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Resumo
Resenha de Inês Sucar, Winnicott: ressonâncias, São Paulo, Primavera Editorial, 2011.


Autor(es)
Elisabeth Antonelli
é psicóloga, psicanalista, mestre em Psicologia Clínica pela PUCSP, Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, membro filiado do Instituto Durval Marcondes da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, professora do COGEAE/PUCSP.


Notas

1.Winnicott, 1975, p.?14.

2.Graña cita Marie-Christine Laznik, que aponta três tempos para estes movimentos compartilhados. No primeiro tempo, o bebê suga o seio para satisfazer uma necessidade biológica; no segundo tempo, ocorre a erotização do ato e o bebê suga os dedos ou outro objeto (autoerotismo); no terceiro tempo, evidencia-se o uso erótico do corpo, pelo bebê, para promover a promoção do gozo do Outro: aqui a mutualidade efetivamente se torna visível, com o bebê se deleitando com o prazer que é capaz de produzir, estendendo um dedo do pé ou da mão em direção à boca da mãe, que fingirá que o morde ou engole. O bebê se faz sugar ou morder, oferecendo-se como objeto de gozo da mãe, que o erotiza. A experiência de mutualidade inauguraria a comunicação entre mãe e bebê e a não ocorrência do terceiro tempo poderia ser indicadora de risco de desenvolvimento autístico do bebê.

3.Infelizmente falecido há pouco; fará falta neste campo, para o qual sempre contribuiu significativamente.



Referências bibliográficas

Abram J. (2000). A linguagem de Winnicott. Rio de Janeiro: Revinter.

Fulgêncio L. (2008). O brincar como modelo de método de tratamento psicanalítico. Rev. Bras. Psicanálise, vol. 42, n.1.

Loparic Z. (2008). O paradigma winnicottiano e o futuro da psicanálise. Rev. Bras. Psicanálise, vol. 42, n.?1.

_____. (2006). Winnicott: uma psicanálise não edipiana, Percurso, Revista de Psicanálise, vol. 17, ano IX, 2. sem.

_____. (2009). Os casos clínicos como exemplares do paradigma winnicottiano, Winnicott e-prints, vol. 4, n.1 e 2, São Paulo. Disponível em: .

Rache E. (2008). O início do trabalho do paradoxo na clínica psicanalítica, Rev. Bras. Psicanálise, vol. 42, n.1.

Roussillon R. (2006). Paradoxos e situações limites da psicanálise. Rio Grande do Sul: Ed.Unisinos.

Winnicott D.W. (1975). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago.

_____. (2000). Da Pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago.




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 LEITURA

Winnicott: ressonâncias nos trópicos

Winnicott: echoes in the tropics
Elisabeth Antonelli

Introdução

Winnicott é um autor em psicanálise que tem sido cada vez mais lido, muito indicado nas referências bibliográficas dos trabalhos científicos apresentados, tanto no âmbito das Sociedades de Psicanálise quanto nas Universidades e grupos independentes. A rigor, quando se escreve sobre psicanálise da escola inglesa atualmente, temos que buscar Winnicott, seja por sua larga experiência clínica (tanto pediátrica quanto psicanalítica), seja pela riqueza de conceitos que brotam de uma visão de mundo e de homem, digamos, mais benfazeja. Como ele teve vivência de trinta anos de clínica pediátrica, vendo cotidianamente as mães e seus bebês, em suas formulações teóricas podemos dizer metaforicamente que a vida pulsa, há esperança.

 

Onde a fissura do ser se revela, a boa maternagem vem ao encontro para refazer a ilusão (termo tão precioso para Winnicott) de unidade e de esperança.

 

Winnicott é um autor que nos lança na paixão pelo humano. Os grandes temas que brotam de sua vasta obra são a Transicionalidade e o Paradoxo, que vão ocasionar vários desdobramentos teóricos e clínicos. Para este autor é necessário que no processo de separação da mãe e de constituição do si mesmo um momento extraordinário aconteça: a possessão não eu, com uso de objetos transicionais: "...área intermediária da experiência, entre o polegar e o ursinho, entre o erotismo oral e a verdadeira relação de objeto, entre a atividade criativa primária e a projeção do que já foi introjetado..."[1]. Esta área intermediária é propriamente a área de experimentação, campo dos fenômenos transicionais.

