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Resumo
Resenha de André Green, Du signe au discours. Psychanalyse et théories du langage, Paris, Ithaque, 2011, 168 p.


Autor(es)
Marie-France Brunet
é psiquiatra e psicanalista, membro da Associação Psicanlítica do Chile e da International Psychoanalysis Association (IPA), professora do Instituto de Psicanálise do Chile e ex-secretária científica. É coordenadora do Grupo de Estudos Chilenos sobre André Green.



Notas

[1]   . In Langages, II Encontro de Psicanálise de Aix-en-Provence, Paris, Les Belles Lettres.

[2]   Descoberto em 1996, na residência de Saussure em Genebra, esses textos, originalmente escritos pelo autor, foram organizados e editados por S. Bouquet e R. Engler, e publicados em Paris pela Gallimard em 2002 (trad. bras.: São Paulo, Pensamento-Cultrix, 2004). A publicação dos Escritos modifica e precisa a teoria saussuriana, até então forjada somente a partir do Curso de Linguística Geral (trad. Bras.: São Paulo, Pensamento-Cultrix, 2006, 26. ed.), obra constituída de uma compilação de notas de curso de dois alunos de Saussure, Ch. Bailly e A. Sechehaye.

 [3]   Nos seus Écrits sur le signe (1978), Peirce propõe uma estrutura triádica constituída pela relação de um sujeito com um segundo, chamado seu objeto, para um terceiro, chamado seu interpretante, constitutivo do signo: "A terciaridade - define Peirce - é a relação triádica entre um signo, seu objeto e o pensamento - ele próprio signo enquanto modo de ser de um signo. Um signo serve de intermediário entre o signo interpretante e o seu objeto". Paris, Seuil, 1998, p. 29.

[4]   A. Green, Du signe au discours, op. cit., p. 71.

[5]   Op. cit. Cf. supra nossa nota 2.

[6]   Ch. Bally, Le Langage et la Vie (1913), 3. ed., Genebra, Librairie Droz, 1965; P. Guiraud, Sémiologie de la sexualité, Paris, Payot, 1978; P. Guiraud, Dictionnaire historique, stylistique, rhétorique, étymologique de la littérature érotique, Paris, Payot, 1978.

[7]   Op. cit.

[8]   Pour une linguistique de l'énonciation II, Paris, Ophrys, 1999.

[9]   Une introduction aux sciences de la culture, Paris, Puf, 2002.

[10]  . "De l'origine du langage à l'émergence du milieu sémiotique", Marges linguistiques 11, 2006. Disponível em <http://www.revue-texto.net/Inedits/Rastier/Rastier_Origine.pdf>.


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 LEITURA

Psicanálise e linguística: desencontros e reencontros

[Du signe au discours. Psychanalyse et théories du langage]


Psychoanalysis and linguistics: misunderstandings and new encounters
Marie-France Brunet

Du signe au discours. Psychanalyse et théories du langage se inscreve em uma linha de pesquisas do autor menos conhecida que outras - as relações entre a linguagem e o inconsciente freudiano -, inaugurada com seu texto "Le language en psychanalyse" de 1984[1]. Desde muito cedo empenhado na busca de uma psicanálise contemporânea, Green construiu um modelo pluralista, amplo e complexo, aberto ao diálogo com outras áreas do saber, tais como as neurociências, a antropologia e a linguística. Permanece no entanto um modelo especificamente analítico na medida em que o diálogo com estas disciplinas se desenvolve a partir do estudo do discurso dentro do enquadre.

 

O prefácio, escrito por Fernando Urribarri, oferece pontos de referência históricos e conceituais para que se possa compreender as contribuições de Green ao tema da linguagem em psicanálise. Urribarri propõe dividi-las em três períodos: lacaniano, pós-lacaniano, e modelo teórico e clínico contemporâneo. Em 2012, no Colóquio em homenagem a Green (organizado pela Sociedade Psicanalítica de Paris - spp), Simon Bouquet, linguista com quem Green trabalhou, propõe um diálogo com este prefácio. Situa Lacan e Green como os dois grandes psicanalistas franceses que pensaram as relações entre psicanálise e linguística, sendo que Green de uma forma menos dogmática. Retomando os períodos sugeridos por Urribarri, Bouquet propõe um quarto período, neossaussuriano, a partir do trabalho em torno dos recém-descobertos Escritos de Linguística Geral[2] de Saussure, que, segundo Bouquet, evidencia a diferença de tom entre o primeiro e o último capítulo deste livro, que vai do pessimismo ao otimismo.

