de arte, temáticas que trazem aportes importantes para quem se interessa pelos temas da criação ou da articulação entre psicanálise e arte. Mas não foi por esse caminho que o livro me fisgou, e sim pela temática das inscrições e a clínica psicanalítica, algo que também gostaria de recuperar hoje.

 

Nas convergências e divergências dos olhares entre os personagens do quadro, André Green vai analisando a relação entre as duas figuras femininas e entre as crianças. Recupera temáticas interessantes como a separação do menino e da mãe, e a alegria da mãe que acompanha o afastamento do menino e a aproximação deste ao companheiro; o desdobramento da figura da mãe e o duplo da criança entre o messiânico e o carnal, dentre outras.

 

Mas o que me interessa salientar é a diferença assinalada por Green entre o que acontece na parte superior do quadro - na qual as figuras são claras e bem diferenciadas - e na parte inferior, em que Leonardo teria se aproveitado do difuso do desenho a carvão para nos colocar perante uma incerteza, uma fusão onírica na qual o corpo das duas mulheres parece confundir-se por formar um tronco único, ao mesmo tempo que um triângulo obscuro entre as pernas de Sant'Ana evoca uma caverna pubiana, no meio da qual parece pender algo na qual poderia se ver uma representação simbólica do pênis materno. É justamente nesta incerteza, dirá Green, que algo das profundezas secretas de Leonardo pode aparecer, tratando-se então da emergência de fantasias vindas das estruturas do inconsciente. Leonardo se encontra então com Freud, pois nesta obra podem ser lidas as teorias sexuais infantis por ele formuladas. Trata-se aqui, segundo Green, da sexualidade presente na positividade das formas.

 

No entanto, Green avança descobrindo na obra esboços ainda mais inacabados; tanto a mão esquerda quanto o pé direito de Sant'Ana só têm o contorno desenhado, caracterizando-se pela ausência de cor, de relevo ou de densidade; espaço desprovido de substância, de volume e de relevo. Em resumo, formas vazias. "Semelhante efeito de inacabado, como um espelho que só refletisse os contornos de uma imagem, nos leva, a aproximá-lo de uma alucinação negativa"[4], marcas do negativo.

 

Para Green, não basta se entregar à pesquisa das marcas positivas organizadas misteriosamente como o sorriso enigmático da Gioconda, eco longínquo do sorriso materno. Sorriso que terá sido gravado na própria carne de Leonardo, estabelecendo uma continuidade ininterrupta com o corpo materno numa intimidade indestrutível.

 

"É preciso também considerar a falta de acabamento, aquilo onde só há contorno" e de onde a pintura é para Leonardo aquilo que, para Freud, seria a representação.

 

Cito Green: "Assim o espaço do quadro seria portador de toda a carne cujas delícias fantasiadas ou nostálgicas o corpo da mãe evoca, no entanto, além se abriria outro espaço onde o figurável não tem mais lugar, e que só ao pensamento caberia construir. Mas a partir do figurável" [5].

 

Vemos então diferenciarem-se dois territórios: o campo do figurável e do não figurável. Do informe e do que logra a forma. Da positividade das formas e das marcas do negativo. Além dessa diferenciação, quero pinçar desse desenvolvimento mais duas ideias, a da tela do quadro, que na escrita do autor vai se deslocando para a lembrança-tela e para o espaço psíquico como sendo a própria tela. Cito Green: "A função da tela é ser testemunha muda, receptáculo precário, apoio incerto, guia hesitante ou censor paralisante, mas também, às vezes, maravilhoso revelador. Em resumo, porta-voz sempre ambíguo, dirigindo-se a um destinatário inominável" [6].

 

A segunda ideia é a do espelho: conta Green que Leonardo recomendava aos pintores terem um espelho plano para que, enquanto pintassem, olhassem com frequência a obra nele, pois ela apareceria no espelho invertida, como se fosse feita pela mão de outro, podendo então o pintor julgar melhor seus erros. O espelho que introduz a alteridade.

 

No fundo de todo esse desenvolvimento está para Green o objeto: de um lado a mãe sedutora, que na sua presença alicerça o caminho das fixações, e do outro a privação real da mãe que cria uma ardente nostalgia do que não foi e do que não existiu, podendo essa nostalgia produzir efeitos a ponto de se confundir com o que teve lugar.