 

Nesse campo, onde experiências de qualidades opostas precisam e podem coexistir, Winnicott extrai, como decorrência lógica, o tema do paradoxo. Para ele a natureza humana é prenhe de sentido à medida que pudermos dar atenção às suas contradições e ambiguidades. Há que se lembrar da importância do paradoxo na nossa clínica contemporânea com os pacientes chamados "difíceis".

 

René Roussillon (2006), em seu livro Paradoxos e situações limites da psicanálise, distingue três classes de paradoxos na obra de Winnicott: o paradoxo da transicionalidade, o paradoxo da capacidade de estar só e os paradoxos das defesas paradoxais.

 

O livro Winnicott: ressonâncias é resultado da reunião de textos apresentados no XVI Encontro Latino-Americano sobre o Pensamento de D. W. Winiccott, ocorrido em outubro de 2008.

 

Da presente publicação não poderia deixar de citar também sua capa, de autoria da psicanalista e artista plástica Vera Montagna. O jogo dos rabiscos (squiggle game), caro instrumento desenvolvido por Winnicott, foi utilizado em suas primeiras entrevistas com fins diagnóstico e terapêutico, e é contemplado com a continuação do rabisco de Winnicott por Vera, num jogo imaginário desta com o autor. Esse parece ter sido o espírito do congresso: um diálogo fecundo com um autor tão original e criativo.

 

O livro está dividido em oito eixos temáticos e oito capítulos: criatividade, construção do psiquismo, lugar do analista, mutualidade, paradoxo, psicossoma, tendência antissocial e vazio.

 

Tenho aprendido que resenhar um livro é fazer um convite à sua leitura, um passeio pela obra. E como se trata de um congresso latino-americano, há alguns textos em espanhol, cujas citações foram traduzidas para o português, pela resenhista, para efeito de uma leitura mais fluida.

 

Mãos à obra: fazer ressoar o livro

 

O primeiro capítulo é dedicado ao tema da criatividade.

Com Gilberto Safra aprendemos um pouco sobre o tema da apercepção criativa, relacionada com "a possibilidade de estar diante dos objetos e das situações de mundo de um modo que seja possível um tipo de apreensão que seja pessoal. A apercepção criativa ocorre integrando, em um único evento, a objetividade e a subjetividade, perspectiva fundamental do evento paradoxal" (p. 16). Segundo Safra, Winnicott separa dois tipos de adoecimento psíquico, situações nas quais o paradoxo é rompido e o sujeito se vê lançado ou para a subjetividade (alucinação e delírio) ou para a objetividade (diferentes modalidades de aparecimento de falso self); a experiência aperceptiva implicaria a possibilidade de ser mantido o paradoxo de se estar situado no mundo objetivamente sem que a experiência subjetiva seja perdida.

 

O segundo capítulo versa sobre a construção do psiquismo.

Agrega autores em torno da revolução feita por Winnicott no campo da psicanálise pós- freudiana. A partir de seu modo de conceber a construção do psiquismo, ocorreria uma mudança de paradigma em psicanálise, afirmação defendida por Zeliko Loparick. Para Loparick, Winnicott constrói sua teoria descentrando o modelo que tem como complexo nuclear o complexo de Édipo para o modelo de desenvolvimento de uma teoria do amadurecimento humano. Entretanto, muitos autores em psicanálise não concordam com tal afirmação e mantêm Winnicott dentro da tradição psicanalítica. A construção do psiquismo passa por transformações, que são esclarecidas pelos autores desse capítulo. Temas ligados à construção desse psiquismo, tais como: mãe suficientemente boa, continuidade-de-ser, preocupação materna primária, objetos transicionais e falso self, são esclarecidos para a compreensão da dinâmica deste modo de conceber o psiquismo.

 

O terceiro capítulo trata da questão do Lugar do Analista.

