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Resumo
Resenha de Renata Udler Cromberg (org.), Sabina Spielrein - uma pioneira da psicanálise, São Paulo, Livros da Matriz, 2014, 400 p. (Obras completas - volume I)


Autor(es)
Camila Salles Gonçalves
é doutora em filosofia pela fflcusp, psicóloga pela pucsp, psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, autora de publicações sobre psicanálise e filosofia.


Notas

1.     A. Carotenuto, Senso e contenuto dela psicologia analítica, Turim, Boringhieri, 1977, em citação da autora, p. 19.

2.     Jornada da alma (2002), de Roberto Faenza, e Um método perigoso(2011), de David Cronemberg. Na Bibliografia, Renata Cromberg lista outros filmes, menos comerciais: "Apocalypse, Documentário francês, dirigido por Isabelle Clark, com texto e narração de Daniel Kostel, 2009 e Ich hiess Sabina Spielrein. Direção: Elisabeth Márton; intérpretes: Eva Osterberg, Lasse Almeback; Suécia, 2002, (90 min) dvd - Fran 7 ar, Cined 8120" (p.393).

3.     Em rodapé também, na edição do livro: Imago, ano i, 1. ed. (p. 353).

4.     Ver longa Nota de Tradução, na p. 369.

5.     Publicada em 1911 como ensaio, no número iii dos Anais de pesquisas psicanalíticas, "outro achado arqueológico" (p. 274).


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 LEITURA

A Saga de Sabina Spielrein e o resgate de sua obra [Sabina Spielrein – uma pioneira da psicanálise]

Sabina Spielrein’s saga and the rescue of her work
Camila Salles Gonçalves

Resenha de Renata Udler Cromberg (org.),
Sabina Spielrein - uma pioneira
da
psicanálise, São Paulo, Livros da Matriz, 2014, 400 p. (Obras completas - volume i)

 

Renata Cromberg é muito mais do que organizadora do primeiro volume das obras completas de Sabina Spielrein, apesar dos dizeres da capa. Trata-se de um livro seu, que contém textos de Sabina Spielrein, e que resulta de pesquisa extensa e profunda. Na publicação, há, pois, um livro dentro de outro. Cada um deles é composto por diversos escritos confluentes, de uma e de outra psicanalista. Os de Sabina Spielrein, neste volume, são: Sobre o conteúdo psicológico de um caso de esquizofrenia precoce (1911), A destruição como origem do devir (1911), A sogra (1913) e a Carta a Jung de 20 de dezembro de 1917. Se hoje estão à nossa disposição, para serem lidos e estudados, cumpre lembrar as vicissitudes que encontraram antes de chegarem a nossas mãos.

Na "Introdução - O pioneirismo de Sabina Spielrein" (p.19), Renata Cromberg relata a incrível história dos documentos, que começa com o professor e psicólogo analítico junguiano, Aldo Carotenuto, autor de Senso e contenuto della psicologia analítica[1]. Neste livro, ele revela sua suspeita de que Sabina Spielrein tinha desempenhado um papel importante na formação intelectual de Jung, para além do que havia ocorrido entre ambos na vida pessoal. Um outro professor, Carlo Trombetta, que também já encontrara o nome de Sabina Spielrein em suas próprias pesquisas, leu a obra e comentou a respeito com outro colega, o professor Georges de Morsier, de Genebra. Este, por sua vez, não se esqueceu da conversa e, em outubro de 1977, comunicou a Trombetta uma descoberta recente: haviam sido encontrados, nos porões do Palais Wilson, antiga sede do Instituto de Psicologia, em Genebra, alguns documentos que tinham relação com Jung, Freud e Sabina Spielrein. O desfecho dessa sucessão de acontecimentos é que, depois de uma semana, "Aldo Carotenuto estava de posse dos papéis que fundamentavam suas conjecturas" (p.19).

