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Resumo
Este artigo aborda a contribuição de Karl Abraham à etiologia das mudanças de humor nos estados depressivos e maníacos através de sua investigação sobre a hostilidade recalcada no menino em relação à mãe em um momento teórico que privilegiou o recalque do erotismo em relação a mesma.


Palavras-chave
Giovani Segantini; Karl Abraham; psicanálise aplicada; depressão; etiologia.


Autor(es)
Manola Vidal Vidal
é psicóloga, psicanalista, membro associado e docente da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro. Mestre e doutora em Saúde da Criança e da Mulher pelo Instituto Fernandes Figueira-fiocruz, pós-doutoranda em Psicanálise e Saúde Mental pelo Instituto de Psiquiatria da ufrj.


Notas

1.     K. Abraham, "Giovanni Segantini: A Psycho-analytical Study".

2.     E. Jones, "Introdução", in K. Abraham, Teoria psicanalítica da libido.

3.     S. Freud e K. Abraham, A Psychoanalytic Dialogue. The Letters of Sigmund Freud and Karl Abraham 1907-1926.

4.     Psicanálise aplicada possibilita à teoria psicanalítica expandir sua aplicação interpretando criações artísticas, históricas e biográficas (E. Roudinesco e M. Plon, Dicionário de psicanálise).

5.     H. Abraham, "Karl Abraham: a unfinished biography".

6.     D. Widlöcher, "Un pientre et son psychanalyste. Giovanni Segantini et Karl Abraham".

7.     V. Machtlinger, "Karl Abraham and Giovanni Segantini".

8.     C. Petersdorff, "Der frühe Tod es Giovanni Segantini und des Karl Abraham".

9.     A. Quinsac, Giovanni Segantini 1858-1899.

10.   L'angelo della vita (1894), Ave Maria a trasbordo (1886), Il frutto dell'amore (1889) e Le due madri (1889) exemplificam essa forma de santificação.

11.   O simbolismo trabalha com a subjetividade e a transcendência.

12.   F. Servaes, Giovanni Segantini: Sein Leben Und Sein Werk.

13.   I. Noseda e A. Tognola, Segantini: ein verlorenes paradies.

14.   A. Quinsac, op. cit.

15.   J. Clair, "Une volée de bois mort. Les Mauvaises Mères de Segantini".

16.   J.M. Charcot e P. Richer, Les Démoniaques dans la art.

17.   A. Eidenbenz, Expressions du déséquilibre. L'hystérie, l'artiste et le médecin 1870-1914.

18.   Figura 5 - A mãe má: http://www.the-athenaeum.org/art/list.php?m=a&s=tu&aid=511

19.   S. Freud, "Notas sobre um caso de neurose obsessiva".

20.   S. Freud, "A interpretação dos sonhos".

21.   S. Freud, "História de uma neurose infantil".

22.   K. Abraham, op. cit.

23.   G. Segantini, Scritti e lettere.

24.   F. Servaes, op. cit.

25.   Figura 1- El fruto del amor: http://www.the-athenaeum.org/art/list.php?m=a&s=tu&aid=511

26.   K. Abraham, "Sueños y mitos: Um studio de psicologia colectiva".

27.   F. Servaes, op. cit.

28.   G. Segantini, op. cit.

29.   Figura 2 - Ave Maria a transbordo : http://www.the-athenaeum.org/art/list.php?m=a&s=tu&aid=511

30.   Figura 3 - A hora da tristeza: http://www.the-athenaeum.org/art/list.php?m=a&s=tu&aid=511

31.   Figura 4 - O castigo das voluptuosas: http://www.the-athenaeum.org/art/list.php?m=a&s=tu&aid=511

32.   Figura 5 - A mãe má: http://www.the-athenaeum.org/art/list.php?m=a&s=tu&aid=511

33.   Figura 6 - Dea Pagana: http://www.the-athenaeum.org/art/list.php?m=a&s=tu&aid=511

34.   F. Servaes, op. cit.

35.   Quero ver minhas montanhas.

36.   Refere-se aos de Jones (1910) e o de Maeder (2005-1910).

37.   S. Freud, "Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia (Dementia paranoides)".

38.   K. Abraham, "Giovanni Segantini: A Psycho-analytical Study" e "Notes on the psycho-analytical investigation and treatment of manic-depressive insanity and allied conditions".