Winnicott propõe sérias modificações na concepção ortodoxa do lugar do analista, partindo tanto da transformação da noção de sujeito psíquico quanto da possibilidade de atendimento de casos de não neurose (para usar um termo de André Green). Para Orestes Forlenza Neto: "o grande trabalho do analista é consigo mesmo - o trabalho de lidar com seu 'sentimento de inexistência'" (p. 115). Para o autor, é preciso aprender a suportar a espera de ser criado subjetivamente pelo analisando. Elney Bunemer coloca a questão deste modo: "se o bebê para usar o objeto destrói a mãe na fantasia, o analisando também não precisa destruir o analista na sua fantasia para poder usá-lo?" (p. 146); desse modo o analista precisa descer do "trono". Sendo assim o analista winnicottiano se coloca a serviço do seu analisando para que ali, na situação analítica, aconteça um trabalho de regressão e reconstrução e o analista possa representar o ambiente suficientemente bom que provavelmente falhou na primeira infância. Para tanto o analista precisa suportar ser "destruído", criticado, zombado, superado, para se tornar um objeto subjetivamente percebido, para vir a ser de serventia para seu analisando.

 

O quarto capítulo é dedicado ao tema da mutualidade.

Roberto Graña começa seu texto cotejando o trabalho de Winnicott com o de Bettelheim, que teria sido o autor que de fato usa mutualidade. Winnicott trabalha com o termo em um artigo de 1969, "A experiência de mutualidade mãe-bebê", e posteriormente recorrerá a noções como adaptação, empatia, interdependência, espelhamento. Neste artigo Roberto Graña faz um estudo do uso do termo em diversos autores, inclusive da escola francesa, cotejando com Winnicott, sendo que cabe ressaltar que em Winnicott o bebê é um ser-com. Portanto, o ambiente possui importância muito grande, por ser indistinguível do bebê. A experiência da mutualidade diz respeito a fenômenos observáveis a partir da décima segunda semana de vida do bebê e diz respeito à brincadeira de alimentar a mãe, um gesto espontâneo do bebê, cuja receptividade selará seu destino[2]. Plinio Montagna aponta para momentos de comunicação não verbal na situação analítica prenhes de mutualidade, tais como interdependência, influência mútua, reciprocidade.

 

O paradoxo, tema do capítulo cinco, um dos mais importantes na obra de Winnicott, tem o nome do conceito que produzirá efeitos fundamentais na própria psicanálise e no desenvolvimento da atividade clínica (de todo analista).

 

Luis Claudio Figueiredo nos contempla com um trabalho primoroso, retomando seus escritos anteriores sobre o paradoxo como a via de sustentação da atitude profissional do analista. Distingue três teses sobre o paradoxo em psicanálise: a primeira sobre o objeto da psicanálise, com a matriz paradoxal da condição humana - a solidão fundamental do bebê, que é ao mesmo tempo comunhão absoluta do bebê com seu meio, e as consequências disto nos processos tanto de adoecimento quanto nos de amadurecimento emocional. A segunda tese, já com ecos ressonantes da condição paradoxal do sujeito descrita na primeira tese, versa sobre o discurso teórico em psicanálise dizendo respeito à necessidade de se pensar em teoria como objetos transicionais, veículo de trânsito entre manifesto e latente, consciente e inconsciente, mundo interno e mundo externo. E uma terceira tese sobre o paradoxo como dispositivo clínico da psicanálise; por exemplo, na transferência - o analista é ao mesmo tempo ele mesmo e um outro (do paciente e de si).

 

O sexto capítulo trata de um tema para o qual Winnicott traz uma contribuição, a meu ver, insubstituível: a noção de psicossoma. Com sua teoria do amadurecimento, Winnicott aponta para uma psique que se enraíza no soma dando origem a uma identidade psicossomática que não sendo dada vem a se tornar uma conquista frágil e instável, que pode nem ser alcançada, apresentar várias formas de enfraquecimento, ou ameaça de ruptura, como é o caso do distúrbio psicossomático. Por sua vez o distúrbio psicossomático pode ter como um dos objetivos: "retomar a psique da mente, e levá-la de volta à sua associação original com o soma" (p. 345), sendo que a mente é entendida como uma reação defensiva à invasão e, para que haja saúde, é necessário que se restabeleça a conexão da psique com o soma.

 

Participam deste capítulo autores reconhecidos por sua pesquisa na área, dos quais destaco Noemi Lustargen de Canteros, que comenta sua clínica com pacientes com afecções alérgicas. Com base em sua prática, concebe a ideia de uma intolerância narcísica como uma tentativa de suplantar um déficit simbólico estruturante, que buscaria aquilo que deveria ordenar e legalizar as fronteiras, os espaços entre mãe e filho, eu-não eu, uma tentativa de escapar daquilo que Winnicott chama de invasão ou falha ambiental, que seria o fracasso do ambiente em favorecer o amadurecimento do bebê. Ou seja, a afecção alérgica entendida como uma tentativa de manter um contorno narcísico.