O uso ficcional da personagem Sabina, por exemplo, nos roteiros de dois filmes bastante conhecidos[2], passam ao largo de circunstâncias de sua vida e obra, que Cromberg registra com precisão: em Jornada da alma, "sua obra escrita é totalmente ignorada" (p. 217-218) e, em Um método perigoso, "ignora-se também sua importância clínica e teórica" (p. 218). Não obstante, ambos contêm suposições a respeito daquilo que teria causado um esquecimento proposital de sua obra, obra esta decisiva, na história da psicanálise, e icônica, na história da revolução comunista e na da Segunda Guerra Mundial. Uma abordagem que também se pergunta a respeito do sentido de algumas versões da biografia da autora exige mais do que apenas contar uma história. Cromberg realiza uma investigação fundamentada e rigorosa, sem perder a ternura, ou seja, tornando presentes situações que nos tocam e intrigam, diante dos traços ímpares de Spielrein, uma mulher russa na Suíça, nos tempos de Freud e de Jung.

O Livro de Sabina Spielrein

Nos dois primeiros escritos, o estilo, às vezes, para mim, soa ingênuo, às vezes obsessivo. No início, algumas afirmações parecem submetidas apenas à necessidade de mostrar um pensamento apoiado nas ideias junguianas. Seria extemporâneo levar a sério essas impressões, sem a profundidade das leituras bem apercebidas que encontramos no trabalho de Cromberg. Mas, de imediato, proponho mínimos exemplos, para que o leitor tenha contato com a escrita de Spielrein. Trago, para iniciar, um, extraído de "Sobre o conteúdo psicológico de um caso de esquizofrenia" (p. 127). Quero frisar que, nessa tese de psicanálise, seguimos um relato, seguido por comentários, no qual todas as teorias fantasiosas ou delirantes da paciente, escutadas em minúcias, foram anotadas por Spielrein. Muitas delas apareceram em resposta a suas perguntas. Ela escreveu, a respeito da paciente, que costumava alterar sentidos dos próprios conceitos que inventava: "É curioso o fato de a paciente nem sempre utilizar os conceitos com o mesmo sentido. Assim, por exemplo ‘histologia' para ela, às vezes é uma doença dos tecidos, às vezes, a melancolia associada à mesma" (p. 161). Comentou:

"Algumas vezes temos a impressão de que ela busca formas de expressão adequadas, ou seja, símbolos. ‘Ela procura confundir o outro', me disse o médico que a tratava. Ela transforma todas as coisas possíveis e adequadas em símbolos do mesmo pensamento, exatamente como no sonho" (p. 161).

A concepção de símbolo adotada por Spielrein faz parte de uma teoria, desenvolvida ao longo de sua obra, que merece ser retomada seguindo os comentários de Cromberg.

 Agora, um exemplo, que extraio de A destruição como origem do devir, do modo de escrever daquela que estava vindo a ser psicanalista: "A partir de minhas experiências com moças, posso dizer que o afeto de angústia é normal, o qual passa ao primeiro plano dos afetos de recalcamento quando a possibilidade de realização do desejo surge pela primeira vez " (p. 250).

A afirmação sobre sua experiência é feita no contexto de um parágrafo em que ela justifica ter, acima, apresentado palavras de Jung que aludiriam a "um perigo desconhecido presente no ato erótico" (p. 250).

Se esperávamos que apenas confirmasse as palavras do mestre, não é o que encontramos. Podem-se constatar os traços de uma autora assertiva, capaz de enunciar uma teoria sobre a angústia, que ela domina, como verificaremos mais adiante. No texto transparecem também sua erudição e a criatividade de seu pensamento associativo, sobretudo na elaboração de referências mitológicas, que percorre passagens não só do mito de Siegfried, mas também de vários outros, e interpreta textos de Nietzsche. Mas, acima de tudo, quero indicar o modo pelo qual faz suas ideias próprias, relacionadas com a minuciosa apresentação do caso clínico, articularem-se com as de Freud e de Jung. Ela reafirma a existência de um parentesco entre o mecanismo do sonho e o pensamento arcaico e, após recorrer ao postulado segundo o qual Freud e Jung inicialmente mostraram haver paralelismo "entre os fenómenos neuróticos e oníricos e manifestações da esquizofrenia" (p. 213), enuncia mais um dos temas a que se dedica: " então eu acredito poder acrescentar dados relevantes ao conceito Freud-Junguiano com uma visão filogenética" (p. 213).