39.   O. Coser, Depressão: clínica, crítica e estética.

40.   S. Freud, "Rascunho A".

41.   G. Fichtner, The Sigmund Freud-Ludwig Biswanger Correspondence:1908-1938.

42.   H. Nunberg e E. Federn, Minutes of the Vienna Psychoanalytic Society, 1906-1908; S. Freud, "Contribuições para uma discussão acerca do suicídio".

43.   S. Freud, "Luto e melancolia".



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Abstract
This article discusses the contribution of Karl Abraham to the etiology of mood swings in depressive and manic states through this investigation of the repressed hostility of the boy towards his mother. The context of this investigation is a theoretical phase in which Psychoanalysis privileged the repression of eroticism regarding the mother image.


Keywords
Giovanni Segantini; Karl Abraham, applied psychoanalysis, depression, etiology.

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 TEXTO

Giovanni Segantini por Karl Abraham: o complexo materno na etiologia da depressão

Giovanni Segantini by Karl Abraham: the mother complex in the etiology of depression
Manola Vidal Vidal

Este artigo aborda a contribuição de Karl Abraham à etiologia das mudanças de humor nos estados depressivos e maníacos, através de sua investigação sobre a hostilidade recalcada no menino em relação à mãe em um momento teórico que privilegiou o recalque do erotismo em relação a ela. Utilizo o trabalho "Giovanni Segantini: A Psycho-analytical Study"[1] como referência para o levantamento bibliográfico.

Para Ernest Jones[2], com Segantini, Abraham revela seu amor pela Suíça. Freud[3] o orientou neste trabalho de psicanálise aplicada[4] e o presenteou com a autobiografia do pintor. Para Hilda Abraham[5], o interesse do pai ligava-se ao vínculo com a própria mãe e o irmão. Widlöcher[6] sugere que este trabalho nos apresenta mais o próprio inconsciente de Abraham do que o de Segantini, chamando atenção à morte prematura de ambos. Segundo Machtlingler[7] Abraham lutou contra a depressão durante toda a vida, daí seu interesse sobre a personalidade do pintor. Petersdorff[8] e May-Tolzmann (1997) abordam semelhanças entre a vida pessoal de ambos que auxiliam na compreensão sobre a ciclotimia.

Giovanni Segantini (1858-1899) nasceu na cidade de Arco, Itália, e foi o segundo filho do terceiro casamento entre um marceneiro e uma dona de casa. Tinha um irmão mais velho, por parte de mãe, que morreu em um incêndio; a partir daí, sua mãe passou a apresentar severa depressão e doenças físicas, sendo hospitalizada diversas vezes e falecendo quando o pintor tinha cinco anos. O pai mudou-se para os Estados Unidos, entregando-o para uma meia-irmã em Milão. Segantini fugiu e passou a mendigar, sendo depois enviado para um reformatório. Anos mais tarde, outro meio-irmão reclamou sua custódia, possibilitando a Segantini retornar para Milão e estudar na Academia de Artes Brera. Conheceu o movimento Scapigliatura influenciado pelo romantismo alemão, tornou-se amigo de Carlo Bugatti e casou-se com a irmã deste, Luigia. Premiado diversas vezes, seus trabalhos foram reconhecidos e adquiridos pela Sociedade de Belas-Artes de Milão, sendo um dos mais famosos artistas da Europa no final do século XIX, expondo com Cézanne, Gauguin e Van Gogh.