 

No primeiro capítulo, "Le langage au sein de la théorie générale de la représentation" (1997), Green revê as contribuições de linguistas como Antoine Culioli, Michael A. K. Halliday e John Austin a respeito da natureza e da estrutura da linguagem. Retomando ideias centrais de "Le langage en psychanalyse", posiciona a teoria da representação generalizada como eixo da teoria e da clínica psicanalíticas. Propõe o enquadre analítico como aplicação técnica da teoria do sonho, uma vez que o discurso emitido na sessão tem características próximas ao sonhar: há transformação do aparelho psíquico em aparelho de linguagem.

 

A partir de sua crítica do reducionismo inerente à fórmula lacaniana "O inconsciente é estruturado como uma linguagem", Green amplia o campo da representação (representante psíquico, representante-representativo, representação de coisa consciente e inconsciente, representantes da realidade), somando a isto uma ampliação da própria tópica, que incluirá então quatro territórios (soma, psiquismo inconsciente e consciente, e o real), divididos por zonas de transição (um limite somato-psíquico, um criado pelo pré-consciente, e o terceiro que corresponde à barreira de para-excitação). Para Green, a linguagem em psicanálise não pode dissociar-se deste conjunto. A teoria mais próxima da psicanálise, segundo ele, não é aquela de Lacan (onde a representação é reduzida a dois significantes), mas sim a estrutura triádica de Charles Sanders Pierce, que Green associa com a terciaridade do enquadre[3]. A partir da clínica com pacientes não neuróticos e da elaboração teórica do trabalho do negativo nela enraizada, Green dá conta do irrepresentável, da alucinação negativa do pensamento ou ainda de fenômenos confusionais ligados à identificação, antagonistas da representação. Desse ponto de vista, formula algumas hipóteses relativas a uma protolinguagem, ou temporalidade arcaica - co-construída no contato com o objeto -, bem como postula uma teoria da forma e do movimento, complementar à teoria do significado, que ultrapassa o significante. Uma das conclusões do artigo é que a linguística e a psicanálise se cruzam sem se encontrar.

 

No segundo capítulo, "La voix, l'affect et l'autre" (2005), Green expõe a complexidade do objeto estudado. A voz está ligada a uma pessoa, podendo inclusive ser sua metonímia e envolver toda a personalidade. É um componente da fala. Não importa a forma que assuma, ela se dirige ao outro, esteja ele presente, ausente ou participando secretamente da comunicação: refere-se portanto à subjetividade e à alteridade. No início da vida, inclusive da vida pré-natal, emerge um som entre os ruídos contínuos (ruídos intestinais da mãe), como matriz de algo que será logo reconhecido como reminiscência não concebida antes, incompleta enquanto espera ou resposta a uma pergunta: a voz da mãe. Este som inaugural dá origem a uma malha de transformações possíveis.

 

A principal característica deste capítulo é sua luta contra os reducionismos, e a defesa de uma complexidade sempre mantida em tensão. Remete ao que é a análise: "É a fala que, antes de mais nada, veicula um outro sentido, que não poderá deixar intactos os meios da vocalização"[4]. Introduz uma ampliação do tema através da patologia (o autismo) e da sublimação, que, entre outros aspectos, leva em conta o papel do corpo, a sensorialidade e a pulsão. A linguagem sobrevive por sua relação com o que não é linguagem, ao mesmo tempo que enriquece aquilo que ela permitiu que surgisse.