Leitores de Freud, reconhecemos o quão importante a visão filogenética se tornou em sua obra, que Cromberg esquadrinha ao relacioná-la com a de Spielrein.

Ainda, algumas observações sobre o pequeno ensaio A sogra. Spielrein parece alinhavar lugares-comuns, mas creio que, se o faz, não é sem motivo. Já inspirada pelo artigo de Freud, "O horror ao incesto em selvagens e neuróticos"[3], ela declara estar procurando, "a partir dos conhecimentos da psicologia feminina" (p. 353), responder a uma pergunta à qual, desprevenidos, poderíamos dar pouca importância: "Acima de tudo: por que ouvimos sempre tantas coisas sobre sogras maldosas e, comparativamente, tão pouco sobre os sogros maldosos?" (p. 353).

O texto faz referência às fantasias inconscientes das mães em relação aos filhos, aos sentimentos que podem surgir nos filhos, de estarem traindo a primeira família amada, quando passam a pertencer a uma segunda, aos processos anímicos, da infância à adolescência (termo que não é utilizado): "vem a fase da libertação do poder parental, a qual se inicia com uma intensa oposição e crítica a todas as ações dos pais"
(p. 357).

Penso que as várias generalizações feitas por Spielrein se justificam enquanto primeira tentativa de esboçar uma teoria. Sem nos esquecermos de que esta escrita é de 1913 e se arrisca a abordar as relações familiares permeadas por uma "vida fantasmática inconsciente" (p. 156) e a relacionar com estas a psicologia feminina.

A respeito da carta da correspondência com Jung, quero chamar a atenção para o fato de Spielrein iniciá-la com uma declaração: "Quero tentar lhe explicar a construção de meu pensamento" (p. 369).

Objetividade cortante. Não existe introito afetuoso, nem íntimo, nem convencional. Quase em seguida, por meio da referência a uma pergunta do professor Bleuler (que também foi seu médico em Burghölzi ), a autora retoma a questão do símbolo. Informa que o professor lhe perguntara se atribuía o surgimento do símbolo à censura e relata sua resposta: "Respondi categoricamente que ‘não', pois a simbólica está na essência de pensamentos inconscientes (subliminar)" (p. 369).

A partir desta, expõe sem interrupção sua teoria, que não se baseia apenas em Freud, e, desde o início, cita Herbert Silberer [4], psicanalista vienense que teria sido o primeiro a descrever os fenômenos hipnagógicos. Depois de mencionar sua resposta categórica, ela continua: "Tão logo o pensamento ‘dirigido' é enfraquecido pelo cansaço, pela narcose ou por qualquer outra intoxicação, o pensamento ‘simbólico' se inicia" (p. 369).

A teoria do símbolo da autora merece uma apresentação e, sem dúvida, desperta muitas questões e comentários. O leitor vai encontrá-los no livro de Cromberg.

O livro de Renata Cromberg

São dez capítulos, além da Introdução. Para nos contar a história de Sabina Spielrein e de sua obra, Renata Cromberg criou um método, que lhe possibilitou estruturar camadas, cada uma delas proveniente de uma das perspectivas adotadas segundo sua "concepção geoarqueológica da história" (p. 21). É claro que nesse nome há uma referência à arqueologia foucaultiana do saber, mas notamos que os termos em que nos é apresentada trazem uma noção psicanalítica de história. Com efeito, segundo esta, o movimento da história dá-se como uma "pulsação" (p. 21) de um "magma singular e coletivo" (p. 21). Dessa pulsação irromperiam "novas configurações do desejo" (p. 21). Entendo que desejo tem aqui conotações lacanianas integradas com a perspectiva histórica, uma vez que é erupção que vem à tona e nos move, sob as mais diversas formas, que, por sua vez, dão, a posteriori, significados novos a "fragmentos, documentos ou materiais teóricos ou conceituais" (p. 21) preexistentes.

Os esclarecimentos metodológicos permitem-nos compreender de que modo Cromberg adota vários "eixos organizadores" (p. 21) para os resultados de suas pesquisas. O arqueológico fundamenta uma visão, segundo a qual passado e presente se relacionam por meio de ligações, que se transformam à medida que surgem "novas camadas de épocas passadas" (p. 21), com o poder de abalar o tido como historicamente estabelecido.