Os quadros O Ciclo do Nirvana, inspirados em poema escrito no século XII por um monge, ilustram como "mães más" mulheres que negligenciavam a maternidade. Para os comentadores no mundo das artes[9], sua relação com a mãe determinou a dicotomia em relação ao tema da maternidade. Encontramos, por um lado, em sua obra, a santificação da Virgem Maria[10] e, por outro, a punição de mães más com O ciclo do Nirvana. O ciclo do Nirvana aproximou Segantini do simbolismo[11], provocando polêmicas, e, quando comprados pela galeria Liverpool Autuumn em 1893, seu título mudou para A punição da luxúria. Para Servaes[12], esses quadros representam pictograficamente o castigo. Em um deles o corpo congelado e torcido da mãe amamentando seria uma expressão de dor suicida. Noseda e Tognola[13] interpretam a torção e levitação dos corpos como repúdio à maternidade. Para Quinsac[14], o corpo torcido da mãe foi compreendido como uma forma estática de ligação com o filho. Clair[15] questiona a inspiração do pintor no poema escrito no século XII por um monge budista, pois é fácil constatar os elementos cristãos, como castigo, fé, perdão e inferno, porém a torção dos corpos se aproxima da forma como as histéricas foram retratadas por Charcot e Richer[16]. Para Endenbeinz[17], o sexual é retratado entre a dor e o êxtase e a A mãe má[18], oposta a Virgem Maria, associava-se à representação da histeria, cuja principal manifestação era a curvatura do arco dorsal.

O ponto em comum entre biografias e estudos sobre a arte de Segantini é o reconhecimento de um complexo emocional que se constrói a partir dos temas da maternidade e da morte.

Segantini e Abraham

Até 1911, inexistiu na teoria psicanalítica uma investigação da relação entre o recalque dos impulsos sádicos em relação à mãe e a etiologia das mudanças de humor nos estados depressivos e maníacos. Em Segantini, Abraham qualifica a relação mãe-filho pelo recalque de tais impulsos, estabelecendo uma diferenciação da percepção do pintor entre uma mãe boa e uma mãe má.

Através da sublimação, Segantini reparou o ódio recalcado pela mãe retratando a maternidade santificada, amenizando o medo da vingança. Apesar da ambivalência já ter sido discutida por Freud[19] não era observada sendo dirigida primariamente à mãe. Abraham confronta a posição de Freud[20], na qual os desejos libidinais recalcados do filho em relação à mãe seriam puramente eróticos e de natureza sexual. Hostilidade, ansiedade, culpa e desejos de morte eram supostos[21] como existentes somente na relação com os pais e os irmãos.

Em "Giovanni Segantini: A Psycho-analytical Study"[22], o complexo materno é apresentado como fator etiológico para as mudanças de humor, ou seja, na etiologia dos estados depressivos e maníacos. As expressões pictóricas das qualidades da maternidade espiritualizaram a natureza sublimando a hostilidade e a idealização das lembranças maternas, bem como a culpa pelo próprio nascimento que, em sua fantasia, teria causado a morte da mãe. A autobiografia do pintor[23] ofereceu a Abraham e autores no mundo das artes o sentido dessa causalidade etiológica. Assim, segundo Servaes[24], em El fruto Del amor[25] o bebê saudável retratado foi uma ilustração de seu próprio nascimento a partir de uma outra realidade que não a de ter sido um bebê frágil e separado da mãe, hospitalizada diversas vezes desde o seu parto.

Interpretando as reações emocionais do pintor em relação ao primeiro desenho, Abraham confirmou que não há erotismo ou ódio que possam ser completamente sublimados e observou que ao lado da santificação da maternidade existiu outro tema igualmente importante. Segantini, aos doze anos de idade, desenhou uma criança morta, mas é a reação da mãe da criança que morrera que o impressionou, pois, diante do desenho, esta teria esquecido sua dor porque a filha parecia viva. Abraham considerou que para um jovem de doze anos permanecer por várias horas junto ao cadáver de uma criança com pouco mais de um ano de idade, sem experimentar sentimentos de horror, somente seria possível pela sublimação de sentimentos sádicos - satisfação em contemplar um cadáver e o pesar da mãe - em compaixão. Assim, o tema da morte ao lado da santificação da maternidade teriam sido integrados através de sua arte.

 

 

O Fruto do Amor. G. Segantini, c.1889

 