 

"De ‘La négation'" (2005) examina o tema da negação na obra de Freud, desde a Interpretação dos sonhos até o artigo de 1925, "A negação". A prova de realidade tem como tarefa reencontrar um objeto que, para tanto, teve antes que ser perdido: sob o princípio de prazer, há um estado de não separabilidade em relação ao objeto. A partir de uma perda, se acede ao predomínio do princípio de realidade, instituindo-se um não eu contendo o objeto que serve à satisfação e substitui aquela presente no Eu-prazer original. Assim, conceitualmente, Eros significa unificação, e a afirmação é seu substituto. Em troca, a partir da pulsão de destruição, é necessária uma evolução para se passar da destruição - que é pulsional - à negação, juízo intelectual. Em Freud, a categoria de juízo se aproxima da linguística, mas o trajeto é diferente: há uma cadeia que vai das origens pulsionais até a aquisição dos símbolos de negação no pensamento e na linguagem. Green diferencia a relação entre negação e simbolização em Freud e Klein, do desenvolvimento que, a partir dela, supõem as obras de Bion (tolerância à frustração, função alfa, rêverie, capacidade negativa, -C) e Winnicott (espaço potencial, lado negativo das relações). Finalmente, retoma seu próprio "trabalho do negativo", em suas vertentes estruturantes e patológicas, esta última dando acesso à compreensão de aspectos da clínica contemporânea: estados de vazio, sentimentos de futilidade, desinvestimento objetal e subjetal.

 

O capítulo iv, "Linguistique de la parole et psychisme non consciente", foi escrito logo depois da edição dos Escritos de linguística geral, de Saussure, texto que Lacan não chegou a conhecer, apesar de ter estado indiretamente em contato com a teoria de Saussure através de seu Curso[5]. Aqui, Green afirma existir - em que pese a distância entre a linguística saussuriana e a psicanálise freudiana - "certas zonas de intersecção". Relacionam-se à importância dada por Freud ao vínculo do pensamento à pulsão, corpo-pensamento, enquanto em Saussure há uma referência ao pensamento-som, na medida em que o fato físico do som não pertence ao âmbito da linguística a não ser por sua relação com o signo, que implica o significado. Assim, ambos os autores se distanciam de um elo direto entre uma atividade cerebral e a atividade mental complexa. Green enfatiza o modo de produção da linguagem no enquadre, que dá acesso à heterogeneidade do significante e às diversas temporalidades que o habitam. O diálogo com os linguistas se prolonga com Charles Bally e Pierre Guiraud[6], que fazem referência à afetividade, ao inconsciente coletivo, ao jogo e à sexualidade, aspectos que, com suas diferenças, abrem a mais pontos de convergência com a psicanálise. Com Pierce, Green encontra eco à sua teorização da "terciaridade generalizada com o terceiro substituível". Finalmente, com Bouquet, vê a possibilidade de relançar o intercâmbio psicanálise-linguística pela via do referente comum da ordem discursiva.

 

O último capítulo, "Psychanalyse et théories du langage: hésitations et conclusions", condensa muitas das ideias expostas anteriormente. Green lembra que a psicanálise se ocupa de destinos individuais, e que nossa experiência como psicanalistas surge da clínica. Assim sendo, considera o discurso dentro do enquadre, ou seja, essa fala produzida por um psiquismo em associação livre, com seu poder metaforizante (ligado à simbolização), e na qual a linguagem faz a mediação até o inconsciente. Green se refere ainda aos Escritos de Linguística Geral[7], onde Saussure delimita o campo da linguística do campo do psiquismo, e convida outras áreas do conhecimento a abordar esse campo mais extenso. Recentemente, Antoine Culioli[8] enfatizou a interpretação e seu reconhecimento por dois coenunciadores, devolvendo a linguagem à esfera do diálogo. Destacando as contribuições de Pierce, Green cita Simon Bouquet e François Rastier[9], que marcam a existência de uma polaridade retórico-hermenêutica na obra de Saussure sobre a lógico-gramática seguida por Lacan. Em Rastier[10], destaca a referência à capacidade de imaginar objetos em sua ausência e às interações complexas - e, para Green, o discurso psicanalítico remete ao ausente na transferência. Em suma, os trabalhos desses linguistas, que incorporam a perspectiva histórica e interpretativa, lhe parecem contribuir mais à psicanálise que o positivismo que impera em certas correntes ideológicas atuais.

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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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