 

Passemos para o segundo momento de encontro ao qual quero me referir: o tema das temporalidades diferentes no psiquismo tem sido um tema de meu interesse há bastante tempo e tenho encontrado nele um dos eixos metapsicológicos importantes que fundamentam a clínica e a escuta[7]. Muitos dos autores pós-freudianos, a partir da crítica ao modelo genético do pensamento kleiniano e marcados também pela recuperação que Lacan fizera no retorno a Freud do tempo do a posteriori, se debruçaram sobre o tema estudando no interior do texto freudiano os diferentes tempos psíquicos. Foi nesse caminho de trabalho que me encontrei com o livro de André Green O tempo fragmentado[8], publicado originalmente em 2000. Grande achado! A primeira parte do livro é um excelente tratado da chamada "heterocronia fundamental freudiana", acompanhando um por um os diferentes tempos na obra de Freud. Começando com a mistura dos tempos nos sonhos (Freud, 1900/1989), o tempo a posteriori na formação dos sintomas (Freud, 1895/1989), a atemporalidade do inconsciente (Freud, 1915/1989), o tempo mítico das origens, o tempo da repetição (Freud, 1920/1989), a verdade histórica (Freud, 1939/1989) e, finalmente, a descontinuidade do tempo (Freud, 1925/1989). Rigorosa recuperação da densidade e fertilidade do pensamento freudiano.

 

Mas foi na segunda parte do seu livro, ao tratar da clínica da segunda tópica, que encontrei alguns elementos que hoje gostaria de pinçar. Para Green, na obra de Freud podem-se distinguir dois modelos: um primeiro modelo - o do sonho -, no qual trata-se de pôr luz sobre os fantasmas da noite, de levantar as brumas do inconsciente mediante a passagem da representação coisa à representação de palavra; enquanto, no segundo modelo - o do ato -, cujo eixo está na potencialidade atuante da moção pulsional presente fundamentalmente na compulsão de repetição, a oposição se coloca entre "a extenuação temporária no agir - e a reelaboração representativa"[9]. O mistério é como a partir da moção pulsional advém o representável, já que a moção pulsional pode seguir alguns outros caminhos, como a descarga no corpo, a descarga por meio do ato ou a precipitação no alucinatório. A cicatriz da ordem do traumático coloca em xeque o inconsciente vinculado ao princípio do prazer. Disso se depreende que falhas do objeto primário não teriam permitido criar as condições necessárias para a instauração do princípio do prazer.

 

Novamente se delimitam dois territórios. Agora eles se diferenciam do ponto de vista do tempo; de um lado, quando na vida psíquica trata-se de marcas de prazer há fixação, no entanto a fixação inclui a possibilidade de substituição e de sublimação; há um tempo em movimento, enquanto, no trauma doloroso, a dor parece ser ferozmente imóvel. Na vida psíquica esse dilema remete diretamente à economia do tempo. Na compulsão de repetição, sendo a tentativa a de fazer um vazio no interior do psiquismo, se produz um assassinato do tempo. Prima um antitempo e desfaz-se a trama simbolizante, comprimindo o espaço da representação.

 

Mas também desta vez a diferenciação dos territórios, para o autor, remete ao objeto - o objeto da cobertura, como o designa - já que a mãe cobre as necessidades da criança, mas também marca com a sua ausência. Cito Green: "O paradigma do objeto, a saber: ser o agente mais poderoso da estruturação do tempo e instaurar a sucessão de suas aparições/desaparições" [10]. Ao objeto corresponde então a função da excitabilidade, mas também do limite dela, e portanto da instauração da temporalidade, do prazo, da suspensão da descarga, sendo que o que fará possível a objetalização transformadora do funcionamento pulsional é "a intervenção do objeto na sua relação com o tempo"[11].

 

Pinçados os elementos nestes dois textos, transitei por outros textos da obra de Green, extensa e complexa como este evento já o mostrou, e reencontrei esses elementos articulados ao redor da ideia da presença/ausência do objeto na construção do espaço psíquico e nos desdobramentos disto sobre o dispositivo analítico.

 

Sabemos que o centro do trabalho do autor é o eixo pulsão-objeto. O objeto tem uma dupla função: de um lado estimula e revela pulsão, de outro promove representação, simbolização, ao estabelecer cuidados, ritmos entre ausência e presença, ao tornar tolerável a excitação. Na relação com a mãe, são introjetados os cuidados, o que marca o modelo de uma relação de objeto, mas também se internaliza a estrutura que os enquadra, constitutiva da "categoria intrapsíquica da ausência". Quando se produz a separação do objeto e na tentativa de atenuar os efeitos da ausência, se constitui a "estrutura enquadrante". "O objeto primário torna-se estrutura enquadrante do eu abrigando a alucinação negativa da mãe"[12]. No reverso da realização alucinatória do desejo.

 

Constrói-se assim o espaço psíquico, um espaço branco que pode emergir no fundamento da identificação e onde podem surgir as representações, a tela, que pode ser preenchida pelas fantasias. Para Green,

 

O espaço assim enquadrado constitui o receptáculo do Eu, circunscreve o campo vazio a ser ocupado pelos investimentos eróticos e agressivos sob a forma de representações de objeto... e desempenha o papel de matriz primordial dos investimentos[13].