Segantini glorifica a mãe, o que poderia sugerir que o pai não teria exercido nenhum efeito em seu desenvolvimento, mas Abraham relembra que a disposição bissexual dos seres humanos faz com que os sentimentos eróticos se dirijam a ambos os pais e que em idade precoce a preferência pela mãe resulta em sentimentos de ciúmes e hostilidade em relação ao pai. Quando a mãe do pintor morreu, o pai poderia ter sido sua única fonte de afeto, mas, ao abandoná-lo, produziu um desapego em relação a figuras de autoridade. Em sua puberdade e idade adulta, a sublimação de impulsos eróticos primários em relação ao pai se caracterizou pela oposição às dificuldades que enfrentava. Sua vida foi um constante protesto em relação à autoridade paterna, projetada nas dificuldades, e o desejo de fazer-se autossuficiente, independente e maduro revelou os traços de caráter que contribuíram em sua evolução como homem e artista. Abraham descreve a fuga, aos seis anos de idade, da casa de sua irmã, a partir do trabalho sobre mitos[26]. O pintor mendigou pelas ruas até a noite e, cansado, dormiu em uma estrada, sendo despertado por camponeses. Contou a eles uma história fantasiosa de que teria sido empurrado de uma ponte para o rio, cuja água era dragada por um moinho, e foi salvo milagrosamente. Contou também que era infeliz e exposto a perigos morando com sua irmã, sensibilizando a todos que imediatamente se prontificaram a cuidar dele. Trabalhou como cuidador de porcos junto a essa família e, em determinado momento, ouviu dizerem que era parecido com um rei da França. Abraham encontrou na biografia de Segantini elementos essenciais do mito do nascimento de um herói: a separação da casa dos pais sucedida por um milagroso resgate e as típicas fantasias de elevada ascendência. Servaes[27] relata aspectos da aversão do pintor por qualquer tipo de autoridade, ataque de cólera com professores na academia de artes e a evasão do serviço militar que o impediu durante toda a vida de retornar a sua terra natal. Interpreta que amar sua terra natal expressa o amor pela mãe e ao odiar o seu governo expressa o ódio pelo pai.

Ao investigar sobre os aspectos da vida psíquica do pintor que tendiam a depressão, Abraham observa primeiramente que a esposa, seu primeiro e único amor por toda a vida, foi uma substituta materna e que, após o casamento, começaram as mudanças tanto de humor quanto de domicílio. A família, constituída pelo casal e quatro filhos, sempre viveu em relativa pobreza, mudando-se frequentemente para lugares menos caros e cada vez mais altos. Para Segantini[28], nas mudanças de domicílio existiria uma busca pela natureza. De Milão vai para Pusiano, convertendo-se em um pintor de paisagens rurais. Suas obras apresentam um tom afetivo de bondade e, nesse período, confecciona seu primeiro trabalho com o tema da maternidade, Ave Maria a transbordo[29]. Para Abraham, a grave tranquilidade e os crepúsculos em suas pinturas nessa época seriam representações da fadiga melancólica originária na submissão ao sofrimento pela perda da mãe. Após a mudança para Pusiano, ocorre uma mudança de humor e, mais produtivo, o pintor adquire uma técnica aprimorada para utilização da cor. Os impulsos agressivos que paralisaram sua criatividade e a submissão ao sofrimento deram lugar a uma postura ativa. Muda-se para Savognin, num esforço para, em um lugar mais elevado, superar suas limitações e através das cores sublimar os impulsos escopofílicos com profunda criatividade, modelando a natureza através da luz.

 

 

Ave Maria a transbordo. G. Segantini, óleo sobre tela, 1886. Seganini Museum St. Moritz, St. Moritz

 

Entretanto, novos estados melancólicos advêm, expondo que, na vida pulsional de um neurótico, os impulsos opostos não se combinam harmoniosamente, e quando um domina a mente consciente, o outro é recalcado mas continua ativo. Compreende-se então que, após dominar a técnica da cor, o pintor teria conseguido o objetivo pelo qual tanto lutou, atingindo a meta da sublimação pulsional. Assim, em seguida às conquistas, apareceu a depressão produzindo novamente a experiência emocional de ser mais pobre do que antes. A hora da tristeza [30] foi o primeiro quadro desse período, sendo seguido por outros dois denominados O ciclo do Nirvana e concebidos após nova mudança, dessa vez para Tuggen, na maior altura de Sevognin. O ciclo do Nirvana apresenta o tema da maternidade mediante a ideia de punição das mães. Os quadros são O castigo das voluptuosas[31] e A mãe má[32]. Foram amplamente incompreendidos na época porque retratavam a punição de mães, ao contrário de suas obras anteriores que as santificavam.

