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Resumo
Nesta breve comunicação, Green resume suas ideias definitivas sobre a pulsão de morte. Afirma claramente sua importância na vida psíquica, e enumera alguns pontos nos quais discorda da formulação freudiana original quanto a essa pulsão.


Palavras-chave
pulsão de morte; destrutividade; impotência do ego; expressões da negatividade na clínica.


Autor(es)
André Green
foi psicanalista, membro da Sociedade Psicanalítica de Paris, ocupou as posições de Presidente e de Diretor do Instituto de Psicanálise. Foi vice-presidente da IPA, Associação Psicanalítica Internacional, professor honorário na Freu Memorial Chair do University College de Londres e na Universidade de Buenos Aires, membro honorário da Sociedade Britânica de Psicanálise, além de membro da Academia de Ciências Humanas de Moscou. Era ainda detentor do Mary Sigourney Awards e, em 2007, foi condecorado pela IPA por serviços excepcionais prestados à Psicanálise. Recebeu a Légion d'Honneur, a mais elevada medalha atribuída pela República Francesa.


Notas
[1]   A. Green, "La mort dans la vie. Quelques repères pour la pulsion de mort", in J. Guillaumin et al, L'Invention de la pulsion de mort, p.?166.


Referências bibliográficas

Green A. (2000). La mort dans la vie. Quelques repères pour la pulsion de mort. In Guillaumin J. (org.). L'Invention de la pulsion de mort. Paris: Dunod.





Abstract
In this short communication, Green summarizes his final views on the death instinct. He states clearly its importance in psychical life, and enumerates some poits on which his ideas differ from Freud's original conception of this drive.


Keywords
death instinct; destructivity; ego weakness; expressions of negativity in the psychoanalytic treatment.

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 TEXTO

Última atualização sobre a pulsão de morte

Last formulations on the death instinct
André Green

Já faz mais de oitenta e cinco anos que a ideia de pulsão de morte foi proposta, e mais de sessenta e cinco que Freud parou de poder defendê-la contra seus detratores. Vimos que acreditava nela com crescente firmeza de 1920 até sua morte em 1939. Contudo, não conheceu:

 

a destruição dos judeus da Europa nos campos de extermínio nazistas;

os campos soviéticos de "reeducação";

os danos causados pela bomba atômica na Ásia;

o destino dos oponentes do regime de Pol Pot no Camboja.

 

Tristes confirmações de uma ideia nascida de seu pressentimento. Nada que permita a esperança de exorcizar o perigo, pelo contrário, só fatos - e meramente os principais fatos - confirmando as piores apreensões de Freud.

 

Do ponto de vista da clínica, seja qual for a teoria que adotemos ou que tenhamos desenvolvido, trata-se sempre - na psicanálise contemporânea - de responder à questão da destrutividade, recente entre as formas clínicas enfrentadas pelos psicanalistas. Freud apontara três ocorrências ilustrativas da pulsão de morte: a consciência de culpa, o masoquismo e a reação terapêutica negativa. Enunciado sem dúvida incontestável, mas ao qual a clínica moderna acrescenta muitos outros quadros.

 

Uma atualização do conceito de pulsão de morte não é nada fácil. Primeiro, por causa da massa de dados que é preciso incluir. Pois é necessário passar em revista não só as interpretações de Freud, para pensar outras soluções menos especulativas, como também tudo que pertence à literatura pós-freudiana, cuja diversidade de posições não se deixa reduzir a um conceito integrador. Além disso, há tudo que a clínica contemporânea nos ensinou e que Freud não considerou - sem contar com o que isso acarreta em termos de variações da técnica ou de adoção de novos parâmetros.

 

Para começar, uma questão ao mesmo tempo terminológica e conceitual. Designar a sexualidade como manifestação das pulsões sexuais parece nunca ter chocado ninguém, e a substituição delas por Eros também não levantou objeções. Mas falar de pulsão de morte suscita uma reação totalmente oposta.