Sua leitura estrutura-se em sete camadas, cujas dimensões posso apenas sugerir. A primeira aborda a complexa relação, tanto histórica quanto conceitual, entre A destruição como origem do devir (1911) e Além do princípio do prazer (1919), que "confirma a antecipação por Sabina Spielrein de ideias que Freud estava apresentando - embora, na época, não inteiramente inteligível para ele" (p. 22). Nesse campo, tem origem o conceito de pulsão de morte, instaurado em primeiro plano pelas inquietações clínicas de Freud, pela ressonância das experiências analíticas de Ferenczi, a partir de neuroses de guerra na Primeira Guerra Mundial, e pelas ideias de Spielrein, cujo texto revela "as múltiplas facetas do componente destrutivo da sexualidade" (p. 23). Acompanhamos a maneira pela qual essas ideias contribuem para que a psicanálise explore os desdobramentos do paradoxo de uma pulsão que se move em direção à morte, antes da cunhagem do conceito freudiano. O foco no elemento destrutivo permite então que se vislumbrem "múltiplas possibilidades psíquicas tanto em suas manifestações clínicas como em sua conceituação" (p. 23).

A análise do contexto, em que A destruição como origem do devir é produzido e divulgado, constitui uma segunda camada, que só pode "emergir através do acaso da descoberta em dos documentos em 1977" (p. 23), em Genebra. Entre a biografia e a apresentação do surgimento da técnica, um assinalamento: "Os textos sobre técnica decorreram diretamente do período em que o analista Jung e a paciente Spielrein se tornaram amantes e do papel assumido por Freud como terceiro interventor" (p. 24).

Destaco considerações de Cromberg, a meu ver, situadas em perspectivas que provêm da primeira e da segunda camadas metodológicas por ela adotadas, no seu capítulo denominado "A implantação da psicanálise no coração da psiquiatria" (p. 109), que se refere à data 1911, em que A destruição como princípio do devir foi apresentado como um "momento de quiasma frutífero entre a psicanálise e a psiquiatria. Se ampliarmos o quadro, como que usando uma lente grande angular, entenderemos ainda mais a importância desse momento na novidade da criação da psiquiatria e da psicanálise como campos de saber e de cura" (p. 115).

 Somos lembrados, na linha de História da loucura de Foucault, de que só a partir da Revolução Francesa pôde a internação dos considerados loucos "adquirir o sentido de intervenção médica" (p. 115).

A autora nos informa, com amplo material e descrições, que a Clínica Psiquiátrica do Hospital Burghölzi, ao qual Sabina Spielrein chegou como paciente e foi atendida por Jung, já tinha uma história de inovações na psiquiatria, desde sua fundação, por volta de 1860, e favoreceu as relações entre psiquiatria e psicanálise, "que marcaram toda a concepção de doença mental no século XX" (p. 116). É também em Burghölzi que, como psiquiatra e psicanalista, Spielrein atende a seu primeiro caso, uma mulher diagnosticada como esquizofrênica, cuja fala ela descreve com minúcias. Esta é "sua primeira publicação[5] e é a primeira tese de psicanálise na universidade" (p. 114). Em nota, Cromberg informa que ela agradece a Bleuler, por permitir a publicação, e a Jung, seu orientador.

A jornada de Spielrein, de paciente a psiquiatra, merece um capítulo à parte, e nós o encontramos entre os dez escritos por Cromberg: "Uma história clínica - de paciente a médica" (p. 61-107). O circuito dos diagnósticos começa com histérica, feito por Jung e confirmado por Freud, modificado por Jung para psicose histérica, depois transformado, em circunvoluções póstumas, por estudiosos e comentadores, dentre eles Carotenuto e Bettelheim, que, "querendo diagnosticá-la melhor ainda que Jung, classificam-na erroneamente como esquizofrênica, ambas as visões impossíveis de se sustentar" (p. 102).

Para a autora, "a questão do diagnóstico de Sabina Spielrein é também uma questão do recalque de sua importância na história da psicanálise, sobrecarregando-a com um diagnóstico retrospectivo severo e uma quebra psicótica com a realidade" (p. 107).