 

O sétimo capítulo tem como tema a tendência antissocial, com importantes contribuições de Winnicott para a compreensão da delinquência.

José Outeiral[3] trabalha com a distinção entre privação e deprivação, situando a questão da tendência antissocial na etapa entre a dependência absoluta e a dependência relativa, rumo à independência. Uma falha ambiental no momento de dependência absoluta caracterizaria uma privação, e uma falha ambiental no momento posterior, de dependência relativa, caracterizaria a deprivação: "quando a criança avança até a dependência relativa, já temos a presença do espaço potencial no desenvolvimento emocional, área das primeiras experiências não eu, com a percepção da mãe (m/other)... Já existem aspectos do estágio da preocupação (concern). Uma falha neste momento leva à deprivação (deprivation)..." (p. 306).

 

Já David Léo Levisky nos faz refletir sobre o roubo. Esse evento se constituiria como uma tentativa de resgate, e, neste caso, como um movimento positivo da criança ou adolescente, de buscar o que lhe falta ou sente que lhe foi tirado: os pais...

 

Pablo Abadi, com um texto pequeno e enxuto, traz um pensamento instigante. Ele trabalha com a ideia de um psicanalista antissocial ou a psicanálise transgredida. Abadi nos conduz para a compreensão dos ataques à regra de abstinência e à transferência como exemplo de passagens ao ato, manifestando a conduta antissocial do analista. Com uma longa reflexão, ressalta que a passagem ao ato mais comum e que até pareceria justificada é a necessidade (do analista) do uso de medicação psiquiátrica.

 

Raul Gorayeb também trabalha a importante questão da deprivação, característica da tendência antissocial e origem do problema. Relata um caso de sua clínica e algumas experiências pessoais fora dos enquadres tradicionais, como supervisor junto a ONGs que empreendem trabalhos com crianças de rua. Um trabalho importante que o autor modestamente encurtou no seu texto.

 

Chegamos ao oitavo capítulo, cujo tema Vazio fecha a presente coletânea, apontando tanto para os aspectos patológicos quanto para os aspectos saudáveis, manifestos na capacidade de suportar estados de não organização.

 

Paulo de Moraes Mendonça começa seu texto com a narrativa de um caso de sua clínica e traz como contribuição a ideia de um aquém do princípio do prazer: "pacientes com intensas vivências ligadas ao vazio apresentam áreas de falhas na simbolização, ou seja, fenômenos sem representação mental. Essas pessoas muitas vezes recorrem a atuações, somatizações ou enactments (Jacobs, 1991; Cassorla, 2005) não apenas como forma de evasão de dores psíquicas, mas como veículo de comunicação com o analista" (p. 346). Jaime Marcos Lutenberg contempla diretamente a vida cotidiana dos pacientes que descrevem a vivência de vazio dentro de sua estrutura mental, revelando todo um trabalho defensivo meticuloso. Para o autor, a simbiose secundária defensiva e o autismo secundário são estruturas específicas destinadas a subjugar o sentimento de vazio. O texto de Jaime Comola Andrews finaliza o livro: o autor trabalha a noção de vazio situando a diferença entre conhecer e saber do vazio. Podemos saber do vazio, mas não conhecê-lo. Termina o texto de um modo, a meu ver, realmente genial: "a noção de investimento pelo contato corporal com as bordas que rodeiam o vazio revela o que é a nossa condição de possibilidade e nosso drama oculto. Estamos sempre habitando a fronteira, a zona de ilusão onde o vivido se torna representação e esconde no gesto criativo o truque que faz sair a pomba do chapéu" (p. 391).

 

Finalizando

Muitas questões se abrem com a leitura deste livro. Muitas pesquisas podem se originar também. Winnicott, sem dúvida, proporciona um diálogo muito fecundo para os que se interessam pelos novos rumos que se apresentam tanto em termos de desenvolvimento quanto em termos de padecimento psíquico. Nós, como representantes da América Latina na evolução do pensamento winnicottiano, temos no presente livro uma inestimável contribuição. Espero que a presente resenha tenha sido um convite agradável para o aprofundamento da sua leitura.


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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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