 

Talvez seja necessário ser claro e explicar que a morte e a pulsão de morte são coisas diferentes. A morte é um fato, cientificamente comprovável. Podemos defini-la por sinais objetivos (eletroencefalograma plano durante certo tempo, etc.), qualquer um pode constatá-la. E se sabe muito bem que prolongar - mesmo que por vários anos - a sobrevivência de uma pessoa que é um verdadeiro morto-vivo não passa de artifício. Uma simples desconexão dissipa a ilusão de vida artificial que ainda subsistia. Mas uma pulsão que impele a morrer não é algo óbvio. O que se quer dizer com isso? Se evitarmos o termo controverso "pulsão de morte" e lembrarmos que se trata, sobretudo, de destruição (auto e hetero), as coisas ficam mais claras.

 

Destruição de quê? Destruição da vida com certeza, ou seja, destruição do corpo físico animado que vive e respira - porque, para a vida e para a alma, é a parada do sopro (pneuma) que identifica imediatamente a morte. Mas destruição também da alma e do psiquismo, já mais difícil de perceber, pois sempre se supõe que, por trás das aparências, há vida. A destruição da alma é o que qualquer projeto de submetimento e de dominação busca alcançar na guerra que o opõe ao outro: o estrangeiro, o mau, o odiado. Não há triunfo sobre o outro que conserve para este a liberdade de pensar, e, conforme o caso, de desprezar o adversário. O que se busca é o abandono de tudo o que pareça ser da alçada de uma vontade individual, e que teria o direito de exprimir sua diferença, seu repúdio ou sua oposição ao outro.

 

Talvez se deva distinguir, como tentei fazer, um masoquismo paterno (sofrer para o pai) de um masoquismo materno, em que a mãe sacrifica tudo para evitar que o filho sofra (o espírito de sacrifício da mãe). Na verdade, ambos se juntam: trata-se de ir até o esquecimento da autoconservação para servir a uma imagem colocada acima de tudo (Deus, a criança). Indagar-se sobre a validade da denominação "pulsão" justifica-se menos que lembrar que tudo parte da compulsão à repetição, para além do princípio do prazer. Portanto, aqui, pulsão quer dizer organização primitiva sobre a qual o Eu não tem controle, e que tende a se reproduzir sem estar ligada à busca repetitiva do prazer, mas sim tentando, segundo Freud, restabelecer um estado anterior.

 

A pulsão (de morte) existe porque Freud precisava dela para compor seu sistema teórico. A verdadeira pergunta passa a ser: a pulsão serve para pensar? A partir do momento em que o conteúdo do conceito reforça a coerência da sua teoria, o resto passa para o segundo plano. O que importa é o par construção-destruição, com seu correlato intricação-desintricação. Há, com efeito, dois modos de conceber a pulsão de morte. Se ela for algo próprio dos casos que revelam uma aspiração incoercível ao fracasso, ao desprazer, ao sofrimento, trata-se de uma aplicação limitada que se justifica sem maiores dificuldades. Mas há também os objetivos do par pulsional Eros-destruição, de aplicação bem mais ampla, propondo uma nova visão da vida psíquica.

 

Quando, em análise, eu me vejo diante de certas formas de sentimento de culpa inconsciente, de masoquismo e de reação terapêutica negativa extrema, busco o que dará conta delas. Mas quando, extrapolando esse quadro, reflito sobre o sentido do sentimento de culpa inconsciente, do masoquismo ou das outras formas da negatividade no tratamento, penso que, em última instância, todas estão ligadas a manifestações da pulsão de morte. E, se chego a essa conclusão, não é considerando uma realidade qualquer que eu teria apanhado na minha rede, mas porque reconheço a natureza essencialmente especulativa desse conceito "supremo", como o chama Freud. Ele reivindicava, para os conceitos supremos, o direito de não terem de ser provados. Será isso um "biologismo" imaginário ou uma metabiologia encoberta? Talvez se trate, na verdade, da busca de uma coerência conceitual constitutiva do psiquismo.