 

 "A mãe má" flutua com o cabelo enrolado nos galhos de uma árvore e o corpo retorcido em profunda lamentação, seus braços se estendem em desespero e impotência sugerindo um padecimento suicida. O rosto mortalmente pálido, a boca torcida e os olhos submersos indicariam as torturas do remorso pelo abandono da criança que busca em vão sustento em seu peito frio e seco. Abraham afirma a diferença entre o conteúdo manifesto e latente nas formações de fantasias e se pergunta quais seriam os desejos recalcados que encontraram expressão nessas obras. Compreende então que Segantini havia reprimido determinado componente sádico de sua vida instintiva com grande intensidade e que tais impulsos cruéis e agressivos em relação à mãe foram transformados em seu oposto, a santificação. Nessas obras tais impulsos recalcados retornam através de um castigo cruel, na figura pictórica da mãe penitente, que é compreendido a partir da inevitável frustração do erotismo infantil. No inconsciente de um neurótico existiriam desejos de vingança em relação à mãe e no Ciclo do Nirvana Segantini os realiza.

Abraham também utiliza o quadro Dea Pagana[33] para compreender a relação entre a mãe penitente e seu castigo. Neste, o flutuar de uma deusa sensual simboliza prazer e tormento. Nos sonhos e brincadeiras infantis, o flutuar produziria experiências agradáveis e angustiantes, podendo ser acompanhado por uma tensão ansiosa porque o prazer e a ansiedade se transformariam direta e rapidamente um em outro. A relação entre Dea Pagana e a série O ciclo do Nirvana está na transformação direta do prazer em ansiedade, típica do erotismo primário.

O ciclo do Nirvana indica que a hostilidade recalcada em relação à mãe exigia expressão e, ao mesmo tempo, o afastava do convívio social. Desse período até sua morte houve uma luta intensa contra a depressão que o impele a se retirar cada vez mais para a vida fantasiosa. Planeja criar um drama musical em que uma mulher seria queimada viva carregando um bebê morto nos braços, ou ainda construir uma comunidade artística. Ideais elevados e distantes seriam um retorno às fantasias de grandeza infantis próximas de estados melancólicos. Porém, Segantini não era um sonhador ocioso, pois, sublimando uma grande parte de seus impulsos recalcados, se entrega a um excesso de atividade que o faz novamente mudar-se, aos 36 anos, para uma altura mais elevada, a alta Engatina, em Savognin. Nessa mudança de domicílio havia, segundo Abraham, um elemento visionário, uma forma de consolação também encontrada em seu último trabalho, o tríptico Natureza, vida e morte. Em carta a Tolstoy define que a arte é uma atividade de consagração, glorificação e transfiguração do amor, da maternidade e da morte.

Em 1899, para iniciar o quadro Vida, escalou Shafberg residindo em uma estação inóspita a uma altura de 8 mil pés. Esperava obter a inspiração para o último quadro do tríptico, mas adoeceu. Abraham encontrou registro que durante uma noite, apesar da febre, Segantini levantou-se várias vezes e pouco vestido saiu da estação debaixo de neve. No dia seguinte teria trabalhado intensamente fora da cabana, desmaiando. Inicialmente recusou ajuda médica e somente depois de algum tempo um médico foi atendê-lo na estação de Shafberg. No relato de Servaes[34], o médico o encontra moribundo. Em determinado momento, Segantini pede para ser levado para o lado de fora da cabana e, ao olhar as montanhas, diz: Voglio vedere Le mie nontagne[35], e morre.

Para Abraham, o comportamento do pintor em seus últimos dias lança luz sobre as forças psíquicas existentes dentro dele. A rejeição obstinada de auxílio médico lançaria dúvidas sobre se sua ida para Shafberg foi devida somente à necessidade de isolamento para criar ou se era guiado por uma saudade inconsciente da morte. Porém, as mortes precoces do irmão e da mãe não bastariam para explicar o poder dos pensamentos de morte sobre Segantini. Os impulsos sádicos e os desejos de morte foram separados dos objetos para os quais tinham sido dirigidos primordialmente e se transformaram em pensamentos sobre sua própria morte, os quais, em parte, foram sublimados, produzindo suas pinturas. Mas restam os pensamentos mágicos, os sentimentos supersticiosos e um constante temor da morte característicos da neurose obsessiva. As premonições da morte nunca o abandonaram, retornando do inconsciente quando os pensamentos melancólicos o assaltavam. Estiveram presentes em sua tendência ao misticismo e na última obra, Natureza, vida e morte, revelariam sua luta interna para unificar a vida e a morte em harmonia. Nesse último período de sua vida, durante a confecção do tríptico, trabalhou intensa e entusiasticamente com um fervente amor pela natureza que embargou seus humores melancólicos. Dessa forma, o estudo do inconsciente nos ensina que muitos dos incidentes triviais da vida têm um sentido mais profundo e são influenciados por complexos recalcados, acontecendo de acordo com certas regras ligadas a um fim determinado. Alguns casos de suicídio podem ser compreendidos dessa forma.