Embora o relacionamento amoroso entre Spielrein e Jung seja indissociável da história das descobertas psicanalíticas de ambos e tenha determinado, tanto o atraso da publicação de A destruição como origem do devir (até o segundo semestre de 1912), quanto restrições em relação à obra, posso agora apenas extrair algo dos extensos e pertinentes comentários de Cromberg: teria havido, por parte de Jung, uma recepção fria ao trabalho que Spielrein lhe enviou, chamando-o "produto de nosso amor, trabalho que lhe pertence, de seu filhinho, Siegfried" (p. 288). A partir de então, apesar de suas ideias serem documentadas desde o final de 1910, época em que ainda mantinha relações amorosas com Jung, Spielrein teve que enfrentar "uma separação de corpos e de cabeças e encarar a política das publicações a partir do plágio, do roubo etc. " (p. 289).

O livro de Cromberg inclui um ensaio dividido em vinte e um comentários sobre A destruição como origem do devir. Destaco, de alguns, aquilo que me parece incidir sobre citações dos textos de Spielrein, que fiz acima. Inicio pela teoria da angústia, que ela continuou a desenvolver, a partir de sua tese: aprendemos com Cromberg que, se ela concorda ainda com Jung a respeito de a atividade erótica abrigar um "perigo desconhecido" (p. 292), não concorda com ele a respeito de existir uma antítese entre representações sexuais e representações de morte, que seriam irredutíveis umas às outras.

A autora detém-se na teoria spielreiniana, segundo a qual o campo da angústia seria constituído pelo feminino e pelo gozo sexual, tendo como fonte a própria pulsão sexual, que é traumática e diante da qual se instaura o desamparo: "a febre amorosa, a paixão, naquilo que o instante supremo do gozo sexual traz de contato com a evanescência, com a finitude, da qual o eu quer se proteger, se esconder e não consegue, angustiando-se quando está diante da potência da sexualidade" (p. 292-293).

Cromberg realiza um cotejamento cuidadoso e preciso entre os textos de Freud e a obra de Spielrein, que nos permite uma aproximação impressionante de seu pensamento psicanalítico e de sua "metapsicologia singular" (p. 382). Esta é composta por uma teoria pulsional, uma teoria dinâmica da angústia e do conflito e uma teoria tópica, na qual as instâncias e áreas psíquicas de pensamento não são as de Freud. Além dessas teorias, ficamos conhecendo outras, em ensaios escritos entre 1920 e 1923, dentre as quais destaco a teoria sobre a origem da linguagem, cujos primórdios o leitor pode ter entrevisto comigo na tese de 1911, sobre esquizofrenia. Entendo que ela é inseparável dos estudos sobre o símbolo, que, como vamos aprendendo, levaram Spielrein, em parte, a afastar-se de Jung e, em parte, a antecipar Freud.

O livro Sabina Spielrein - uma pioneira da psicanálise tem, para mim, o efeito de sugerir que voltemos ao conceito de pulsão de morte e tomemos conhecimento de uma concepção anterior, que se origina no mesmo campo, com outra formulação e com outra visão da sexualidade. Freud fez referência às ideias de Spielrein em uma nota, a respeito da qual Renata Cromberg nos diz: "A minha hipótese é de que no momento mesmo em que Freud reconhece a precedência e a importância do escrito de Sabina Spielrein A destruição como origem do devir, numa nota de rodapé de Além do princípio do prazer, inicia-se uma operação de desconhecimento e de recalque" (p. 218).

E, mais adiante, nos deixa entregues a esta imagem: "A nota tem o efeito de colocar Sabina numa redoma de vidro, forrada de veludo, com um foco de luz sobre ela, congelada sob a neve russa, à espera de um príncipe encantado para despertá-la (o qual certamente foi Carotenuto)" (p. 220).

Em pensamento, ao final deste livro duplo, encontro de novo a palavra ícone, que, em arte, refere-se a belas imagens de figuras edificantes, frequentes em igrejas russas. Hoje, em tempos informatizados, nós a usamos para designar símbolos a partir dos quais encontramos caminhos.



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