 

Mas faço um questionamento. Não consigo decidir se a natureza essencial da pulsão de morte é de origem interna, visando à morte do sujeito, ou se prevalece sua orientação externa, visando à morte do outro. Parece-me que a experiência não ajuda a concluir. O importante é a referência a uma destrutividade originária de orientação dupla, que em geral permanece inconsciente. Cheguei a especificar em outro texto[1] que, na educação das crianças pequenas, é preciso tomar cuidado para que a pulsão de morte, devido a maus-tratos, não destrua a experiência do viver.

 

Dando sequência a essa tese, diria que quando as experiências dolorosas põem em xeque o princípio do prazer, invadindo a psique, dão lugar a experiências de destrutividade irrepresentáveis devido a seu poder devastador generalizado, isto é, externo e interno. Angústia mortal e destruição ilimitada ocupam todo o psiquismo. Sua ressurgência no adulto costuma ser de difícil interpretação. O "daimônico" se torna demoníaco. Nesses casos, entende-se que não se possa falar de regressão a um estágio libidinal anterior, mas que se trata de uma regressão global em que a destrutividade não sabe como lidar com a dor psíquica, nem como acabar com ela.

 

Em suma, estaríamos mais perto daquilo que Pierre Marty chama de desorganização do que de uma regressão em sentido estrito. Da mesma maneira, já não haveria espaço para o prazer em um lugar onde, paradoxalmente, só reina o gozo. Ele é ininterpretável, ou seja, as interpretações não produzem efeito algum sobre ele. Ainda assim, sinto-me obrigado a evocar a ideia de uma força pulsional, no sentido de um ciclone que nada deteria. Ela é sem dúvida causada pelo sentimento de um Eu reduzido à impotência, como o analista quando se torna objeto dessas reações tempestuosas, sem ter a sensação de as haver provocado. Não esqueçamos o papel, nas formas menos extremas, da coexcitação libidinal.

 

Falta discutir alguns pontos, decorrentes do exposto acima. Trata-se da consideração insuficiente da participação do objeto na criação dessa situação. Isso virou uma verdade estabelecida, que Winnicott tentou remediar. Não esqueçamos o papel essencial da intricação (é a principal contribuição do objeto), e a possível desintricação, com a qual fica marcado seu fracasso.

 

Para terminar, destacaremos alguns aspectos:

 

  1.  Ao contrário do que Freud dá a entender, a pulsão de morte não implica nem supremacia sobre a pulsão de vida, nem irreversibilidade definitiva quando acontece de ela preponderar;

  2.  No estado normal, a intricação, favorecida pelo objeto, é a forma sob a qual devemos adivinhá-la. Contudo, penso que pode acontecer de a observarmos em estado quase totalmente desintricado (a anorexia);

  3.  A pulsão de morte tem de levar em consideração seu polo complementar: a relação de objeto, da qual depende amplamente;

  4.  A experiência da transferência pode chegar a ligar novamente o que se desligou sob a influência da pulsão de morte. Portanto, a função do analista na transferência não pode ser minimizada. Ela depende de seu modelo originário: o objeto;

  5.  O campo da pulsão de morte é interno ou externo. Estende-se à psicopatia criminológica e às psicossomatoses.

 

Sejam quais forem as opções adotadas por uns e outros - pois não há nenhum argumento decisivo que encerre o debate - o que temos de admitir - essencialmente - é a centralidade do conceito de destruição. Claro que ele pode ser interpretado de diversas maneiras, mas o importante é não ocultá-lo.

 

Para lembrar-nos disso existe a reflexão sobre o campo sociocultural e sobre a psicocriminalidade. Tentei descrever uma função objetalizante e, correlativamente, uma função desobjetalizante. A primeira teria por finalidade transformar as funções em objetos, outro modo de descrever o trabalho de Eros; a segunda teria o papel de tornar os objetos indiferentes à sua utilização em termos de gozo e de destrutividade. Pulsão e objeto também formam um par indissociável.


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Percurso é uma revista semestral de psicanálise, editada em São Paulo pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae desde 1988.
 
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