Assim, antes de escalar Shafter, Segantini se perdeu nas montanhas; muito cansado, dormiu na neve e ao despertar teve pensamentos sombrios. Teria acordado desse sono pela voz de sua mãe que o chamava. Ao terminar seu quadro Morte, no domingo antes de sua escalada ao Shafter, teve um devaneio em que via seu corpo sendo levado por uma liteira. Abraham extraiu dessas duas situações a irrupção na consciência do pintor de sua relação com a morte. A esposa relatou que no dia seguinte ao devaneio realizou uma quantidade sobre-humana de trabalho, que pode ser compreendida pela ânsia de viver e de resistir ao assalto dos pensamentos de morte, efetuando assim um trabalho psíquico de sublimação.

Abraham ressalta que as forças instintivas recalcadas são silenciosas e que, embora as forças de vida tenham triunfado com a capacidade psíquica do pintor em realizar o trabalho de sublimação, quando partiu para Schafberg, as forças de morte triunfaram. Segantini nunca havia conhecido o que era estar enfermo e, quando isto acontece, o conteúdo recalcado ligado às forças de morte aproveita a oportunidade. Frequentemente são atribuídos motivos conscientes às ações que em realidade surgem de motivos inconscientes, impulsos que não são somente alheios à mente consciente, mas que se voltam totalmente contra ela. Segantini teria sucumbido a uma traiçoeira enfermidade, mas não somente por ela, forças sinistras de seu inconsciente se aliaram a favor desta. Assim, o homem que aspirou abraçar com seu amor a natureza escondia dentro de si a vontade de destruir a própria vida.

A vida de Segantini no início da infância foi feliz, mas sucedida, após a morte da mãe, por  profunda desolação e necessidade de vingança. A solidão autoimposta foi uma repetição desse estado de desolação e interpretada como uma necessidade de amarrar-se à tristeza. Com o O ciclo do Nirvana, o castigo das mães perversas estava ligado à repetição da decepção com o objeto de amor. As pessoas deprimidas investigadas pela psicanálise frequentemente revelariam sequências de pensamento muito similares aos encontrados em Segantini e ligadas a fantasias de vingança que encobrem um desejo pela mãe em seu papel original, o de fornecer a primeira gratificação vivida com o seio. Para o pintor, os Alpes representavam a mãe, sendo o ardor com o qual contemplava a natureza sua principal força impulsora.

Abraham conclui seu trabalho mediante a compreensão de que os estados melancólicos estariam ligados com grande regularidade a algum acontecimento para o qual a constituição psíquica do indivíduo é inadequada. Geralmente perdas ligadas a um objeto que concentra a vida emocional e o amor. Tais perdas não significam necessariamente sua morte, mas o sentimento de que o amor foi completamente destruído e que a relação afetiva foi perdida. É a experiência de uma completa desolação que produz então a depressão psíquica. A experiência psicanalítica nos diz que é sempre a mãe quem causa tal decepção na primeira etapa da infância, e, no caso de Segantini, isto se torna evidente. Os conflitos em relação à mãe eram inconscientes e, quando reativados, produziam a mudança em seus estados de humor.