 

Constitui-se então a base do psiquismo que permite a separação em relação ao objeto; quando as condições são favoráveis à separação entre a criança e a mãe, ocorre uma mutação fundamental no interior do eu, o objeto primário da fusão vai se apagando para dar lugar aos investimentos fundadores do narcisismo. O autoinvestimento narcisista constrói uma condição de reflexividade, de autorreconhecimento, condições básicas do pensamento e da subjetivação. Cito Green: "a mãe é presa no quadro vazio da alucinação negativa e torna-se estrutura enquadrante para o próprio sujeito. O sujeito se constrói onde aconteceu a investidura e não o investimento do objeto"[14]. O quadro oferece a garantia da presença materna na sua ausência. Temos aqui o trabalho do negativo na sua positividade, a construção do psiquismo e do sujeito. As representações da mãe se projetam no interior dessa estrutura enquadrante.

 

"Para que o objeto fantasmático possa fazer ouvir, através dele, o barulho da vida e a ação de Eros, necessita que previamente o objeto de apoio tenha cumprido a sua função"[15], ou seja, que se tenha criado a moldura do quadro. Isso só é possível quando o amor de objeto é suficientemente seguro para desempenhar o papel de continente do espaço da representação. Mas também será fundamental que o ritmo da ausência permita que a perda de objeto se acompanhe pelo luto do objeto.

 

Agora, quando nenhum luto é possível, o objeto nunca pode estar ausente e portanto não pode ser pensado, sem o qual o sujeito pode ser levado à evacuação de si próprio, com angústias avassaladoras e repetições muito mortíferas. Isto afeta não só o espaço, mas também o tempo, criando tempos mortos nos quais não é possível a simbolização.

 

Do sucesso ou fracasso na instauração da estrutura enquadrante se desprendem dois territórios diferentes na clínica.

Na primeira delas, o enquadre fica como "quadro silencioso que se faz esquecer, está como ausente"[16], o que dá a possibilidade de entrar nos conflitos intrapsíquicos, entre as instâncias, em que processos fluidos podem acontecer e o analista pode acompanhá-los com certa clareza. O enquadre pode ser utilizado como espaço potencial para a simbolização. Ao mesmo tempo que as teorias sexuais infantis - estruturas narrativas interiorizadas referidas às sexualidades combinadas das crianças e os pais - juntam em uma "forma algo do informe", a partir do que ficou inscrito dos objetos. Formas na sua positividade. Território do representável.

 

Numa segunda situação clínica, o enquadre "faz sentir sua presença"[17], sobretudo no analista que sente a necessidade de preservar a situação analítica de ameaça, impondo a ele próprio esforços de imaginação, ao passo que chegam ao analista sensações que não se traduzem numa imagem nem lembrança de algo falado na cura, e cabe a ele alcançar algo análogo a uma representação alucinatória do desejo. Chegam a ele impressões pouco claras, informes, mas que mobilizam todas as formas de pensamento do analista, das mais elementares às mais evoluídas, exigindo um trabalho de simbolização. Estamos no "vazio das formas", onde corresponderá ao analista "desenhar imagens". Estamos no campo do irrepresentável.

 

Em um dos casos, é preciso dar um continente para o conteúdo, mas no segundo também um continente para o continente.

 

Para finalizar, voltemos ao espelho que, para Leonardo, introduzia a alteridade. Quando falamos do espelho, dirá Green, não podemos esquecer que entre o objeto e a imagem existe um elemento terceiro que é o próprio espelho. Na situação analítica, o enquadre (enquadre interno do analista constituído a partir de sua análise pessoal e da experiência acumulada com outros pacientes) representa o elemento terceiro e realiza um trabalho de espelho muito importante, sobretudo nos analisandos não neuróticos. A estrutura enquadrante do analista, por via de sua análise, se torna fonte de uma nova reflexividade. A verbalização introduz para Green um elemento terceiro na dualidade da comunicação.

 

Mas, nesse longo caminho no qual partindo do informe se vai em direção ao surgimento de alguma figura, Green alerta sobre a delicadeza com que o silêncio do analista deve ser tratado, no atendimento de pacientes mais graves, pois trata-se de ajudar a construir "uma investidura positiva do espaço vazio", ou seja, uma suportabilidade da ausência, por isso não se pode entupir todo o espaço da sessão de falas nem tampouco silenciar de maneira absoluta, pois em muitos destes casos o silêncio é vivido como silêncio de morte[18], sendo esta mais uma das dificuldades com que um analista tem que se haver na condução da cura.

 

É assim que, na proposta do autor, se vai construindo o que ele chama de pensamento clínico: esse "modo original e específico de racionalidade surgido da experiência analítica"[19], que remete à atividade de relação entre os diversos regimes das diferentes instâncias psíquicas. Para isso será necessário que na cabeceira do divã o inconsciente do analista vibre deixando ressoar o inconsciente do analisando, um analista que se deixe transformar pela experiência transferencial e contratransferencial, um analista implicado que não converta

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