A depressão em Karl Abraham

No trabalho de Abraham "Notes on the psycho-analytical investigation and treatment of manic-depressive insanity and allied conditions", contemporâneo ao de Segantini, encontramos a afirmação de que as investigações sobre o afeto depressivo recebem pouca atenção quando comparadas àquelas sobre a ansiedade. Nas neuroses, a ansiedade estaria ligada à repressão sexual, e a depressão ao abandono do objetivo sexual. Mas pouco se investigaria em relação à depressão na esfera das psicoses. Abraham compreende que o caráter cíclico dos estados maníacos e melancólicos justificaria os poucos estudos[36] publicados pela psicanálise, que se referiam frequentemente a uma dessas fases por vez. Apresenta de forma surpreendente a semelhança estrutural entre a neurose obsessiva e a psicose depressiva. Na primeira, as tendências de amor e ódio interferem sempre uma na outra, diminuindo a capacidade de amar e hipertrofiando uma atitude hostil para com o mundo. São criados objetivos substitutivos aos sexuais originais e uma compulsão mental ligada a estes. Nas psicoses depressivas, não. O recalque é seguido pela projeção, porém não é a projeção como descrita por Freud[37] em Schreber, porque, em Abraham, a projeção nas psicoses depressivas está ligada a uma posição da libido em que o ódio predomina. Tal projeção poderia ser expressa como: não posso amar as pessoas, devo odiá-las. O conteúdo desse pensamento, não posso amar/devo odiar, é recalcado e a ideia consciente é a de que não se é amado, mas sim odiado. Quanto mais inconscientes os impulsos hostis, mais forte é a tendência de formar ideias delirantes de culpa. Nesses casos, um insaciável sadismo dirigido contra todas as pessoas e coisas foi recalcado e o sujeito passivamente terá prazer em seu sofrimento. Anterior ao estado de depressão, uma energia acima do normal indica a sublimação da libido a fim de obscurecer o conflito existente e desviar o estado mental depressivo. Mas a sublimação falha diante de qualquer situação que exija um estabelecimento definido da libido, provocando o colapso da depressão. A impossibilidade de utilizar de forma estabelecida sua libido faz com que o sujeito fique insulado, inibido, e será a inibição que se aliará com outras tendências inconscientes, contribuindo para o risco de um estado de negação da vida, cujo ponto máximo é o do estupor depressivo, a morte simbólica. A fase maníaca é o oposto da depressiva, apesar de ser orientada pelo mesmo complexo, mudando apenas a atitude do paciente, pois na depressão o sujeito é esmagado pelo complexo, preferindo a morte, e na mania aquele lhe é indiferente. Abraham reafirma o valor terapêutico da psicanálise nos casos de psicoses maníaco-depressivas, mas, apesar da semelhança na psicogênese entre as psicoses cíclicas e a neurose obsessiva, não sabe ainda responder por que se toma um ou outro caminho.

Ao compararmos o conteúdo dos dois trabalhos de Abraham publicados em 1911[38] com o que até então a teoria psicanalítica produziu sobre a etiologia das mudanças de humor nos estados depressivos e maníacos, temos um panorama complexo. Freud, influenciado pela psiquiatria kraepeliniana, investigou a depressão na insanidade maníaco-depressiva[39] e, entre 1983 e 1900, nos apresenta a teoria somática ligada aos estudos sobre neurastenia[40] que situava o humor depressivo entre as neuroses de origem psíquica com etiologia somática sexual. Na etiologia da histeria, neurose obsessiva e psicoses esquizofrênicas encontramos fatores psíquicos, mas na depressão os fatores etiológicos foram primeiramente atribuídos a uma descarga inapropriada de excitação somática sexual. Os estados depressivos associados com a ansiedade eram descritos pelo mecanismo de conversão da excitação sexual, e na forma neurastênica estavam ligados a uma diminuição da excitabilidade sexual por masturbação excessiva. A etiologia da melancolia não ocupou outra posição, existindo uma referência parcial de fatores etiológicos ligados a mecanismos psíquicos relacionados com a rivalidade edípica recalcada, mas sua periodicidade sempre apontava para uma causação somática. Entre 1907 e 1909 apresenta muito pouco sobre a etiologia da depressão, porém, na correspondência com Biswanger[41], encontramos que a mudança de humor em um jovem homossexual possuía causas primariamente hereditárias e secundariamente psíquicas. Em 1910 acontece o debate sobre suicídio pelo grupo de Viena sem haver consenso[42]. Apesar de Freud apontar para uma possível relação entre o suicídio e a identificação com a pessoa amada e a presença de desejos incestuosos, não teve receio de admitir que nada poderia ser dito sobre sua etiologia específica. Tais afirmações datam de 1910.

Após 1911, e com a influência de Abraham, encontramos em "Luto e melancolia"[43] a formulação de um sentimento de culpa que se origina de uma instância crítica, observada tanto na paranoia como na melancolia. Sentimentos de culpa e identificação, conjugados à ideia de uma instância crítica, são assim relacionados à etiologia dos sentimentos depressivos. A identificação pré-edípica e característica da fase oral se dá pela identificação por incorporação. O mecanismo da identificação consolida a posição dos fatores psíquicos na etiologia da depressão. A identificação, como fator preponderante na relação com o objeto perdido, traz através da ambivalência uma compreensão sobre a forma como o ódio dirigido ao ego caracteriza os estados melancólicos. O mecanismo psíquico da identificação por incorporação, característico da fase oral, evidencia um processo fantasmático de conservação de objetos no interior do ego-corporal que se constitui como alvo passional.

Assim, entre 1911 e 1923, Freud apresenta que na melancolia o objeto perdido ou renunciado é novamente criado no ego, de modo que as autorreprovações do melancólico são ataques muito agressivos ao objeto incorporado, oriundos da ambivalência recalcada. Tal posição foi intensamente compartilhada e aprofundada por Freud em sua pesquisa clínica e teórica, aproximando-se do que foi desenvolvido por Abraham.

O pioneirismo de Abraham

A importância histórica do pioneirismo de Abraham nos permite reconhecer que seu trabalho sobre Segantini contribui de forma original para o conhecimento sobre a etiologia das mudanças de humor nos estados depressivos e maníacos. Abraham compreende essa etiologia através dos conceitos de fixação libidinal e ambivalência em relação a um objeto de amor. A depressão ou melancolia, intercambiáveis para o autor, são reações comparáveis à tristeza pela perda do objeto. A depressão é a tristeza, como a ansiedade é o medo. Assim como a ansiedade ocorre quando o indivíduo se esforça para a gratificação do impulso, mas é impedido de alcançá-la pelo recalque, a depressão ocorre quando se deve renunciar a um objeto sexual. A retirada da libido do mundo externo envolve a perda da capacidade de amar e, portanto, o sujeito se sente odiado, e a libido de objetal torna-se narcísica.

Para Abraham, a oralidade é a base tanto da incorporação como da ambivalência. A incorporação do objeto de amor perdido será uma fantasia inconsciente canibalesta que desperta a depressão.

Dessa forma, podemos compreender que a depressão de um adulto também é construída por uma depressão primária, anterior à fase fálica, sendo em si uma regressão à oralidade que por razões constitucionais é particularmente forte em determinados sujeitos. A depressão seria como uma encenação de conflitos passados ??entre impulsos orais receptivos e agressivos. Nesse cenário, nos são apresentados pela teoria psicanalítica contemporânea a Freud e Abraham dois modelos de depressão: ou a imagem introjetada do objeto é o destinatário da censura ou a imagem introjetada dirige censuras contra o ego. Abraham considerou que os pacientes maníaco-depressivos exibem nos intervalos de remissão as mesmas características que os pacientes com neuroses obsessivas, e que estas são evidências de que as duas condições patológicas têm uma relação psicológica comum ligada à organização sádico-anal da libido. O obsessivo regride ao estágio anal-retentivo e o depressivo para um estágio anterior, uma combinação da oralidade e expulsividade anal. Embora Abraham tenha trabalhado mais com a depressão do que com esquizofrenia, ele acreditava que a retirada da libido da realidade externa com seu retorno sobre o ego era aplicável a ambas. Tal elaboração foi a base de uma posição teórica da psicanálise sobre os processos psíquicos das psicoses. Abraham caminha da visão freudiana da depressão fundamentada no complexo paterno, edípica, para uma compreensão da relação mais precoce da ambivalência encontrada nos estágios pré-genitais da libido. Assim, podemos considerar que sua abordagem apresenta uma relação nunca antes tratada entre a etiologia da depressão e o complexo materno caracterizado pelo recalque dos sentimentos hostis do menino em relação à mãe, como apresentado por seu trabalho sobre Segantini.


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